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Entrevista especial

- Publicada em 07 de Julho de 2019 às 21:11

Rigotto critica exclusão de estados da reforma da Previdência

Rigotto acredita que os termos atuais serão para "meia reforma"

Rigotto acredita que os termos atuais serão para "meia reforma"


CLAITON DORNELLES /JC
O ex-governador Germano Rigotto (MDB) acredita que a reforma da Previdência sem a inclusão dos estados e municípios - como consta no relatório do deputado federal Samuel Moreira (PSDB-SP) - será uma "meia reforma". Da mesma forma, avalia que uma reforma tributária que só simplifique os impostos federais será uma "reforma meia sola". Nesse formato, tanto uma como a outra não solucionam o problema da Previdência e do sistema tributário brasileiro.
O ex-governador Germano Rigotto (MDB) acredita que a reforma da Previdência sem a inclusão dos estados e municípios - como consta no relatório do deputado federal Samuel Moreira (PSDB-SP) - será uma "meia reforma". Da mesma forma, avalia que uma reforma tributária que só simplifique os impostos federais será uma "reforma meia sola". Nesse formato, tanto uma como a outra não solucionam o problema da Previdência e do sistema tributário brasileiro.
Para o ex-governador, se os estados e municípios não forem incluídos nas novas regras previdenciárias, o endividamento dos entes em pior situação vai acabar estourando na União daqui a alguns anos.
Quanto à reforma tributária, Rigotto sustenta que unificar todos os impostos federais em um único tributo - deixando de fora os impostos estaduais - não resolve o problema da guerra fiscal, por exemplo. "Uma reforma que simplifique apenas os tributos federais não é efetiva."
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, Germano Rigotto analisa, também, o primeiro semestre do governo Jair Bolsonaro (PSL). Na visão do emedebista, a gestão Bolsonaro acerta ao modificar sua relação com o Congresso Nacional, mas erra ao criar conflitos desnecessários com os parlamentares.
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O ex-governador aconselha, ainda, o governo Eduardo Leite (PSDB) e os deputados estaduais a analisarem o Plano Mansueto, de ajuda da União aos estados, ao mesmo tempo em que negociam a adesão ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF).
Jornal do Comércio - Como o senhor avalia o primeiro semestre de governo Jair Bolsonaro?
Germano Rigotto - O governo assumiu com um capital político que poucos presidentes tiveram. Bolsonaro assumiu com o discurso de mudar a forma de se relacionar com o Congresso Nacional, rompendo com aquilo que caracterizou os governos do presidencialismo de coalizão: o troca-troca, o fisiologismo, o clientelismo, a indicação política para cargos etc. O presidente tem sido coerente com o seu discurso e vem rompendo com esse modo de fazer política. Por outro lado, o discurso antipolítica dele fez com que começasse a ter uma relação ruim com o Congresso. E isso não é bom.
JC - No que Bolsonaro tem falhado na articulação?
Rigotto - Essa falha na articulação política começa pelo fato de, no fundo, o presidente não ter um partido. O PSL elegeu 51 deputados federais. Mas esses parlamentares se elegeram em cima da popularidade de Bolsonaro. Não têm nenhuma responsabilidade com o partido, nem com o governo. Também não têm experiência mínima para dar sustentação a um programa de governo dentro do Congresso Nacional. Então Bolsonaro começa a ter uma relação complicada com o Congresso, porque ele não tem uma base de sustentação minimamente estável, não tem nenhum partido efetivamente comprometido com aquilo que ele defendeu na campanha. Além disso, não há uma definição clara das funções dentro da articulação política, quem desempenha essa ou aquela tarefa etc.
JC - Alguns defensores do presidente avaliam que ele tem agido corretamente em relação ao Congresso, porque, se fizesse diferente, acabaria entrando no esquema político de sempre...
Rigotto - Olha, o Bolsonaro rejeitou as indicações para o primeiro e o segundo escalões que não tinham qualificação técnica, só com o objetivo de gerar alguma vantagem a quem as indicava. Isso foi ótimo. Só que ele poderia ter feito isso sustentando um diálogo diferenciado com o Parlamento. Ou seja, poderia ser firme na nova relação com os parlamentares, mantendo, ao mesmo tempo, um diálogo que não fosse aquele de estar o tempo todo batendo de frente. Veja o caso das agências reguladoras. O presidente comentou o projeto como se os parlamentares quisessem tirar poder dele (Bolsonaro disse que queriam transformá-lo "em uma rainha da Inglaterra"). Só que não foi o atual Congresso que articulou essa proposta, tanto que tramitou no governo anterior. O objetivo dessa matéria era qualificar tecnicamente as agências reguladoras, para evitar que fossem utilizadas politicamente, como estava acontecendo.
