Com as galerias do plenário da Câmara Municipal de Porto Alegre lotadas por servidores, foi realizada na noite desta quinta-feira a audiência pública para debater os projetos que alteram a carreira do funcionalismo, proposto pelo Executivo. A audiência foi solicitada pelo Sindicato dos Municipários (Simpa), com base no regimento do Legislativo, e assegurada por decisão judicial. Em mais de duas horas, servidores, vereadores, deputados e pessoas da comunidade se revezaram na tribuna para apresentar dados financeiros para desconstruir os argumentos do governo para a proposta. Por parte do Executivo, apenas um representante utilizou a tribuna.
A primeira manifestação da noite foi do diretor-presidente do Simpa, Alberto Terres, que criticou o prefeito Nelson Marchezan Júnior (PSDB) por "não dialogar com os servidores" sobre os projetos, os quais classifica como "ataques". "Quando fizemos o concurso, optamos por servir a cidade e planejamos nossas vidas baseados nesse desejo". Na segunda-feira, quando o projeto entra na pauta de votação dos vereadores, os municipários entram em greve - antecipada em um dia em relação ao previsto anteriormente.
Convidada pelo Simpa, a economista Anelise Manganelli, do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), alegou que o comprometimento do município no gasto com pessoal é de 43,03% da Receita Corrente Líquida (RCL), de acordo com auditoria do Tribunal de Contas do Estado (TCE). A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) indica que esse comprometimento não pode ser superior a 60% da RCL.
O dado é contestado pelo governo. O secretário adjunto de Planejamento e Gestão, Daniel Rigon, alegou que o gasto com pessoal já atinge 60% da RC), valor atestado pela Secretaria do Tesouro Nacional (STN). "É a STN que libera financiamentos, não o TCE", sustentou. Rigon teve dificuldade em falar e, sob vaias, gritos de "fora Marchezan" e "retira" (o projeto), indicou que a proposta está respaldada nas outras duas esferas do serviço público. "Fomos atrás de como funciona na União e no Estado", justificou.
Caso aprovado como está, a prefeitura alega que irá economizar R$ 100 milhões em cinco anos. A reforma na carreira e no estatuto dos servidores municipais revisa o que o prefeito Marchezan já havia apresentado ao Legislativo no ano passado e estão classificadas entre as principais e mais polêmicas em tramitação, alterando principalmente a fórmula salarial, revendo gratificações e adicionais.
Uma das falas de maior repercussão foi de Marcelo Mathias, representante do Sindicato Médico do Estado (Simers). Alegando que esta é a categoria que mais pede demissão no município, falou sobre uma possibilidade jurídica que garante aos médicos aposentadoria especial com 25 anos de serviço. Caso a proposta do governo seja aprovada, afirmou que o Simers "criará uma estrutura especial para que todos os médicos municipários com 25 anos (de serviço) peçam demissão. Essas medidas não vão resolver a saúde", alegou. Já o presidente da Associação Municipal dos Procuradores, Cézar Sulzbach, sustentou que a proposta pode resultar em ações que paralisariam juridicamente a prefeitura.
Dentre as mudanças estão as gratificações trienais de 5%, que passam para quinquênios de 3%. Também são extintos os adicionais por tempo de serviço para futuros municipários (atualmente pagos com 15, 25 e 35 anos de trabalho). É definida uma regra de transição para os atuais servidores. Outra alteração é nas Funções Gratificadas (FGs), que passa a ser incorporada equivalente ao tempo em que a função é exercida. A progressividade dos regimes para dedicação exclusiva, complementar, de tempo integral ou suplementar também é extinta.
Diferente de outras ocasiões, em que o espaço era dividido entre os contrários e favoráveis à pauta em debate - o que resultou, muitas vezes, em ficar com metade do espaço vazio -, foi permitida a entrada de interessados até o limite da capacidade da galeira - cerca de 250 pessoas. A audiência também foi transmitida por telão no Plenário Ana Terra, que comporta outros cerca de 120 lugares, e na área externa da Câmara, para contemplar o público que não conseguiu ingressar. Conforme cadeiras ficaram vagas no plenário, a presidente da Câmara, Mônica Leal (PP) autorizou a entrada de pessoas que haviam ficado de fora.