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Entrevista especial

- Publicada em 02 de Dezembro de 2018 às 23:08

Eduardo Leite fará ajuste mais duro sem alta do ICMS, prevê Yeda Crusius

'Não é possível colocar o salário (dos servidores públicos) em dia no primeiro ano de governo', diz Yeda

'Não é possível colocar o salário (dos servidores públicos) em dia no primeiro ano de governo', diz Yeda


/CLAITON DORNELLES /JC
A ex-governadora e deputada federal Yeda Crusius (PSDB) acredita que o governador eleito, Eduardo Leite (PSDB), terá de fazer cortes para equilibrar as contas do Estado. O tucano planeja obter mais receita com a prorrogação por dois anos do aumento no Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Se o projeto não passar na Assembleia Legislativa, como ocorreu na gestão de Yeda, ela prevê que Leite terá de fazer um ajuste fiscal ainda mais duro. "Com ou sem o ICMS atual, é possível governar", resume.
A ex-governadora e deputada federal Yeda Crusius (PSDB) acredita que o governador eleito, Eduardo Leite (PSDB), terá de fazer cortes para equilibrar as contas do Estado. O tucano planeja obter mais receita com a prorrogação por dois anos do aumento no Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Se o projeto não passar na Assembleia Legislativa, como ocorreu na gestão de Yeda, ela prevê que Leite terá de fazer um ajuste fiscal ainda mais duro. "Com ou sem o ICMS atual, é possível governar", resume.
Ao traçar um paralelo entre o seu governo (2007-2010) - o primeiro do PSDB no Estado - e o de Leite, a ex-governadora avalia que o futuro chefe do Executivo enfrentará mais incertezas, porque não sabe o que esperar da administração do presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) - ela observa que pegou um governo federal de continuidade, no segundo mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT, 2003-2010).
Além disso, analisa que a dimensão da crise das finanças hoje é muito maior do que em 2007. Há, ainda, uma indefinição sobre o ingresso no Rio Grande do Sul no Regime de Recuperação Fiscal (RRF), o que pode ter um impacto profundo nas contas gaúchas. Yeda opina que não será possível fechar o acordo com a União sem que o Banrisul seja dado como garantia. Na semana passada, a secretária executiva do Ministério da Fazenda, Ana Paula Vescovi, disse que o ativo que interessa ao Planalto é o Banco do Estado do Rio Grande do Sul.
A tucana ainda aponta que o aumento dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) vai gerar um efeito cascata, inviabilizando a realização de uma das principais promessas de campanha de Leite: colocar em dia o salário dos servidores públicos já no primeiro ano de governo. Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, Yeda também atribui a vitória de Leite à capacidade do tucano de unir o PSDB gaúcho.
Jornal do Comércio - É possível comparar o primeiro governo do PSDB, quando a senhora assumiu o Palácio Piratini, em 2007, com os desafios que a gestão do governador eleito, Eduardo Leite, vai enfrentar?
Yeda Crusius - Quando ganhamos o governo do Estado, em 2006, tínhamos segurança do que viria, tínhamos estatísticas, um acompanhamento desde o primeiro dia. No caso dele, há mais incertezas. Tínhamos um levantamento da situação fiscal do Estado e do tipo de enfrentamento que teríamos em relação ao governo federal. Afinal, o Lula tinha sido reeleito, por isso, já conhecíamos a política do Palácio do Planalto. Essas informações possibilitaram estabelecer a meta de acabar com o déficit em dois anos.
JC - Que tipo de incertezas o governador eleito vai enfrentar?
Yeda - No caso do Eduardo, existem coisas pendentes que ainda não dão a dimensão da arrecadação que ele vai ter no primeiro mês de governo e, por consequência, quanto vai poder gastar. Por exemplo, uma liminar do STF suspendeu o pagamento da dívida do Estado com a União, mas está condicionada a uma decisão sobre o ingresso ou não no RRF. Isso tem um impacto muito grande nas contas públicas. No plano nacional, há um governo novo. Ninguém sabe o que vai ser a administração do Bolsonaro.
JC - O déficit do Estado hoje é bem maior...
Yeda - Esse é outro aspecto. Não é só o déficit que é muito maior, a dívida com a União também cresceu. Os números fiscais são muito poderosos negativamente. No meu caso, o governo Germano Rigotto (MDB, 2003-2006) não conseguiu pagar os salários de dezembro, o governo Lula auxiliou, e nós cobrimos esse valor depois. No caso do Eduardo, os salários estão em atraso crescente. O problema dos inativos é muito maior. O problema dele tem a mesma natureza da que enfrentamos, só que com uma dimensão muito maior.
