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Entrevista especial

- Publicada em 05 de Agosto de 2018 às 22:52

Bandeira defende redução gradual nas alíquotas do ICMS no Estado e corte de despesas

Bandeira defende congelamento de rubricas do orçamento e promover a reforma da Previdência

Bandeira defende congelamento de rubricas do orçamento e promover a reforma da Previdência


/MARCO QUINTANA/JC
Primeiro candidato ao governo do Estado homologado em convenção, o ex-secretário do Planejamento e ex-presidente do Banrisul Mateus Bandeira (Novo) diz que é contra o aumento de impostos. E defende que, se a Assembleia Legislativa aprovar a manutenção do aumento do ICMS para o próximo ano, o tributo deve ter uma redução gradual nos anos seguintes, permitindo a recuperação do Estado. Mais do que receitas, Bandeira avalia que a questão central para fazer o ajuste fiscal do Estado é a redução de despesas.
Primeiro candidato ao governo do Estado homologado em convenção, o ex-secretário do Planejamento e ex-presidente do Banrisul Mateus Bandeira (Novo) diz que é contra o aumento de impostos. E defende que, se a Assembleia Legislativa aprovar a manutenção do aumento do ICMS para o próximo ano, o tributo deve ter uma redução gradual nos anos seguintes, permitindo a recuperação do Estado. Mais do que receitas, Bandeira avalia que a questão central para fazer o ajuste fiscal do Estado é a redução de despesas.
O candidato do Partido Novo tem convicção de que também é preciso privatizar estatais para garantir o ingresso no Regime de Recuperação Fiscal (RRF). Questionado sobre as empresas que poderiam ser vendidas, não hesitou ao responder "todas". Não descarta, inclusive, negociar o Banrisul.
Nesta primeira entrevista da série do Jornal do Comércio com os candidatos ao Palácio Piratini, Bandeira também sustenta que, em um eventual governo, parcelaria não só o salário dos servidores públicos do Executivo, mas também o repasse do duodécimo para os demais poderes. "Seria didático se todo mundo recebesse rigorosamente com atraso", comentou.
ÁUDIO: ouça na íntegra a entrevista de Mateus Bandeira
Jornal do Comércio - Como pretende solucionar a crise das finanças do Rio Grande do Sul e a dívida do Estado com a União?
Mateus Bandeira - O desequilíbrio nas contas públicas não é um problema de receita tributária, que cresce de forma ininterrupta desde os anos 1970. Aliás, nas últimas décadas, os únicos anos em que as contas do Estado fecharam no azul foram os três anos em que, coincidentemente, estive à frente do Tesouro e da Secretaria Estadual do Planejamento (gestão Yeda Crusius, PSDB, 2007-2010). A partir de 2011, houve absoluta irresponsabilidade fiscal, com a promoção de reajustes inconsequentes, encaminhados pelo governo anterior ao de (José Ivo) Sartori (MDB), mas aprovados por unanimidade na Assembleia Legislativa. Então, a receita cresceu junto com a economia. Por outro lado, a despesa aumentou muito mais que a economia. É preciso interromper esse ciclo de crescimento da despesa. Como? Congelando todos as rubricas do orçamento; ampliando a reforma da Previdência, que é o principal ofensor da despesa; adotando todas as providências necessárias estabelecidas pela lei do RRF, única saída viável no curto e médio prazo ao Rio Grande do Sul.
JC - É a favor do RRF?
