Corrigir texto

Se você encontrou algum erro nesta notícia, por favor preencha o formulário abaixo e clique em enviar. Este formulário destina-se somente à comunicação de erros.

Entrevista especial

- Publicada em 24 de Março de 2019 às 21:15

Revisão das carreiras e do IPTU zera o déficit, diz Marchezan

Talvez se fizermos as reformas esse ano, o próximo prefeito possa comemorar', diz Marchezan

Talvez se fizermos as reformas esse ano, o próximo prefeito possa comemorar', diz Marchezan


LUIZA PRADO/JC
O prefeito Nelson Marchezan Júnior (PSDB) acredita que os dois principais projetos da sua gestão - a atualização da planta do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) e a revisão do plano de carreira dos servidores - vão zerar o déficit do município. Mas só na próxima gestão.
O prefeito Nelson Marchezan Júnior (PSDB) acredita que os dois principais projetos da sua gestão - a atualização da planta do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) e a revisão do plano de carreira dos servidores - vão zerar o déficit do município. Mas só na próxima gestão.
Isso porque, conforme Marchezan, as propostas têm efeito a médio prazo. A reformulação do Estatuto dos Servidores propõe, entre outras coisas, uma mudança nas gratificações trienais: em vez de gratificar com 5% do salário a cada três anos trabalhados, o Paço Municipal quer conceder 3% a cada cinco anos. Além disso, busca a extinção dos adicionais de 15% e 25%, pagos para funcionários que completam 15 e 25 anos de serviço, respectivamente.
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, na semana do aniversário da Capital, Marchezan também revela que seu governo pretende apresentar uma segunda etapa de revisão dos direitos dos servidores públicos municipais, introduzindo mecanismos de meritocracia no Estatuto dos Servidores.
Além disso, explica a razão pela qual ainda não conseguiu contratar uma consultoria para avaliar o futuro da Carris e projeta que o debate sobre o Plano Diretor - que deve ser revisado neste ano - está previsto para começar ainda em 2019.
Jornal do Comércio - Qual a sua avaliação dos primeiros dois anos de governo?
Nelson Marchezan Júnior - O terceiro ano de governo é diferente dos anteriores. Não temos eleições em 2019. Além disso, as eleições nacional e estadual geraram um baque nacional. Gerou uma mudança na relação da sociedade com a política, com a imprensa, com os políticos, com os partidos. Isso também afeta a política municipal. Os reflexos de tudo isso em Porto Alegre são uma grande oportunidade de fazer o dever de casa. Esse ambiente é um facilitador (para fazer uma reforma estrutural). Faz mais de 20 anos que Porto Alegre não paga suas contas em dia. Entre as 27 capitais brasileiras, é a pior em situação financeira.
JC - Esse cenário facilita a aprovação de projetos que tratam das mudanças do Estatuto dos Servidores e da revisão da planta do IPTU, que não conseguiram passar na Câmara nos dois primeiros anos?
Marchezan - Em vez de cenário, prefiro pensar em oportunidade. Temos uma grande oportunidade neste terceiro ano de governo e neste novo ambiente nacional. Nos dois anos de governo, promovemos tentativas de enfrentamento estrutural. O que me deixa um pouco frustrado é verificar que esta pauta de despesa de pessoal não é uma novidade. Foi pauta dos últimos governos federais e estaduais, de vários partidos. Então, não deveria ter tanta resistência a essa pauta. Deveria até ter opiniões discordantes sobre como fazer, mas é evidente que precisa ser feito. Se pegarmos os números de Porto Alegre, de um orçamento de quase R$ 7 bilhões, mais da metade disso atende a 33 mil servidores, em uma cidade com 1,5 milhão de habitantes.
JC - Algumas entidades argumentam que o novo plano de carreira no município, ao diminuir o salário dos servidores, pode afastar bons quadros da prefeitura, diminuindo a qualidade técnica do serviço público municipal...