JC - O Palácio do Planalto está concentrando os seus esforços na reforma da Previdência. O que pensa do projeto? Concorda com o aumento da idade, do tempo de contribuição etc.?
Rigotto - Acredito que o governo aprovará a reforma da Previdência. O grande problema do sistema previdenciário - não só no Brasil, mas no mundo - é que a expectativa de vida aumentou. No Brasil, hoje, a média de idade para as pessoas se aposentarem é 54 anos. Mas a longevidade das pessoas é bem maior que há 20 anos. Então não tenho dúvida que isso (idade mínima e tempo de contribuição) tem que mudar.
JC - O mercado de trabalho tende a não absorver a mão de obra de trabalhadores em idade avançada. Além disso, existe um grande índice de trabalhadores informais no Brasil, que, evidentemente, não contribuem para a Previdência. Adianta aumentar a idade para se aposentar se essas pessoas não estiverem empregadas, contribuindo com o INSS?
Rigotto - As duas coisas têm que acontecer. Primeiro, a reforma da Previdência e a consequente mudança das regras. Por outro lado, tens razão. Não é possível atacar apenas o déficit previdenciário, deixando de lado os 13 milhões de pessoas fora do mercado de trabalho, sem nenhum tipo de contribuição, porque não estão trabalhando. Só vai agravar o problema. Por isso que defendo, junto com a reforma da Previdência, ações de governo para retomar o desenvolvimento econômico. E essa retomada deve significar geração de emprego e renda, para que mais gente seja inserida no mercado de trabalho. Então as mudanças de idade e do tempo de contribuição são necessárias, mas têm que vir acompanhadas, obrigatoriamente, do enfrentamento do desemprego. Isso é necessário para a viabilização efetiva de qualquer sistema previdenciário que venhamos a ter. Se não diminuir os 13 milhões de desempregados, o sistema já entra capenga.
JC - Se não tiver um mecanismo para gerar emprego, a reforma da Previdência corre o risco de ser ineficiente?
Rigotto - Não, ela é necessária. Mas, se a modernização do sistema previdenciário não vier acompanhada da inclusão das pessoas que estão fora do mercado de trabalho, (a reforma) vai agravar o problema previdenciário. O desemprego significa menos pessoas contribuindo. Isso gera o aumento do déficit, o aumento do rombo.
JC - A comissão especial que trata da reforma da Previdência deixou de fora os estados e municípios. Como avalia isso?
Rigotto - Não incluir os estados e municípios na reforma é um crime. É meia reforma, não resolve o problema. O governo não pode ceder a essa manobra, como parece estar cedendo. A Previdência tem um déficit de cerca de R$ 225 bilhões. O déficit dos estados somou R$ 90 bilhões neste ano. O Rio Grande do Sul terá R$ 12 bilhões de déficit previdenciário em 2019. O Planalto se preocupa muito com a economia de R$ 1 trilhão em 10 anos. Mas, se não resolver agora o problema de estados e municípios, o déficit previdenciário desses entes federados vai terminar estourando na União. O governo já propôs muitas mudanças - como o fim da aposentadoria rural e dos benefícios de prestação continuada -, justamente para ter um espaço de negociação com o Congresso. Isso pode ser mudado pelos parlamentares. Mas tirar estados e municípios mexe praticamente no coração da reforma.
JC - A reforma tributária é uma das medidas necessárias para combater o desemprego e complementar a da Previdência?
Rigotto - Sim, mesmo sabendo que uma reforma tributária entra em vigor aos poucos, em etapas. Uma transição longa é o segredo para vencer as resistências corporativas, conservadoras e de quem ganha muito com o atual sistema tributário. A reforma tributária não traria, imediatamente, uma redução da carga tributária global, que, hoje, é em torno de 33%, 34% do PIB. Mas a reforma leva a uma racionalização, a uma simplificação do sistema tributário. E isso, por sua vez, desencadeia um processo de desburocratização, de diminuição do custo de estruturação fiscal de uma empresa. Então a reforma tributária vai alavancar o desenvolvimento, vai fazer com que a economia cresça mais, mas isso não acontece na arrancada. Isso vai acontecendo gradativamente, à medida que ela vai sendo implantada.
JC - Desde o governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB, 1995-2002), foram apresentados vários projetos de reforma tributária. O que considera essencial?
