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Entrevista Especial

- Publicada em 15 de Julho de 2018 às 21:52

Para Olívio, o PT já deveria ter definido vice de Lula

Para Olívio Dutra, Lula é o candidato do partido em 2018

Para Olívio Dutra, Lula é o candidato do partido em 2018


fotos: CLAITON DORNELLES /JC
"Eu continuo colocando as mãos no fogo pelo Lula", afirma o ex-governador Olívio Dutra (PT). Ainda sob o impacto do domingo que marcou a queda de braço jurídica em torno de uma possível libertação do ex-presidente petista, Olívio defende que o desembargador Rogério Favreto "tinha de fazer isso mesmo", concedendo o habeas corpus durante seu plantão, para que Lula não seja impedido de "exercer o seu papel de pré-candidato".
"Eu continuo colocando as mãos no fogo pelo Lula", afirma o ex-governador Olívio Dutra (PT). Ainda sob o impacto do domingo que marcou a queda de braço jurídica em torno de uma possível libertação do ex-presidente petista, Olívio defende que o desembargador Rogério Favreto "tinha de fazer isso mesmo", concedendo o habeas corpus durante seu plantão, para que Lula não seja impedido de "exercer o seu papel de pré-candidato".
No entanto, crê que a definição por um "plano B" à candidatura do ex-presidente já deveria ter acontecido. "Acho que o Lula já poderia ter sido candidato, com um vice já decidido. E, em um eventual impedimento do Lula, já teria um nome que tem essa carga", acredita. Olívio aponta que "há quadros importantes", pontuando que é necessário o PT conversar ou criar um ambiente para que essas forças (do campo democrático popular) possam se conjugar na hora do necessário". Porém, alerta, "o PT não é dono desse campo".
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, Olívio também comenta sobre o cenário estadual, confirmando apoio ao correligionário Miguel Rossetto e simpatia à pré-candidata do PCdoB, Abigail Pereira. Entretanto, teceu também críticas não nomeadas a candidatos que fizeram trajetória no PT e se desligaram do partido. "Essas pessoas, com todo respeito, têm suas ambições, mas para mim vale o projeto coletivo em que todos possam ser sujeitos."
Jornal do Comércio - Como acompanhou a "guerra" jurídica entre os desembargadores em torno da libertação do ex-presidente Lula?
Olívio Dutra - Eu fiquei atento aos seus desdobres. Eu estava na estrada e ouvi pelo rádio do carro, e também pelos celulares dos companheiros que estavam ali. Acho que o Rogério Favreto, pela consciência e o conhecimento que tem, estando ali de plantão, tinha que fazer isso mesmo. Se houvesse algo a ser contestado dessa atitude, poderia ser depois de cumprida a decisão. E eu penso que, a partir do dia 7 de julho, a Justiça Eleitoral estabelece igualdade de condições para todos os pré-candidatos para expressarem seus pensamentos, suas ideias, seus programas, e o Lula é pré-candidato. Ele não poderia estar impedido de exercer o seu papel de pré-candidato. Evidentemente que eu tenho a minha convicção de que o Lula não roubou, não instigou ninguém para roubar, não acobertou roubalheira. Mas evidente, tinha um governo de composição com gente que não tinha esse pensamento, e teve também dentro do PT algumas figuras que se impugnaram com as realidades. Mas eu continuo colocando as mãos no fogo pelo Lula.
JC - Como o senhor avaliou a resposta a esse habeas corpus concedido?
Olívio - As atitudes das autoridades que se seguiram depois dessa medida do desembargador, eu identifico como persecutórias, ideologicamente comprometidas, com uma visão que tem que impedir o Lula a qualquer preço de ser candidato à presidência da República.
JC - Vê risco de não haver eleições esse ano?
Olívio - O risco continua existindo. Era bem maior há pouco tempo. Mas me parece que agora eles estão conseguindo ter mais certeza de que vão impedir o Lula de ser candidato, então aí realiza as eleições. Se eles tiverem alguma incerteza quanto a isso, de que o Lula possa ser candidato, eles podem inventar o que já tem no forno, um presidencialismo mitigado, com eleição indireta por esse Congresso, e esse grupo que deu o golpe continuar. Essa crise que vivemos aponta a forma de sair dela com mais democracia, com radicalidade democrática. Então elege, renova o Congresso que está aí - eu não me iludo, a renovação não vai ser substancial -, e aqueles que vão formar um novo Congresso a partir do ano que vem, esses têm que ter o trabalho de uma Constituinte, que tem que vir do bojo de uma grande discussão no País inteiro, não pode se determinar de cima para baixo. Tem que criar um ambiente de que a Assembleia Nacional Constituinte seja livre, exclusiva e soberana.
JC - O ex-governador Tarso Genro comentou que, na ausência do Lula da disputa eleitoral, ele tende a apoiar ou a Manuela d'Ávila (PCdoB), ou o Guilherme Boulos (PSOL) como um nome para "unir a esquerda". O que o senhor acha desses nomes caso o ex-presidente Lula não possa concorrer, ou o senhor acha que o PT tem um plano B?
Olívio - Eu tenho discordâncias com a direção nacional do PT. Eu não faço parte da composição que forma a maioria da direção nacional do PT e também não sou membro de diretório nacional ou estadual e mesmo municipal. Mas eu assumo a responsabilidade de ser um dos fundadores do PT e defender um partido com contornos ideológicos e programáticos claros, e que não se burocratizem, e que tenham relações permanentes com a base partidária e social com quem ele se refere. Eu acho que o Lula já poderia ter sido candidato, com um vice já decidido. E em um eventual impedimento do Lula, já tem um nome que tem essa carga, não vai se inventar depois, não vai se anunciar depois.
JC - Qual poderia ser esse nome?
Olívio - Eu não me aventuro agora de ficar falando desta ou daquela, deste ou daquele. Tem quadros importantes. Bons. Com experiência, com clareza. Agora eu também acho que nós temos um compromisso com o campo democrático popular. O PT não é dono desse campo. E ele tem que conversar ou criar um ambiente que essas forças possam se conjugar na hora do necessário. Temos que ter capacidade de saber trabalhar respeitando a pluralidade, a diversidade do campo, mas ter condições de, na hora de a onça beber água, estar nesse conjunto de forças unificado.