Marchezan - O que adianta o servidor vir para a cidade de Porto Alegre, trabalhar na máquina pública, com promessas futuras de aumentos automáticos, se a prefeitura não consegue dar a ele o pagamento do seu salário em dia. Além disso, de que adianta ganhar uma vantagem se a prefeitura não consegue dar a ele, sua família e outros habitantes saneamento, tapa-buraco, água, grama cortada. Esse é um primeiro fator. O segundo fator é que temos os melhores salários em muitas áreas e, mesmo assim, a qualidade do serviço não é boa. Por exemplo, do ponto de vista curricular, talvez tenhamos um dos melhores quadros técnicos da educação. Mesmo assim, temos um dos piores índices de Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) do Brasil. Se pegarmos os municípios que prestam bons serviços no Brasil, eles não estão diretamente relacionados à qualificação do servidor, porque nem todos os serviços são prestados por funcionários públicos e nem estão diretamente relacionados à remuneração. Não estou dizendo que o servidor não deve ser bem remunerado ou qualificado. Pelo contrário. Queremos um quadro de servidores com uma remuneração justa, cujo formato de remuneração possa valorizar aqueles que são comprometidos com a boa entrega dos serviços. Hoje, com aumentos automáticos para todos, independentemente do resultado, a qualificação está direcionada à remuneração, não a entrega do serviço. A carreira dos servidores não faz diferença entre quem realmente busca uma melhor qualidade do serviço público e quem não o faz.
JC - A prefeitura pretende fazer uma segunda mudança no Estatuto dos Servidores para implementar mecanismos de meritocracia?
Marchezan - A primeira etapa é tirarmos o que é injusto na remuneração. O Estado e a União já fizeram isso há 15, 20, 30 anos. A segunda etapa é buscar ferramentas de valorização daqueles servidores que efetivamente fazem entregas melhores. Qual é a diferença de remuneração de um médico que atende mais e melhor em Porto Alegre e do que atende menos e pior? Nenhuma. Na Santa Casa (de Misericórdia de Porto Alegre), quem é melhor remunerado? Quem faz o melhor atendimento, quem trata melhor o seu paciente, quem tem maiores índices de solução. É isso que buscamos para a máquina pública.
JC - Então, vão ser encaminhadas outras mudanças ao Estatuto dos Servidores...
Marchezan - Essa é a segunda etapa. Nesse ano, a gente já quer começar a estudar algumas carreiras específicas, que têm alguma situação diferenciada por lei ou atividade, e reorganizar o Estatuto dos Servidores, para que a gente possa ter uma remuneração melhor para quem entrega mais ao cidadão.
JC - O projeto das gratificações vai ser aprovado em 2019?
Marchezan - Tem que perguntar aos vereadores. A gente já encaminhou...
JC - Se não passar neste ano, dificilmente vai ser aprovado no próximo, porque 2020 é ano eleitoral...
Marchezan - Quanto mais a gente posterga isso, prorrogamos duas situações: o equilíbrio das contas e a reorganização do estatuto para valorizar os servidores que mais valorizam o cidadão.
JC - O senhor falou que o cenário é uma oportunidade para votar as mudanças no Estatuto dos Servidores. É uma oportunidade para o IPTU também?
Marchezan - Estamos atualizando o valor do imóvel para que a alíquota (do imposto) seja aplicada sobre o valor real de mercado. Mas, no debate, há interesses políticos, eleitoreiros, partidários que não representam os interesses da população. Não há por que perder tanto tempo com isso. Arrumar a despesa com pessoal e ter uma tributação justa são meios para conseguir discutir as questões que realmente interessam, como a melhoria no Ideb da nossa educação, o combate à pobreza no município e a diminuição da criminalidade.
JC - No projeto do IPTU, o que pode ser negociado e o que não pode mudar?
Marchezan - É um projeto complexo na redação, mas simples na interpretação e consequências. Trata-se de cobrar o IPTU de acordo com o valor do imóvel. É como para quem compra um carro e paga o IPVA de acordo com o valor do carro. Então, do ponto de vista da justiça do projeto, não tem tanto espaço assim para ser compreendido ou negociado. Existe uma estrutura jurídica que coloca no projeto uma exigência de interpretação dos tribunais superiores, estipulando que devemos ter um critério na lei para fazer essa valoração (dos imóveis). Do meu ponto de vista, isso tem que ser alterado. O IPTU deveria incidir sobre o valor de mercado, de forma objetiva. E ficaria resguardado àquele que se sentisse prejudicado a buscar no judiciário ou de uma forma administrativa a alteração dessa situação. Deveríamos discutir na Câmara Municipal as alíquotas, não o valor de mercado. Porque esse, quem dá é o mercado.
JC - Acredita que o projeto do IPTU vai ser aprovado no segundo semestre deste ano?
Marchezan - É importante a gente entender assim.
JC - No início da gestão, o senhor deu uma coletiva junto com o secretário municipal da Fazenda, Leonardo Busatto, na qual se comprometeu em zerar o déficit da prefeitura em dois anos. Por que não conseguiu?
