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Entrevista especial

- Publicada em 23 de Setembro de 2018 às 21:37

Distribuição do fundo eleitoral inibe renovação, avalia Zilio

Zilio acredita que a legislação vai prejudicar a renovação na política

Zilio acredita que a legislação vai prejudicar a renovação na política


CLAITON DORNELLES /JC
Um crítico da reforma eleitoral aprovada em 2017 no Congresso Nacional, o coordenador do Gabinete de Assessoramento Eleitoral do Ministério Público (MP) Eleitoral, promotor Rodrigo Zilio, acredita que a legislação - ao deixar a distribuição da verba do fundo eleitoral nas mãos dos dirigentes partidários - vai prejudicar a renovação na política.
Um crítico da reforma eleitoral aprovada em 2017 no Congresso Nacional, o coordenador do Gabinete de Assessoramento Eleitoral do Ministério Público (MP) Eleitoral, promotor Rodrigo Zilio, acredita que a legislação - ao deixar a distribuição da verba do fundo eleitoral nas mãos dos dirigentes partidários - vai prejudicar a renovação na política.
Para justificar seu ponto de vista, nesta entrevista ao Jornal do Comércio, Zilio cita um trecho de um documento que os partidos devem fornecer à Justiça Eleitoral, explicando quais foram os critérios adotados para distribuir os recursos do fundo.
"Se pegarmos os critérios das diretorias dos partidos para distribuírem o dinheiro, algumas coisas chamam a atenção. Por exemplo: 'O partido levará em consideração a prioridade de reeleição dos atuais mandatários, a probabilidade de êxito das candidaturas e a estratégia político-eleitoral do partido em âmbito nacional'", mencionou, com o ofício em mãos - complementando que outras mudanças, como a diminuição do tempo de campanha e as restrições na propaganda de rua, também favorecem às reeleições.
O promotor também manifesta preocupação quanto à disseminação de fake news na internet, durante a campanha eleitoral. Todas as notícias falsas denunciadas pelos eleitores - seja pelo site do MP Eleitoral, pelo WhatsApp do órgão, ou pelo aplicativo Pardal - vão ser investigadas pela Justiça Eleitoral. Entretanto, Zilio reconhece que "é difícil ter eficácia no combate a irregularidades no mundo virtual".
O coordenador do Gabinete Eleitoral avalia ainda que a polarização política e o mal uso das redes sociais acirram os ânimos dos eleitores, culminando nos episódios de violência que têm marcado o pleito deste ano.
Jornal do Comércio - Nessas eleições, há muitas mudanças em relação às anteriores, como o fim das doações empresariais, restrições mais rígidas à campanha na rua etc. Qual sua avaliação desse pleito?
Rodrigo Zilio - Nas eleições de 2018, existe uma fórmula nefasta de manutenção do status quo. Temos uma campanha reduzida pela metade: diminuiu de 90 dias para 45 dias. Temos a proibição de doações empresariais e o aporte financeiro do fundo público de campanha. A distribuição dos recursos desse fundo público de campanha ficou a cargo das executivas nacionais dos partidos, que são comandados pelos caciques das legendas. Além desses dois fatores, temos ainda a diminuição dos tipos lícitos de propaganda nas vias públicas, porque, hoje, os candidatos praticamente não podem fazer propaganda de quase nenhuma forma. Nas vias públicas, os candidatos praticamente podem apenas instalar mesas para distribuir material de propaganda e uso de bandeiras. Nas propriedades particulares, é permitido propagandas em adesivo ou papel de meio metro quadrado nas janelas. Então, vai haver uma dificuldade natural de oxigenação, de renovação dos quadros parlamentares, porque, fundamentalmente, não há espaço para novas lideranças. As novas regras privilegiam quem já tem acesso a um mandato eletivo ou quem já é conhecido, como, por exemplo, quem tem visibilidade por causa da profissão jornalística ou artística.
JC - Alguns juristas questionam a constitucionalidade da maneira como os recursos do fundo público de campanha são distribuídos, o fato de o dirigente do partido decidir quanto cada candidato vai receber. Como se trata de dinheiro público, defendem que seja aplicado o princípio da isonomia na distribuição da verba entre os candidatos. Como observa essa crítica?