Rigotto - O projeto que elaboramos quando eu era deputado federal, presidente da comissão especial que tratava do tema, no final do governo FHC, deu base para todos os projetos que vieram depois. O projeto (do economista Bernard) Appy e o projeto (do deputado federal Luis Carlos) Hauly (PSDB) têm a ver com aquilo que trabalhávamos: principalmente, mexer nos tributos sobre consumo. É fundamental fundir todos os impostos que recaem sobre o consumo - como PIS, Cofins, IPI, ICMS, ISSQN etc. - em um grande tributo, que seria um IVA (Imposto sobre Valor Agregado) ou um IBS (Imposto sobre Bens e Serviços). E essa fusão se daria ao longo de uma transição. Além de racionalizar o sistema tributário, acabaria com a guerra fiscal no Brasil.
JC - Um dos objetivos da reforma tributária deve ser acabar com a guerra fiscal?
Rigotto - Hoje, existem 27 ICMSs no Brasil. Cada estado tem a sua regulamentação, com valores e categorias diferentes. Ou seja, são 27 tributos praticamente diferentes. Só que esse imposto - assim como o IPI, PIS, Cofins, ISSQN - recai sobre a base de consumo. No mundo inteiro, trabalha-se com o IVA. O objetivo do nosso trabalho na comissão especial foi justamente fundir esses tributos em um grande IVA, ou em dois IVAs - um federal e um estadual. Isso acabaria com essa loucura das 27 legislações do ICMS, acabando com essa doidice de quantidade de tributos recaindo sobre o consumo. A proposta que está para entrar em uma comissão especial (na Câmara dos Deputados) vai nessa direção. Ela cria o IBS. É um grande IVA, fundindo PIS, Cofins, IPI, ICMS, ISSQN etc. em um grande tributo, que é o IBS, com uma longa transição.
JC - Os estados temem que uma reforma tributária diminua a arrecadação estadual...
Rigotto - Por isso, defendo que o processo de simplificação dos tributos seja implementado em etapas. Teríamos uma redução da carga global depois de um longo período de transição. Não tem como diminuir a arrecadação, considerando a situação dos estados e municípios. Para compensar, durante a transição, a reforma iria, gradativamente, ampliando a base tributária, o número de contribuintes. Além disso, a reforma diminuiria a sonegação, a informalidade e a elisão fiscal, que é a busca do Judiciário para não pagar um tributo, baseado em cima de uma vírgula mal colocada em uma legislação absurdamente complexa. Então aumenta o número de contribuintes, ao mesmo tempo que reduz as cargas setoriais. União, estados e municípios vão arrecadar a mesma coisa, mas de uma forma diferente.
JC - O senhor mencionou os projetos de reforma tributária que tramitam no Congresso, mas o Planalto deve enviar um projeto próprio sobre o tema...
Rigotto - O ministro da Economia Paulo Guedes está dizendo que deseja a reforma tributária. Só que, dentro do governo, surgem vozes dizendo que o Planalto vai mandar um projeto que mexe apenas nos tributos federais. Mais uma meia reforma. Uma reforma que simplifique apenas os tributos federais não é efetiva. Tem que mexer na tributação sobre consumo como um todo, em todos os entes da Federação. Então não precisa mandar projeto para o Congresso, basta trabalhar com o projeto que está lá.
JC - O governo Eduardo Leite aprovou a autorização para privatização de CEEE, Sulgás e CRM. Segundo o Piratini, é a última exigência para entrar no RRF. Como avalia o processo?
Rigotto - Teve coisas que foram pavimentadas no governo José Ivo Sartori (MDB) e que o atual governo está dando continuidade. Acho que não tem saída: o Estado tem que entrar no RRF. Mas o Executivo e a Assembleia têm que analisar, também, o Plano Mansueto. É bom ver o que está sendo oferecido aos estados (no Plano Mansuetto), o que está sendo exigido para que a União possa avalizar novos financiamentos. Pode haver alguma coisa no Plano Mansueto que, durante as negociações com o governo federal, ajude a amenizar alguma exigência da União para o Estado entrar no RRF.

Perfil

Germano Antonio Rigotto nasceu em 1949 na cidade de Caxias do Sul. É formado em Direito e Odontologia pela Ufrgs. Começou sua vida política no movimento estudantil. Filiou-se ao antigo MDB em 1975 e foi o vereador mais votado de Caxias logo em sua primeira eleição, em 1976. Em 1982, conquistou vaga na Assembleia Legislativa. Reeleito deputado estadual em 1986, já no PMDB, atuou na Constituinte Estadual e foi líder do governo de Pedro Simon (PMDB, 1987-1990). Elegeu-se deputado federal em 1990, 1994 e 1998. Foi presidente da Comissão de Reforma Tributária e líder do governo FHC na Câmara. Perdeu a eleição para a prefeitura de Caxias em 1996. Em 2002, elegeu-se governador do Estado, com mais de 3 milhões de votos. Quatro anos mais tarde, tentou ser candidato à presidência, mas disputou a reeleição ao Piratini e ficou fora do segundo turno. Integrou o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social da Presidência da República. Concorreu ao Senado em 2010, mas não se elegeu. Deu palestras, principalmente sobre reforma tributária. Em 2018, foi candidato a vice-presidente na chapa liderada por Henrique Meirelles (MDB).