Marchezan - Em Porto Alegre, temos despesas que não precisamos ter. Nem deveríamos. Mas não conseguimos diminuir esses gastos, porque, para isso, são necessárias reformas. Se as reformas que trouxemos ao debate no primeiro ano de governo tivessem sido aprovadas, poderíamos ter virado a página de quase três décadas de déficit. Poderíamos estar comemorando que Porto Alegre, pela primeira vez, de forma sustentável, conseguiu pagar todos os seus servidores. Poderíamos estar comemorando que sobraram recursos para investir nos mais pobres e em toda a sociedade. Mas não tivemos sucesso político para fazer as reformas e a população não teve sucesso na sua qualidade de vida. Isso é um reflexo do ambiente político que tivemos nos dois primeiros anos. Como nos últimos 30 anos. Talvez se fizermos as reformas esse ano, no primeiro ou segundo ano do próximo prefeito, ele possa comemorar.
JC - O Estatuto dos Servidores e o projeto do IPTU zeram o déficit?
Marchezan - Não de imediato. Por um lado, o aumento da receita do IPTU não é imediato: no primeiro ano, o tributo vai diminuir para a metade da população; só que o aumento para quem vai pagar mais é gradativo. No caso das despesas, é a mesma coisa. A gente não está tirando nada de ninguém (que já tenha os benefícios como gratificações por 25 anos de trabalho), estamos apenas diminuindo os aumentos automáticos (para quem não tem benefícios). Isso vai deixar de agregar (na folha de pagamento) no ano que vem, ou em 2021, ou ainda em 2022. Os resultados financeiros são uma diminuição do crescimento automático da despesa com pessoal. Não é uma diminuição. Então, o efeito acontece em médio e longo prazo, não de imediato.
JC - Em junho de 2018, o senhor anunciou edital para contratar consultoria que avaliaria o futuro da Carris, analisando inclusive a possibilidade de privatização. Como está esse estudo?
Marchezan - A gente fez um edital, mas, como não é só a máquina pública que tem problemas, as empresas (de consultoria) tiveram várias dificuldades de atender as solicitações do edital. Então, não conseguimos (contratar a consultoria) ainda, por problemas nas empresas para fazer a finalização desse edital e assinar o contrato. Mas é importante dizer que buscamos pessoas vocacionadas a entregar resultados na Carris. Talvez, pela primeira vez a empresa tenha tido uma diretoria totalmente comprometida com o interesse público. A segunda etapa é buscar pessoas de fora da máquina pública para fazer uma valoração dos ônibus da Carris, do percentual de 22% do mercado que ela ocupa, do patrimônio da empresa etc. Também avaliar qual a perspectiva do transporte coletivo daqui a dois ou três anos, se é um setor no qual o município deve ser agente direto, se interessa ao município ter uma empresa pública etc.
JC - Sobre a revisão do Plano Diretor. A prefeitura pretende propor esse debate neste ano?
Marchezan - Ao longo desses dois anos, temos conversado muito e agora surgiu a oportunidade de uma parceria com o Iclei (Governos Locais pela Sustentabilidade), que trabalha com várias cidades do mundo na área de resiliência, e com a ONU Habitat. Eles podem contribuir com uma visão mundial. As últimas vezes que o Plano Diretor foi revisado - seja por projetos pequenos, de legisladores individualmente ou do próprio Executivo - focou-se muito nos interesses da construção civil. Não queremos fazer uma revisão para atender interesses da construção civil, que é importante, mas uma revisão que atenda a visão do futuro da cidade.
JC - O debate começa ainda neste ano?
Marchezan - Se tudo der certo, espero que neste ano. Nos próximos meses, a gente consegue abordar esse tema com muita profundidade, com essa visão holística, abrangente, do que realmente o Plano Diretor pode ser para uma cidade. E aí avançar.

Perfil

Natural de Porto Alegre, Nelson Marchezan Júnior nasceu em 30 de novembro de 1971. É advogado, formado pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), e pós-graduado em Gestão Empresarial pela Fundação Getulio Vargas. Exerceu a advocacia por oito anos e deixou a atividade para entrar na vida pública. Foi diretor de Desenvolvimento, Agronegócios e Governos do Banco do Estado do Rio Grande do Sul (Banrisul) no governo Germano Rigotto (MDB, 2003-2006). Em 2006, se elegeu como o deputado estadual mais votado pelo PSDB. Em 2008, concorreu a prefeito da Capital pela primeira vez, ficando na sexta colocação. Em 2010, elegeu-se o único deputado federal do partido e conquistou a reeleição em 2014. Na Câmara dos Deputados, foi vice-líder da Minoria e vice-líder do PSDB. Participou como titular das comissões de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, de Ciência e Tecnologia, e de Relações Exteriores e de Defesa Nacional. Na sua segunda disputa à prefeitura da Capital, em 2016, foi eleito prefeito de Porto Alegre no segundo turno das eleições.