Zilio - Existe uma discussão no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o fundo público de campanha. Tem uma Ação Direta de Inconstitucionalidade sobre isso, que está com a relatoria da ministra Rosa Weber. Eu, a priori, não vejo inconstitucionalidade. Mas a concentração na agremiação partidária do poder de distribuição dos recursos é um fato relevante. Porque é muito poder concentrado em poucas pessoas. Esses recursos de campanha, hoje, são fundamentais para o sucesso das candidaturas. Se pegarmos os critérios das diretorias dos partidos para distribuírem o dinheiro, documento que os partidos são obrigados a publicar, a gente vê algumas coisas que chamam bastante a atenção. Por exemplo, veja esse caso: "O partido levará em consideração a prioridade de reeleição dos atuais mandatários, a probabilidade de êxito das candidaturas e a estratégia político-eleitoral do partido em âmbito nacional". Quer dizer, os próprios partidos políticos já fazem uma espécie de aposta nos vencedores. É isso que vejo com preocupação.
JC - O ideal seria que a própria lei já definisse os critérios de distribuição?
Zilio - É bom deixar claro que projeto de lei originário (aprovado na Câmara dos Deputados), que deu origem à reforma eleitoral, tinha requisitos de igualdade. O legislador dizia "olha, do tanto de recursos financeiros, tem que aplicar tanto em cada candidatura, tem que distribuir tanto para os diretórios estaduais". Todos esses critérios que estavam no projeto foram vetados pelo presidente Michel Temer (MDB) e os parlamentares mantiveram o veto. Quando Temer veda isso, ele faz uma aposta na autonomia partidária. Só que essa autonomia partidária tem que ter um limite. Ou seja, a autonomia partidária não pode valer para tudo. Essa autonomia partidária, por ser ampla, pode levar a Justiça Eleitoral a chamar os partidos a corrigirem essa desproporção, digamos assim. Por exemplo, se um partido político deixar de direcionar recursos para algum candidato por um motivo de perseguição política devidamente demonstrada, bom, aí a Justiça Eleitoral deve intervir.
JC - Uma regra para distribuir de maneira mais isonômica os recursos do fundo facilitaria a renovação nos parlamentos?
Zilio - Fundamentalmente. Porque você tira um poder de barganha, digamos assim, dos dirigentes partidários. Se o legislador tivesse valores mínimos para as candidaturas, quantias mínimas para os diretórios estaduais, acredito que a isonomia de condições dos candidatos estaria mais preservada.
JC - Para criar critérios de distribuição dos recursos do fundo, seria necessário a aprovação de um novo projeto de lei? Ou o Judiciário poderia intervir diretamente nisso, por exemplo?
Zilio - A princípio, os critérios de distribuição de recursos utilizados pelos dirigentes partidários não podem ser contestados. Exceto quando essas justificativas forem disfuncionais, teratológicas. De qualquer forma, é importante mencionar que a única ressalva à autonomia partidária (na distribuição da verba para a campanha) foi determinada pelo STF. Trata-se da obrigação dos partidos em destinar 30% de recursos do fundo para candidaturas de mulheres. Já que os partidos devem ter 30% de candidaturas femininas, a Justiça decidiu que os recursos sejam distribuídos entre os gêneros na mesma proporção.
JC - Então, para se estipular critérios mais igualitários, teria que haver uma nova reforma eleitoral?
Zilio - Exatamente.
JC - O senhor acha que vai acontecer?
Zilio - Não, não vejo nenhuma perspectiva disso. O legislador eleitoral trabalha com a lógica da autopreservação. As reformas eleitorais vão nesse sentido. Diminui o tempo de propaganda, diminui o tempo de campanha, diminui as formas de propaganda, diminui os recursos. Por quê? Porque é interessante, para quem já está dentro do jogo político, não ter novos adversários. Então, particularmente, não tenho a mínima ilusão: não vai acontecer nenhuma reforma eleitoral profunda.
JC - Nunca foi permitido usar mentiras contra outro candidato durante as campanhas eleitorais, tanto que a Justiça concede direito de resposta ao ofendido, sempre que isso é judicializado. Na internet, as fake news também trabalham com mentiras, em última instância. Mas é um meio mais difícil de ser fiscalizado. Como vai ser a atuação da Justiça Eleitoral em relação a isso?
Zilio - Realmente, a mentira não é uma novidade na eleição. Em outros processos eleitorais, ainda na época da votação não informatizada, a gente via bastante essa questão de notícias inverídicas nas campanhas. A diferença é que, antes, era distribuída de mão em mão através de panfletos; hoje, com um clique, é compartilhada com milhares de pessoas. O episódio de violência envolvendo o candidato à presidência Jair Bolsonaro (PSL) demonstra a falta de maturidade da população em lidar com esse tipo de situação nas redes sociais. O nosso eleitor usa as redes sociais de um modo muito mais intuitivo, quase como um torcedor de futebol, do que como um cidadão ciente dos seus deveres de eleitor. Vejo com preocupação esse cenário. Enquanto a legislação veda muitas manifestações em locais públicos e privados, essas manifestações migram para o meio virtual, onde acabam se transformando em um vale-tudo, porque as pessoas não checam o que é verdade e o que não é. Elas simplesmente compartilham. Quem sai prejudicado é o eleitor que quer fazer uma boa opção de voto.
