Corrigir texto

Se você encontrou algum erro nesta notícia, por favor preencha o formulário abaixo e clique em enviar. Este formulário destina-se somente à comunicação de erros.

Entrevista especial

- Publicada em 16 de Setembro de 2018 às 21:35

Julio Flores quer suspender as isenções fiscais para as grandes empresas

Flores quer plano de obras públicas para atendimento de necessidades e geração de empregos

Flores quer plano de obras públicas para atendimento de necessidades e geração de empregos


MARCO QUINTANA/JC
Candidato ao governo do Estado pelo PSTU, Julio Flores propõe a suspensão do pagamento da dívida com a União, o fim das isenções fiscais para grandes empresas e o combate à sonegação como soluções para a crise financeira do Rio Grande do Sul.
Candidato ao governo do Estado pelo PSTU, Julio Flores propõe a suspensão do pagamento da dívida com a União, o fim das isenções fiscais para grandes empresas e o combate à sonegação como soluções para a crise financeira do Rio Grande do Sul.
Ele também defende um imposto progressivo e proporcional ao faturamento de empresas, com sobretaxa dos grandes empresários, uma reorganização dos impostos e uma reforma agrária ampla para desapropriar latifúndios e redistribuir para a população sem-terra.
A favor do fim da Lei Kandir, Flores quer a compensação dos valores devidos ao Estado para que se "possa recuperar o que a lei já levou para os cofres da União e para os bolsos do agronegócio". Na última entrevista da série do Jornal do Comércio com os candidatos ao governo do Rio Grande do Sul, Flores levanta a bandeira da "rebelião contra o sistema" presente no programa do PSTU. Ele propõe a organização de conselhos populares como forma de mobilizar a sociedade para governar.
 ÁUDIO: ouça na íntegra a entrevista de Julio Flores 
Jornal do Comércio - Como resolver a crise financeira do governo gaúcho e o problema da dívida do Estado com a União?
Julio Flores - Dinheiro tem, só que está nos cofres das grandes empresas deste Estado. E, com as isenções fiscais, temos, aí, uns R$ 15 bilhões que deixam de entrar pelos cofres públicos para podermos investir na saúde, na segurança e na educação. Com isso, a gente poderia resolver uma série de problemas. Propomos a suspensão do pagamento da dívida do Estado, de modo que cerca de R$ 3 bilhões ou R$ 4 bilhões possam entrar nos cofres públicos para podermos investir nas áreas de necessidade da população. E, óbvio, também pensamos que é necessário acabar com as isenções fiscais das grandes empresas, bem como recuperar aquilo que foi para os bolsos do agronegócio e daquilo que não foi devolvido para o Rio Grande do Sul pela Lei Kandir. Com esse dinheiro, e também com o combate à sonegação fiscal daqueles que não pagam impostos porque escondem aquilo que produzem - que deve dar uns R$ 7 bilhões, mais ou menos -, teríamos uns R$ 30 bilhões para poder investir em todas as áreas de necessidade da população. Inclusive em um plano de obras públicas, construindo hospitais, moradias populares, obras de infraestrutura e saneamento básico nas vilas populares, de tal maneira que pudesse não só melhorar o nível de vida da população do ponto de vista do atendimento das suas necessidades, como também gerar empregos, porque aqueles próprios trabalhadores que construiriam essas obras teriam um salário para poder sustentar as suas famílias. Para financiar, por exemplo, uma reforma agrária radical. Hoje, a gente sabe que há concentração de terra na mão de poucos latifundiários. Com a reforma agrária, poderíamos gerar empregos e ocupação para aqueles trabalhadores que estão aí, à beira das estradas, em condições precaríssimas, em barracas de lona, vivendo intempéries. São trabalhadores que são deserdados pelo sistema e que estão à margem do processo de produção, e que, obviamente, em uma reforma agrária poderiam ter a sua terra para plantar. A gente sabe como é a situação dos trabalhadores sem-terra e dos indígenas, que também vivem em condições absurdas. Assim, a gente poderia gerar mais alimentos - e não para a exportação, como é hoje. Aliás, tem uma estimativa de que quem sustenta a comida na mesa do trabalhador nas cidades é a pequena propriedade, porque o agronegócio e os grandes proprietários de terra produzem para a exportação e para alimentar animais, e não pessoas. Então acho que, com essas medidas, a gente poderia acumular, nos cofres do Estado, dinheiro suficiente - e sobraria troco - para investir nessas áreas críticas.
JC - Como o senhor se posiciona com relação à política tributária?
Flores - O que a gente propõe em relação aos impostos é fazer um escalonamento. Um imposto progressivo que seja proporcional ao faturamento das empresas. Inclusive do próprio ICMS e de outros impostos a nível nacional. E, do modo como está a proposta, somos contrários, porque isso significa que o povo vai pagar mais, mas quem tem que pagar são os grandes empresários. Então a gente teria que pensar uma hipótese de fazer uma proposta de construir impostos progressivos. Quem tem mais tem que pagar mais. Assim como IPTU e outros impostos.
A miséria no País vai continuar se continuarmos sob a dominação capitalista