JC - Mas por que essa união de forças tem sido apontada como difícil? Uma fragmentação, nesse momento, não pode inviabilizar a esquerda?
Olívio - A democracia é o respeito à diversidade. E a ideia da democracia como liberdade e a partilha da riqueza produzida pelo trabalhador não é um tijolo incontestável. Tem várias interpretações. Então é preciso saber trabalhar essa diversidade e essa pluralidade do campo que pensa a política como a construção do bem comum, com o protagonismo das pessoas. Os partidos são parte desse processo. A democracia não se faz sem partidos, mas partidos que tenham, repito, contornos ideológicos, programáticos claros. O PT, no seu surgimento se propunha a isso. O PT, junto com as forças do campo democrático popular, tem o dever de se constituir nesse espaço onde todos esses movimentos e ideias possam se sentir abertos e estimulados para contribuir com a Constituição de um País com igualdade, justiça, fraternidade e radicalmente democrático.
JC - Com a conduta que o senhor vem apontando na direção do PT, é difícil a ascensão de novas lideranças?
Olívio - Eu tenho ficado estimulado porque ando bastante. Sou convidado e tomo a iniciativa de conversar com várias pessoas nas suas movimentações nas suas atividades e tenho percebido que tem muitos jovens resistindo e se filiando ao PT. O PT ampliou as filiações mesmo nessa situação, sob fogo cruzado. Tem vigor na base partidária, e a juventude tem tido uma expressão muito significativa nesse tensionamento de baixo para cima. Eu penso que agora, nas listas que o partido vai ter para disputar essa eleição, vai aparecer bem isso. Não o suficiente, no meu entendimento. O partido tinha que ter listas completas em todas as unidades da federação para ter ali a representação da força da sua base. A juventude, negros, quilombolas, mulheres, LGBTs, índios, movimentos sociais, todos. O que não pode se perder é o conteúdo programático, o ideário, a identidade partidária. E nós fomos perdendo coisas nessa caminhada. Então é preciso retomar um caminho e evidentemente se aperfeiçoar.
JC - No cenário local, como é que o senhor está avaliando a composição de alianças ao Palácio Piratini?
Olívio - Olha, eu acho que tem duas candidaturas que são no campo do desenvolvimento econômico e social, com aperfeiçoamento democrático para o Rio Grande e para o País no próximo episódio eleitoral. Que é a Abigail (Pereira), do PCdoB, e o companheiro Miguel Rossetto. São candidaturas sérias, responsáveis, têm lado, não tergiversam, têm vivência, experiência, compromisso com o desenvolvimento econômico, social, cultural e político, e, portanto, não tendo o dinheiro ou o apoio dos grupos poderosos ou mais influentes na grande mídia, tem, no entanto, muita força e podem sim, ter condições de irem consolidando uma possibilidade de vitória.
JC - Além de Rossetto, temos entre os pré-candidatos três nomes que já passaram pelo PT e saíram do partido: Mateus Bandeira (Novo), Roberto Robaina (PSOL) e Jairo Jorge (PDT). Esses dois últimos não fazem parte desse campo popular que o senhor aponta?
Olívio - Olha, eu acho que o PDT é um partido do campo democrático popular. Lá no PDT tem figuras que... já vi prefeito do PDT abrindo voto para uma candidatura da antiga Arena. Então nem sempre tem pessoas do partido que estão a fim de defender um projeto político. Tem pessoas que saem do partido e entram para outro porque têm um projeto pessoal. Querem fazer carreira política. Essas pessoas, com todo respeito, têm suas ambições, mas para mim vale o projeto coletivo em que todos possam ser sujeitos, e não objetos da política. Evidentemente que o Robaina é uma candidatura de um partido que faz uma pregação mais à esquerda no espectro do campo democrático popular. Tem que ser respeitado isso, é evidente. Mas não é a primeira vez que ele se candidata. Não é nada contra, mas acho que a expressão maior das possibilidades são as candidaturas do Miguel e da Abigail. Tem uma dança de diferentes partidos. Saem do DEM e vão para o PP, saem do PP vão para o PSB. Mas a maior preocupação é com aqueles que saíram do PT, e tem muita gente chegando no PT. Isso é importante dizer. O PT ampliou as suas filiações.
JC - Em 2014, o senhor se candidatou ao Senado, atendendo a um apelo do partido. Existe disposição para voltar a disputar cargos eletivos?
Olívio - Não. Isso já está dito e várias vezes repetido para as instâncias do PT e eu entendo que o partido tem que ser uma escola política permanente. Não é só disputar eleições. Eleição é uma coisa importantíssima para um partido, evidentemente. Mas o partido tem que dizer a que veio e mostrar no cotidiano da sua existência o seu propósito, os projetos para disputar município, estado e País. E para isso precisa ter quadros que não necessariamente estejam com mandatos eletivos ou executivos. Não serei mais candidato. Mas serei sempre o militante de um projeto coletivo, solidário, que eu espero que seja retomado pelo PT. Nós temos quadros novos e temos muitos para serem instigados, provados para virem a assumir responsabilidade de candidatura, mas também para virem assumir responsabilidade no permanente aperfeiçoamento do programa.
JC - O senhor foi tema do documentário O Galo Missioneiro, que estreou recentemente. O que achou de participar e que mensagem crê que pode passar esse filme?
Olívio - Passa que a política é a construção do bem comum com o protagonismo das pessoas. Mas que é importante termos pessoas responsáveis e sérias, os representantes nos mandatos. E que a luta social é um celeiro, digamos. Um caldo de cultura importante, de onde saem muitas lideranças. Eu sou uma delas, Lula é outro, e tantos outros somos. Eu acho que é um bom documentário para sublinhar a importância do protagonismo das pessoas, da participação consciente. O documentário afirma que a política é uma questão importante e pode ser feita com alegria, inclusive. Não com ranço, com ódio. Então eu acho que por isso o documentário pode exercer um bom papel. Junto à militância não só do PT. A militância dos movimentos sociais, enfim. Ele ilustra bastante sobre o que é mesmo a política. Como as pessoas participam, como pode se fazer. Algo que realmente motive, encante e comprometa as pessoas.