Bandeira - Sim. Para resolver as contas do Estado, a primeira providência é autorização legislativa para a privatização de estatais. Sem isso, não conseguiremos acessar o RRF, que pode conferir um alívio, através da suspensão de pagamento da dívida com a União. Equivale a algo em torno de R$ 3,5 bilhões, R$ 4 bilhões (por ano), o que representa duas folhas de pagamento. Se não tivermos o RRF, o Estado volta a pagar o serviço da dívida. Isso sem contar a projeção atual de déficit da ordem de R$ 4 bilhões. O que significa que o próximo governo vai começar a gestão com uma conta de R$ 4 bilhões, um 13º salário para ser pago e provavelmente outros R$ 2 bilhões de dívidas com fornecedores. Diante desse cenário dramático, o Estado se tornará ingovernável sem o RRF.
JC - Por quê?
Bandeira - Estive com um grupo de servidores da Secretaria da Fazenda, que produziu um trabalho sobre o cenário fiscal até 2025. O estudo estima que - sem a manutenção das alíquotas do ICMS (cujo aumento foi aprovado em 2016, para valer até 2018) e sem a adesão ao RRF - o déficit previsto entre 2019 e 2022 é da ordem de R$ 28 bilhões. Isso dá um déficit médio anual de R$ 7 bi. Isso sem considerar reajustes de salários, novas contratações de servidores públicos. Então, há uma linha muito tênue entre o cenário de crise fiscal dos últimos anos e aquilo que pode virar um colapso social.
JC - As compensações da Lei Kandir são apontadas como uma alternativa ao RRF. Como enxerga essa possibilidade?
Bandeira - Essa história da Lei Kandir é uma falácia. Não há perdas com essa lei. Ela foi implementada em 1995, promovendo a desoneração dos produtos semielaborados. Nos primeiros três anos, o ICMS gaúcho teve uma ligeira queda m relação ao PIB. Mas, a partir de 1998 - e nesses três anos o Estado recebeu compensações - o ICMS cresceu na proporção do PIB. Portanto, a lei propiciou uma melhoria da competitividade na exportação de produtos semielaborados, por conta da desoneração, permitindo que o Rio Grande do Sul pudesse exportar mais. Isso gerou renda, que ficou aqui. No cenário oposto, se tivéssemos mantido a tributação sobre os produtos semielaborados, será que teríamos exportado tanto? É claro que não. Apontar as compensações da Lei Kandir como solução significa fugir do verdadeiro problema. A equação fiscal não é um problema de receita, mas do tamanho do Estado, da despesa pública.
JC - Os deputados estaduais podem votar neste ano a prorrogação do aumento do ICMS. Qual a sua posição sobre esse tema?
Bandeira - Nós, eleitos, não vamos propor majoração de alíquotas. Se elas forem renovadas (na Assembleia), deveriam vir acompanhadas de uma redução gradual, para os próximos quatro ou seis anos. Assim, o novo governo terá tempo para tomar as medidas necessárias para equilibrar a despesa com o tamanho da receita, e discutir medidas de ajuste na Assembleia. Então, o que precisa ficar claro para os deputados dessa legislatura, que vão votar a manutenção ou não dessas alíquotas, é o seguinte: se as mantiverem no patamar em que está, ainda assim existirá um déficit difícil de ser trabalhado; se eles não renovarem, significa uma diminuição da receita de algo em torno de R$ 2 bilhões para Estado e municípios. O governo promoveu esse aumento da carga tributária (em 2016) para fazer frente ao aumento da despesa. Só que (o aumento na arrecadação) não foi suficiente, tanto que o governo, por 30 meses, vem atrasando o pagamento de salários dos servidores públicos.
JC - A frase "diminuir o ICMS para arrecadar mais" lhe agrada?