JC - Há um esforço dos estados exportadores para recuperar o que a União não entregou como compensação, se não daqui para trás, pelo menos daqui para frente. Mas também tem uma segunda corrente que advoga o fim da Lei Kandir. O senhor é a favor de cobrar a União?
Flores - Não, nós somos a favor do fim da Lei Kandir e que haja, do mesmo modo, uma progressividade dos impostos. Que haja um imposto único, que a gente possa, obviamente, recuperar para os cofres públicos do Estado o que a Lei Kandir já levou para os cofres da União e para os bolsos do agronegócio, e que isso possa ser usado para investir nas áreas públicas.
JC - Mas, com o fim da Lei Kandir, os estados teriam que sobretaxar a exportação. Consequentemente, ficariam menos competitivos, porque precisariam, também, arcar com o custo. Isso não iria impossibilitar nossas exportações de grãos?
Flores - Não creio que isso aconteça, porque, de fato, o que precisamos é reorganizar as finanças públicas e os impostos de tal maneira que eles realmente incidam sobre o latifúndio e o agronegócio. Os grandes empresários, com um tipo de medida assim, não ficariam quietos. Reagiriam, obviamente. Mas o que nós propomos, a nível nacional, não é uma tolerância com os grandes empresários. A nossa política é justamente mexer no vespeiro para que aqueles poderosos deste País paguem, porque, até hoje, o que tem acontecido é que os trabalhadores é que pagam a conta sempre. Esses senhores precisam ser sobretaxados por um lado, e, por outro lado, seriam alvos da própria reforma agrária. É mais do que ter uma medida de sobretaxação. Sim, a taxação como uma medida de transição. Mas nós propomos uma reforma agrária que desaproprie o latifúndio e o coloque na mão dos trabalhadores que não têm terra para plantar.
JC - A reforma agrária é atribuição da União, do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Nenhum governo estadual pode produzir uma reforma agrária.
Flores - É que nós não vemos assim, não colocamos as atribuições dos processos todos no marco da legalidade. O que convocamos no nosso programa central é uma rebelião contra o sistema. Queremos uma rebelião de todos: dos sem-terra, dos sem-teto, dos famintos, daqueles que não tem nada, contra o sistema. A gente vê a nossa política como um todo, uma política integrada. Por exemplo, a nossa chapa de candidatos à presidência da República, a companheira Vera (Lúcia) e o companheiro Hertz (Dias), propõe, a nível nacional, uma desapropriação das 100 maiores empresas do País, daqueles grandes capitalistas. E, dentro disso, obviamente, estaremos incluindo algumas dessas empresas aqui no Rio Grande do Sul, inclusive do agronegócio. Sabemos que não é uma brincadeira, que estaremos mexendo com as estruturas mais arcaicas existentes na sociedade, como a sacrossanta propriedade privada, e, obviamente, é preciso uma rebelião, uma mobilização popular que tome essas medidas. Por isso, nós propomos, junto com isso, os conselhos populares. Organizar os trabalhadores nas periferias, nas fábricas, nas escolas, no campo e na cidade, para que elejam seus conselhos populares de tal maneira que eles mesmos possam governar, porque com a estrutura da Assembleia Legislativa e do governo federal não passaria nada disso que a gente propõe. É por fora, e, por isso, queremos substituir essas instituições por instituições do próprio povo. A miséria no País vai continuar se continuarmos sob a dominação capitalista.
Convocamos uma rebelião contra o sistema, propomos (governar com) os conselhos populares