Perfil

Olívio de Oliveira Dutra (PT) tem 76 anos e é natural de Bossoroca. Formado em Letras pela Ufrgs, foi bancário e iniciou sua trajetória política no sindicato da categoria na Capital (SindBancários), nas décadas de 1960 e 1970, presidindo a entidade. Nesse período, foi preso pela ditadura militar. Na redemocratização, participou da fundação do PT e disputou a primeira eleição para o governo do Estado em 1982, ficando na última colocação. Em 1986, foi eleito deputado federal e ajudou a elaborar o texto da Constituição. Em 1988, venceu a disputa pela prefeitura de Porto Alegre, iniciando, no ano seguinte, um ciclo de governos petistas que se estendeu por 16 anos. Nesse período, foi responsável pela implantação do Orçamento Participativo na capital gaúcha. Em 1994, disputou novamente uma vaga ao Piratini, sendo derrotado no segundo turno por Antonio Britto (na época, PMDB). Quatro anos mais tarde, venceu as eleições contra Britto. Em 2003, na primeira gestão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no Planalto, Olívio foi ministro das Cidades. Em 2006, voltou a disputar o Piratini, sendo derrotado por Yeda Crusius (PSDB). Em 2014, concorreu a uma vaga ao Senado, mas não foi eleito. É presidente de honra do PT gaúcho.