Bandeira - Como a gente tem uma situação de desequilíbrio nas contas públicas, é impossível fazer isso agora, porque, no curto prazo, a gente só agrava o déficit. Apesar disso, tem situações específicas em que é possível fazer. Vou dar um exemplo: o ICMS de importação. A tributação de importados no Rio Grande do Sul dificulta a importação, porque a torna mais cara. Não faz o menor sentido tributar a obtenção, por exemplo, de tecnologia, serviços que não têm similares aqui e podem servir para modernização do parque industrial gaúcho. Estados como Santa Catarina, que não tributam na entrada, cobrando depois com alíquotas menores, tiveram um aumento da receita nos últimos 10 anos. Passaram de praticamente zero e hoje tem R$ 4 bilhões de receita de ICMS importação.
JC - O que está no seu radar em termos de privatizações de estatais?
Bandeira - Tudo. Obviamente, priorizando algumas das empresas públicas que tem potencial. As privatizações devem ser feitas ampla e irrestritamente por uma razão muito simples: não é função do Estado ser empresário com o dinheiro dos impostos. Vamos pegar o caso da CEEE: dois terços da CEEE distribuidora foram privatizados no governo Antonio Britto (MDB, 1995-1998) para duas empresas, que hoje são uma só, a RGE. Esta empresa está bem no ranking de qualidade da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), cobra tarifas similares à da CEEE, e tem cerca de R$ 1 bilhão reservado para investimentos em 2018. Enquanto isso, a CEEE só deu prejuízo. Aliás, nos últimos três anos, ela foi comandada pelo PSDB, que indicou o secretário de Minas e Energia. O PSDB produziu R$ 1,12 bilhão em prejuízo, que só não foi maior porque, em 2017, a CEEE vendeu R$ 500 milhões em patrimônio. Não faz sentido tirar dinheiro dos impostos para cobrir o déficit dessa companhia.
JC - E as estatais que dão lucro, aliás, o Banrisul gerou mais de R$ 1 bilhão de lucro em 2017?
Bandeira - Não faz sentido privatizar o Banrisul para cobrir despesa corrente, salário. Quer dizer, para privatizar o banco, tem que ter garantias de que os recursos vão ser usados de maneira adequada, para investimentos. Até usar os recursos (da eventual venda do banco) para pagar a dívida faz sentido, mas não para pagar despesa corrente. Sou defensor de fazer essa discussão com racionalidade. Diante da concentração bancária - quatro ou cinco bancos detêm quase 80% do crédito -, qual o papel de manter o controle do Banrisul? Prover crédito mais barato? Botar dinheiro dos gaúchos para capitalizar o banco e dar desconto no crédito ao invés de competir com outros bancos? Então, a gente está subsidiando o crédito com dinheiro dos impostos. Não faz sentido.
JC - Se eleito, cogita diminuir o repasse do Legislativo e do Judiciário, caso piore a situação financeira do Estado?
Bandeira - Nem precisa piorar. Ninguém atrasa salários porque quer. Só que essa decisão carrega uma injustiça brutal. Há um dispositivo constitucional que determina o pagamento dos salários no último dia do mês. Também existe um dispositivo constitucional que determina o repasse do duodécimo aos demais poderes. Se faltam recursos, por que o governo descumpre só o primeiro dispositivo e não o segundo? O governo parcela só o salário dos servidores do Executivo, policiais, professores, profissionais da saúde... Mas repassa rigorosamente em dia o duodécimo dos outros poderes. O promotor do Ministério Público tem que receber antes de um professor? A sociedade decidiu isso? Se eleito, vou enfrentar isso já no primeiro mês. Essa e outras questões devem ser enfrentadas no início do governo. Seria didático se todo mundo recebesse rigorosamente com atraso. Todos dividissem o drama de viver e trabalhar a um Estado falido. Todo mundo passaria a ser sócio do problema e sócio da solução.
O promotor tem que receber antes do professor? Vou enfrentar o tema já no primeiro mês