JC - Além das incertezas na nova gestão federal e do tamanho do déficit estadual, há outro aspecto que pode ser comparado?
Yeda - Sim, a composição do governo. Nós fizemos política com nome e cara: cada secretário era conhecido pelo nome, se sabia quem ele era e, portanto, com quem dialogar. No caso de Leite, a natureza da formação da equipe é outra, afinal, são outros tempos. A escolha não é por nome, nem por rosto. É por currículo. Apesar do grau de incerteza ser maior na gestão do Eduardo, do tamanho do déficit ser gigantesco e das diferenças na composição do secretariado, há uma semelhança entre as duas gestões do PSDB. Está no DNA do partido saber enfrentar a questão fiscal.
JC - Falando na questão fiscal, Leite está tentando prorrogar por mais dois anos as alíquotas majoradas do ICMS. É possível governar sem essa prorrogação?
Yeda - Sim, é possível. Eu governei sem a prorrogação. Durante a transição do governo Rigotto para o meu, pedi ao governador que enviasse à Assembleia Legislativa um projeto (de manutenção das alíquotas da época). Entretanto, houve um movimento que impediu isso, que envolveu não só deputados, mas também o vice-governador (Paulo Feijó, DEM na época) da minha chapa. O fato é que, quando assumi, tinha menos ICMS. Então, tive que ajustar as despesas para a falta de receitas. Já tínhamos o objetivo de equacionar isso. Só equacionamos com mais força: cortamos mais cargos de confiança, fizemos decretos dizendo que pagaríamos (dívidas com fornecedores), mas iríamos renegociar tudo. Isso é o DNA tucano. E o Eduardo vai fazer isso também. Com ou sem o ICMS atual, é possível governar.
JC - A senhora mencionou antes que uma das incertezas diz respeito ao ingresso do Rio Grande do Sul no RRF. Na semana passada, a secretária executiva da Fazenda, Ana Paula Vescovi, disse que o governo federal tem interesse na privatização do Banrisul. Como avalia essa possibilidade?
Yeda - Agora, a questão passa a ser política, e não mais econômica. O Banrisul entra como um patrimônio que terá que ser negociado. Em que partes? Vai ser uma negociação política do governo Eduardo Leite. E também a Corsan (Companhia Riograndense de Saneamento). Todo mundo reconhece, hoje, que, quando você tem Parcerias Público-Privadas (PPPs) bem-sucedidas, ou um processo de privatização bem-sucedido, o serviço prestado à população se amplia e melhora. Não existe mais a ideologia que existia no tempo do governo Antonio Britto (MDB, 1995-1998), que pregava que privatizar significava entregar. Tanto é que o governo voltou a falar em parcerias nas estradas. Voltaram os pedágios.
JC - Na campanha, Leite disse que não privatizaria o Banrisul nem a Corsan. É possível fechar o acordo sem o Banrisul?
Yeda - Não. Ele tem que, pelo menos, apresentar um plano para o Banrisul. Pode ser cartões de crédito, linhas de seguro etc. É preciso apresentar o patrimônio do Banrisul ao Ministério da Fazenda. O governo federal tem que receber uma proposta. Acho que é isso que o Eduardo Leite está dizendo há algum tempo. Ele quer fazer a proposta.
> VÍDEOS JC: Yeda fala das duas classes de servidores do Estado
JC - Outra proposta de campanha foi colocar em dia o salário dos servidores públicos do Executivo no primeiro ano de governo. Diante das incertezas do cenário que mencionou, é possível?
Yeda - Não. Absolutamente, não. Afinal, vimos um fato pesadíssimo: o aumento do teto de salários, por conta do aumento dos ministros do STF. Isso vai gerar o efeito cascata, que vai chegar até aqui. Além disso, o Estado é obrigado a depositar o duodécimo (parcela do orçamento repassada pelo Executivo aos outros poderes e órgãos do Estado). Isso divide os servidores entre os de primeira classe e os de enésima classe. Servidores de enésima classe são os que fornecem à população saúde, educação, meio ambiente, segurança pública... Os servidores do Executivo, que têm salários atrasados. E os cidadãos de primeira classe são os servidores dos Poderes Legislativo e Judiciário, que recebem em dia (por causa do duodécimo). Isso é um absurdo. Então, (com o aumento do teto), os salários serão aumentados para os privilegiados cidadãos do Legislativo e do Judiciário, colocando mais lenha no atraso dos servidores do Executivo, a quem fica ainda mais difícil pagar em dia.
JC - O que dá para esperar da negociação para o ingresso no RRF no governo Bolsonaro?