JC - Esse é o diagnóstico. Mas qual a solução?
Zilio - Diante desse cenário, confesso que não dá para apostar na Justiça Eleitoral ou no Ministério Público controlando a internet. Não é esse o caminho. A internet é um meio livre por natureza, de livre circulação de ideias. Por isso, o problema das fake news na internet passa muito mais por uma educação digital dos internautas do que necessariamente por uma atitude paternalista ou interventiva da Justiça Eleitoral. Até porque é difícil ter eficácia no combate a irregularidades no mundo virtual, porque o provedor hoje está na Ucrânia, amanhã está no norte da África, amanhã na América Central. Então é uma luta desigual.
JC - Mesmo assim, o Ministério Público Eleitoral vai ter que atuar de alguma maneira...
Zilio - Hoje, o Ministério Público Eleitoral atua em relação às fake news a partir da denúncia de eleitores, que podem entrar em contato conosco através dos nossos canais de denúncias - o WhatsApp, o aplicativo Pardal e o site. Uma vez encaminhada uma denúncia, ela é averiguada junto ao Tribunal Regional Eleitoral (TRE). Não importa se a denúncia do mal uso na internet surgiu em Santa Rosa, Lajeado ou Tucunduva, porque a investigação é centralizada nos procuradores regionais auxiliares, que vão pedir aos juízes que trabalham junto ao TRE para acessar essa irregularidade.
JC - O senhor mencionou a facada no candidato Bolsonaro. Não foi o único episódio de violência nas eleições. No período de pré-campanha, a caravana em que viajava o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi atingida por tiros. Como avalia os sucessivos episódios de intolerância no pleito desse ano?
Zilio - A violência nessa eleição se deve a dois fatores. O primeiro é a polarização da campanha eleitoral em polos muito radicais. De um lado, temos um ex-presidente da República, o Lula, recolhido por decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4). De outro lado, temos um candidato que nasceu no regime militar e ergue a bandeira da segurança pública com um viés, digamos assim, um pouco autoritário e messiânico. Lula também tem uma aura um pouco messiânica. Essa personalização em duas figuras públicas tão polêmicas fomenta a radicalização da campanha entre os eleitores, seguidores, simpatizantes e militantes.
JC - E o segundo fator?
Zilio - É o jeito que as pessoas usam a rede social, sem filtragem. De certa forma, ao consumirem conteúdos distorcidos, elas se transformam nas redes sociais. Então são dois fenômenos que contribuem para isso: a polarização dos discursos e dos personagens que fazem parte desses dois polos, agregado ao mal uso das redes sociais pelos eleitores.
JC - Acredita que o ataque ao candidato Bolsonaro - aparentemente, o ápice dos episódios de violência - vai agravar a polarização política ou gerar um distensionamento?
Zilio - Acredito que vai distensionar. Diversas lideranças partidárias que estão envolvidas nesse processo de polarização, com algum discurso que involuntariamente contribuiu para esse acirramento, estão adotando uma outra linha de discurso. Eles, que antes adotavam um discurso mais ácido, fomentando até farpas e ofensas entre as candidaturas, agora têm adotado uma conduta mais propositiva.

Perfil

Rodrigo López Zilio graduou-se em Ciências Jurídicas e Sociais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (Pucrs) em 1992. É promotor de Justiça do Ministério Público (MP) do Rio Grande do Sul desde 2002. No mesmo ano, começou a dar aula de Direito Eleitoral na Escola Superior do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul e, em 2010, na Escola Superior da Magistratura do Estado do Rio Grande do Sul. Também é professor no curso de especialização a distância em Direito Eleitoral da Universidade de Santa Cruz do Sul. Ainda na área acadêmica, é palestrante na Escola de Pós-Graduação da Verbo Jurídico e do Instituto de Desenvolvimento Cultural. Atualmente, Zilio coordena o Gabinete de Assessoramento Eleitoral do Ministério Público. É autor dos livros Direito Eleitoral, Crimes Eleitorais e coautor da obra Comentários às Súmulas do Tribunal Superior Eleitoral.