JC - As medidas mais fortes devem ser tomadas no início da gestão?
Bandeira - No início da gestão, a legitimidade do voto está fresquinha. Por isso, logo no início, é necessário propor as medidas duras, aquelas que tem mais dificuldade política, maior dificuldade de construção na Assembleia. Antes mesmo de o governo começar, acho que já há legitimidade para algumas propostas. Agora, mais importante do que isso, para ganhar a legitimidade, é falar de todos esses temas durante a campanha eleitoral.
JC – Qual é a sua proposta para o problema da segurança?
Bandeira – Esse tema não dá para esperar o ajuste das contas públicas. Só existe uma forma de combater a criminalidade, que é endurecer nas três formas de intervenção do Estado. Primeiro, temos que melhorar o policiamento, precisa de efetivo, investimento em gestão, em tecnologia. Segundo, temos que investir no sistema prisional, precisa funcionar para que a pessoa, uma vez presa, seja encarcerada por muito tempo. E que o presídio cumpra o seu papel de separar o criminoso de alta periculosidade do criminoso que comete crimes comuns. Para isso, tem mais de R$ 4 bilhões disponíveis no fundo penitenciário que o governo deveria acessar, apresentando projetos, para urgentemente começar a construção de presídios. Além disso, queremos retomar o processo de uma parceria público-privada em presídios que começou no governo Yeda e que foi interrompido no governo seguinte. Por último, o sistema judicial tem que ter leis mais duras.
JC – A educação pública no Rio Grande do Sul já foi referência nacional. Entretanto, nas últimas décadas, se deteriorou. Como solucionar isso?
Bandeira – Temos duas propostas inovadoras. Primeiro é um programa de compra de vagas na rede de ensino privada para oferecer às famílias pobres, ao estilo Prouni (Programa Universidade para Todos) do governo federal. É algo como um Prouni do ensino básico. Ou seja, o Estado deixa de ser o dono da escola e passa a apenas garantir o acesso à educação a quem não pode pagar. Isso permite reduzir rapidamente a diferença de qualidade da educação dos pobres, obrigados a estudar em colégios públicos ruins; e a dos alunos de classe média e classe média alta, que têm condições de frequentar boas escolas privadas. Se começarmos a investir em gestão, melhorar a qualidade do ensino (na rede pública), valorizar isso ou aquilo, o mesmo lero-lero de todos os políticos... a gente vai levar uma geração para melhorar a qualidade do ensino.
JC – E a segunda proposta?
Bandeira – É um modelo que já existe no exterior e queremos copiar aqui. A ideia é selecionar parceiros privados ou entidades filantrópicas para fazer a gestão de algumas escolas. Essas entidades receberiam recursos do Estado, mas o Estado se limitaria a cobrar os resultados. A gestão privada – filantrópica ou não – ficaria livre das amarras do Estado e do corporativismo do Cpers. Teria liberdade de gestão, autonomia para contratar e demitir professores, estabelecer sistemas de inventivos etc. Além disso, com a gestão próxima à comunidade, os pais teriam mais autonomia para cobrar da escola uma educação de qualidade.
JC – Outra demanda importante para a população é a saúde. Como melhorar essa área?
Bandeira – O serviço de telemedicina pode melhorar muito a saúde, aumentando a resolubilidade da atenção básica, feita essencialmente pelos municípios, através das Unidades Básicas de Saúde (UBS). Boa parte dos problemas poderiam ser resolvidos nas UBS, evitando internações e consulta a especialistas para questões de média e alta complexidade. Estima-se que mais de 50% dos casos poderiam ser resolvidos com essa medida, se pudéssemos colocar especialistas para fazer atendimentos por telemedicina, integrados com as unidades básicas. Afinal, o grande desafio é levar especialistas da Capital para o Interior.
JC – Esse serviço de telemedicina seria financiado por entidades filantrópicas privadas?
Bandeira – Há um programa do Ministério da Saúde, o Proad (Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do SUS), que funciona assim: para manter a filantropia dos hospitais privados, o governo exige que essas instituições apliquem em projetos de saúde parte do que seria pago em impostos. Por exemplo, através do Proad, o Hospital Sírio Libanês investe hoje no Rio Grande do Sul em telessaúde, em parceria com municípios.
EM VÍDEO: veja os depoimentos de Mateus Bandeira

Perfil

Mateus Affonso Bandeira, 49 anos, é natural de Pelotas. Formado em Informática pela Universidade Católica de Pelotas, fez pós-graduação em Finanças na Fundação Getulio Vargas e em Gestão na Ufrgs. Nos anos 1990, chegou a ser filiado ao PT. Em 1993, ingressou por concurso na Secretaria Estadual da Fazenda. Entre 2002 e 2004 fez MBA em Finanças Corporativas e Políticas Públicas na The Wharton School, escola de negócios da University of Pennsylvania. Ocupou cargos no governo estadual, no Ministério da Fazenda e no Senado. Em 2007, passou a atuar como diretor do Tesouro Estadual, na gestão Yeda Crusius (PSDB, 2007-2010). Também foi secretário do Planejamento e presidente do Banrisul. Entre 2010 e 2017, atuou na iniciativa privada, como CEO da Falconi Consultores de Resultado. Nesse período, também integrou os conselhos do Banco Pan, Santa Terra Agro e Hospital Moinhos de Vento. Filiou-se ao Partido Novo em 2017 e é candidato ao Piratini.