JC - O senhor falou em suspender a isenção de impostos. Chamaria as empresas para a mesa de negociação ou simplesmente retiraria o Fundo Operação Empresa (Fundopem) que foi assinado?
Flores - Não, é isso. É simples assim, porque é uma medida descabida a existência desse benefício fiscal. É por isso que algumas pessoas passam fome, enquanto GM, Gerdau e banqueiros não precisam de isenções. Até os bancos têm isenções. Mas sabemos que isso não é uma medida simples e que, obviamente, haveria reações. Então nós não propomos um governo fácil, porque governar significa contrariar certos interesses. Em geral, os governos que a gente teve até agora têm contrariado os interesses do povo. Retiram direitos e conquistas sociais, como as reformas da Previdência e trabalhista. A reforma trabalhista é voltar praticamente à escravidão. Aliás, a burguesia brasileira tem esse DNA do escravismo. De fato, no mercantilismo, eles acumularam capital a partir da escravidão. Isso está muito na cultura, e óbvio que isso significaria enfrentamento. Por isso que já chamamos uma rebelião dos trabalhadores, porque não seria uma coisa simples. Óbvio que eles reagiriam e iriam querer desmontar a montadora da GM, por exemplo, e se mandar para outro lugar do planeta. Mas que medidas nós tomaríamos? Pelo menos na nossa proposta: "vocês podem ir embora, os gerentes etc., mas a fábrica fica". Ficam os operários, e eles passam a controlar essa empresa e a produção. O que se produz lá são os trabalhadores que fazem. É o trabalho humano desenvolvido pelos operários que produz os automóveis, que produz o aço que a GM exporta.
JC - Na área da educação, quais seriam os principais investimentos e as questões essenciais para melhorar o sistema público de ensino do Rio Grande do Sul?
Júlio Flores - Em primeiro lugar, a construção de escolas que são necessárias aos trabalhadores. Um salário digno aos educadores, aos professores e funcionários das escolas. Um investimento justo, 30%, 40% do orçamento para a educação. Mas, mais do que isso, precisamos debater essa questão da reforma do Ensino Médio. As bases curriculares estão sendo mudadas de modo a formar jovens como mão de obra barata para as grandes empresas. Isso já foi feito aqui no Estado com um arremedo do que eles chamavam de ensino politécnico - porque o politécnico não é isso que eles propuseram no passado, no governo Tarso (Genro, PT, 2011-2014). Essa reforma do Ensino Médio que obriga apenas Matemática e Português como disciplinas obrigatórias é profundamente equivocada. Mesmo eu sendo das exatas, acho que isso é um escândalo. Isso significa formar pessoas com uma qualificação inferior, do ponto de vista da formação, porque o ser humano tem que ter uma formação integral.
JC - Dos candidatos ao governo do Estado, o senhor é o único que não tem a política como profissão. O senhor acha que isso pode facilitar a identificação com o eleitorado?
Flores - Acho que isso facilita bastante, porque nós somos parte da mesma classe, e a política é reflexo da classe à qual tu pertences. Óbvio que têm diversos posicionamentos políticos dentro de uma mesma classe, mas, enfim, acho que facilita, porque nossos companheiros e nossas companheiras, em geral, são assalariados, operários, trabalhadores dos Correios, trabalhadores bancários, jovens. E, em geral, todos andam de ônibus, como eu. Não têm um automóvel particular. Não que eu ache que seja ruim as pessoas terem automóvel, mas essa identificação é importante, porque, pense bem, a indústria automobilística foi, em um determinado momento histórico na década de 1970, um modo de o imperialismo dominar o País. Contraditoriamente, isso gerou uma classe operária muito forte, que deu origem ao PT e à CUT (Central Única dos Trabalhadores) nas suas lutas. O trágico é que o PT tenha se degenerado, desse ponto de vista, e, muitos deles, estão contando o vil metal, seja em casa ou, como dizia o Belchior, na prisão. O que é uma tragédia para a classe operária, porque poderíamos ter uma situação diferente hoje. Foram 13 anos de governo do PT, mas eles optaram por isso, e é a grande tragédia de governar com a classe dominante. Isso nós queremos romper, por isso queremos fazer diferente. Parece que derivei e falei de outra coisa, mas não, porque significa que nós somos a classe, somos explorados. Os mandatos parlamentares, os governos, as alianças e os lobbies com os grandes empresários ajudaram a enriquecer uma parte deles e cooptaram o PT como um todo, principalmente a cúpula, para um outro tipo de política, a política tradicional.
JC - Estrategicamente, não seria mais interessante para quadros conhecidos do PSTU, como o senhor, por exemplo, tentar uma candidatura ao Legislativo do que uma candidatura ao governo do Estado, quando se tem pouco tempo de TV, chapa pura e poucos recursos?
Flores - Mas isso significaria abdicar de ter um debate sobre as mudanças fundamentais e profundas que a gente quer para o governo. Seria deixar de lado esse debate se a gente não apresentasse candidaturas ao governo do Estado. Porque temos diferenças profundas. Como disse, queremos demolir com esse regime, esse edifício podre, e construir outro novo, que possamos ter dias melhores para a população. E aí fazemos o conjunto do debate. Isso não impede que a gente possa vir a eleger algum companheiro ou companheira que esteja concorrendo ao Legislativo. Nada impede.
VÍDEOS JC: Todas as respostas de Júlio Flores
 

Perfil

Júlio Cezar Leirias Flores tem 59 anos e é natural de São Borja, mas vive em Porto Alegre desde 1976. Formado em Ciências e Matemática pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (Pucrs), é, atualmente, professor de Matemática para o Ensino Médio na rede municipal. Começando a militância política no movimento estudantil em 1979, concorre pela terceira vez ao governo. Esta é sua 11ª disputa por um cargo público eletivo, tendo também já concorrido a vereador, prefeito e senador em eleições passadas. Bancário entre as décadas de 1980 e 1990, foi coordenador do Sindicato dos Bancários de Porto Alegre (Sindibancários) entre 1993 e 1996, e liderou mobilizações contra a privatização do Banco Meridional. É membro do Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU) desde a fundação, em 1992, quando a corrente que integrava, Convergência Socialista, foi expulsa do PT por defender o "Fora Collor".