Yeda - Não creio que haverá uma mudança substancial (nas negociações do RRF, em relação ao governo Michel Temer, MDB). O que deve haver no governo Bolsonaro é mais autoridade. Ele tem uma experiência de praticamente 30 anos na Câmara dos Deputados, já passou por todas essas fases de plano de recuperação fiscal, ao acompanhar o caso do Rio de Janeiro. Então, vai negociar com conhecimento de causa. Creio que o presidente eleito Bolsonaro vai enfrentar a questão federativa. Vamos ver como. É por isso que digo: não sabemos (o que esperar da sua gestão).
JC - Quando a senhora fala da questão federativa, refere-se ao que exatamente? Reforma tributária?
Yeda - Principalmente, e rapidamente, a reforma tributária. Já em 2018, algum item da reforma tributária deverá ser aprovado. Não creio muito na previdenciária, mas, se o governo federal optar por essa, acho que apenas um item possa ser aprovado ainda em 2018. Uma reforma completa deve partir do novo governo, a partir de 1 de janeiro. A reforma tributária deve ser completa, e ela é a primeira.
JC - Para aprovar só um item, teria que desmembrar o projeto...
Yeda - Qual é a questão da reforma tributária completa? Trata-se de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC). Para votar uma PEC, tem que levantar a intervenção militar no Rio de Janeiro. Por isso, um pedaço qualquer da reforma tributária deve andar, desmembrando a reforma em uma PEC e um projeto de lei.
JC - Ao contrário do PSDB nacional, o PSDB gaúcho se consolidou. Os tucanos comandam cinco das 10 maiores cidades do Rio Grande do Sul e elegeram o governador do Estado. Esse cenário coloca o PSDB como um dos principais partidos no Estado?
Yeda - Desde 1994, o partido vinha se consolidando. Cresceu o suficiente para eleger uma governadora em 2006. Após isso, ele já estava consolidado. A gente mantém os quatro deputados estaduais na Assembleia Legislativa. O que aconteceu foi que passou um período dividido, a partir de uma mudança de comportamento do PSDB nacional, que, no período em que o presidente da sigla era o Aécio Neves, exerceu uma política de intervenções. Foi aí que o Aécio designou o Nelson Marchezan Júnior para presidir o diretório estadual. Na época, me lembro de ter ido até o Eduardo Leite e dito: "é a sua vez, você deve ir ao governo do Estado, tem tudo para ganhar". Mas só se ganha com o partido unido, basta ver o que aconteceu com o (candidato à presidente da República) Geraldo Alckmin (PSDB). Então, o Eduardo Leite fez a unidade do PSDB gaúcho. E ganhou a eleição.
JC - As grandes prefeituras do Interior comandadas pelo PSDB podem ajudar na governabilidade? Pode trazer mais partidos para a base aliada do novo governo?
Yeda - No Rio Grande do Sul, o PSDB governa a capital, Porto Alegre, e isso é um diferencial. Mas, no Estado, também comanda Pelotas, Novo Hamburgo etc. Ou seja, nas últimas duas eleições, crescemos muito no número de habitantes governados pelos tucanos. Esse elemento, o número de habitantes que são governados pelo partido, é um fator de governabilidade positivo. Então vai fazer a diferença, sim.
JC - E o desempenho do PSDB no Brasil?
Yeda - Somos a nona bancada federal. Éramos a terceira. Perda gigantesca no Parlamento. Mas, como a gente governa três estados populosos (João Doria, em São Paulo; Eduardo Leite, no Rio Grande do Sul; e Reinaldo Azambuja, no Mato Grosso do Sul)... Claro que governar São Paulo é um diferencial. Em suma, houve perdas? Sim. Só que você pode olhar, em outro sentido, os ganhos. Perdemos cinco estados, administrávamos oito, ficamos com três. Perdemos, na bancada federal, praticamente 50% do número de deputados eleitos em relação a 2014 (tinha 49 cadeiras, passou para 29). Mas as mulheres aumentaram a sua participação em 60% na bancada no Congresso Nacional. Um ganho fabuloso. Uma pequena revolução. Na bancada federal do PSDB, 25% é de mulheres. A média do Congresso é 15%.

Perfil

Yeda Rorato Crusius (PSDB), 72 anos, é natural de São Paulo (SP). Graduada em Economia pela Universidade de São Paulo (USP), foi professora e uma das primeiras diretoras da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs). Em 1990, filiou-se ao PSDB. Foi ministra do Planejamento no governo de Itamar Franco (PMDB) em 1993. Em 1994, elegeu-se deputada federal, e foi reeleita em 1998 e 2002. Foi candidata à prefeitura de Porto Alegre em 1996 e em 2000, mas não venceu. Em 2006, foi eleita como a primeira governadora mulher do Rio Grande do Sul. Tentou a reeleição em 2010 e ficou em terceiro lugar. Em 2014, concorreu novamente a uma vaga na Câmara dos Deputados, ficando na primeira suplência. Assumiu o mandato em janeiro de 2017 com a saída de Nelson Marchezan Júnior (PSDB) para a prefeitura de Porto Alegre. Faz parte da executiva nacional do partido. É fundadora e presidente de honra do PSDB Mulher. Quer concorrer à presidência nacional do partido em 2019.