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Entrevista Especial

- Publicada em 10 de Junho de 2018 às 22:49

Faltam bons líderes ao Brasil, diz ex-presidente do TRE

Elaine se diz preocupada com a falta de lideranças, especialmente no futuro do governo federal

Elaine se diz preocupada com a falta de lideranças, especialmente no futuro do governo federal


FOTOS: MARCO QUINTANA/JC
A demora do governo federal para reagir à greve dos caminhoneiros reflete "uma crise séria de representatividade" na política. A avaliação é da advogada e ex-presidente do Tribunal Regional Eleitoral (TRE-RS) Elaine Harzheim Macedo. Ela compara a nova mobilização aos protestos de 2013, que acabaram sendo utilizados por correntes políticas para introduzir suas próprias pautas ao debate.
A demora do governo federal para reagir à greve dos caminhoneiros reflete "uma crise séria de representatividade" na política. A avaliação é da advogada e ex-presidente do Tribunal Regional Eleitoral (TRE-RS) Elaine Harzheim Macedo. Ela compara a nova mobilização aos protestos de 2013, que acabaram sendo utilizados por correntes políticas para introduzir suas próprias pautas ao debate.
É o caso, agora, das manifestações por intervenção militar. "Essa ideia foi uma espécie de balão de ensaio", avalia a advogada, que não acredita que esse movimento reflita a opinião do público ou das próprias Forças Armadas.
Ainda assim, Elaine se diz preocupada com a falta de lideranças, especialmente projetando o futuro do governo federal. Para ela, um dos caminhos para a mudança seria melhorar a formação do Legislativo. "Precisamos ter um Congresso - e vale para os estados - muito forte. E não ficar discutindo direita e esquerda. Vencida a eleição, esquece essa polaridade", defende.
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, a ex-presidente do TRE aponta que a recente decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de que 30% dos recursos dos partidos nas campanhas proporcionais (Legislativo) seja destinado a candidaturas do gênero feminino deve começar a ser cumprida, tendo em vista as sanções aos partidos e candidatos homens que tentarem burlar a lei.
Jornal do Comércio - Com a recente greve dos caminhoneiros, e desde o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), em 2016, emergiu a discussão sobre o sistema político do Brasil. Existem até manifestações pela intervenção militar...
Elaine Harzheim Macedo - Posso dar a minha opinião? Essa ideia da intervenção militar foi uma espécie de balão de ensaio. Isso foi jogado. O que podemos concluir é que os primeiros dias da greve dos caminhoneiros foram muito naturais. Eram grupos de caminhoneiros mesmo que estavam parados e, num primeiro momento, sequer estavam aceitando apoios políticos. Seja de A, seja de B. Houve uma movimentação popular, a exemplo do que aconteceu em 2013, quando foram para as ruas por causa das passagens de ônibus. Essa movimentação criou um impacto inesperado, e o governo não se deu conta de que, não circulando os caminhões, não circulava também o combustível. Mexeu com a energia, o negócio estoura. A energia é a mola do mundo. Seja ela qual for - no caso, a do combustível. Mas nenhum movimento, por mais natural que seja, não escapa às intervenções políticas. Os partidos políticos acabam se envolvendo, tendo uma certa intervenção, ainda que discreta, levando bandeiras. A leitura que faço, e posso estar equivocada, é que, quando começaram a surgir essas manifestações de pedir intervenção militar, eram mais motivadas por orientações políticas, como um balão de ensaio. Não acredito que o povo brasileiro, se fosse possível fazer uma enquete agora, subscrevesse isso. É manipulação política. Duvido também que as Forças Armadas queiram isso.
JC - E teria espaço para intervenção militar atualmente?
Elaine - Não. As forças militares estão mais comprometidas em preservar seus espaços e funções constitucionais. E faço uma leitura de que estão fazendo bem esse papel. Sair fora desse papel talvez seja um tiro no pé. Vivemos um momento complicado. Subiu o combustível, diesel e gasolina. E sabemos por que subiu - porque, para fins de resgatar a saúde da Petrobras, foram necessárias algumas medidas, e aí toda essa estrutura, inclusive vinculando a preço exterior. Se isso é a melhor ou a pior medida, não sei dizer, mas foi uma opção, dando inclusive uma independência para a Petrobras fixar a sua política econômica. Só que teve um baita azar, o dólar subiu junto. Sobe o dólar, sobe o combustível, e é óbvio que o povo reage, porque é direto no bolso. E não é só dos caminhoneiros, é quem vive da gasolina, dos combustíveis dos veículos que a gente usa. Então é um momento muito sensível econômico, mas acredito que não vai ter uma repercussão maior do que já teve.
JC - E politicamente?
Elaine - As coisas vão se equilibrar. Temos preocupações com o cenário político. Carecemos hoje, o povo do Brasil em geral, de lideranças positivas. Temos lideranças que podem ser apoiadas por grupos, mas, ao mesmo tempo existe, também muita rejeição. Aí se pode colocar tanto um nome de esquerda quanto um de direita, que dá no mesmo. Se quisermos usar os nomes do (ex-presidente Luiz Inácio) Lula (da Silva, PT) e do (deputado e pré-candidato à presidência Jair) Bolsonaro (PSL-RJ), vamos ver que os dois têm um alto índice de rejeição. Então, há uma carência de liderança positiva, porque muitos dos que poderiam exercer essa função estão com a sua ficha suja ou respondendo processos. E os partidos pequenos, que poderiam nos oferecer alguns nomes que viessem, digamos assim, menos contaminados, não conseguem aparecer, até porque o sistema não deixa. Me preocupa muito isso em termos de eleições do Executivo.
JC - A demora da resposta do governo a uma situação de crise, a greve, mostra falta de articulação?
Elaine - De articulação e de liderança também. Foi um enfraquecimento.
JC - Essa falta de liderança gera insegurança neste momento de pré-campanha...
Elaine - Sim, as pessoas estão sem saber em quem votar. Ouço muita gente dizendo isso, ou "o que vai acontecer se o Fulano ganhar, se o Beltrano ganhar?". Me preocupa, de certa forma. Essa coisa de salvador da pátria não existe. Atrás de uma liderança, é preciso um bom projeto de governabilidade. Não sabemos o que os candidatos querem fazer do Brasil. Parece que não querem se queimar com o povo, mas não existe opção. Se você traz um projeto a favor, vamos supor, da privatização, de um Estado menor, você vai encontrar um número de apoiadores e um número que rejeita. Se quer o contrário, ampliar o Estado, os benefícios sociais, vai encontrar gente que apoia e gente que não quer. Então tem que haver projetos sérios, não miraculosos, que prometem o que não podem (cumprir).
JC - Mas que acabam dialogando com uma parte da população que não entende...
Elaine - Que não entende, mas que acha isso simpático. O Brasil precisa dar alguns passos, tem que recuperar muita coisa. Um projeto sério de governabilidade, que seja transparente, que mostre essas coisas, e que seja divulgado por alguém que tenha liderança e que possa ser visível.
JC - Em que sentido?
Elaine - São estes três grandes aspectos: projeto de governabilidade republicano, doa a quem doer; com um líder, que possa ser convincente nas suas ações, que possa trazer essa convicção; e a visibilidade, que tenha dinheiro - porque não se faz campanha sem dinheiro -, que tenha tempo de TV, que tenha possibilidade. E aí sabemos que a visibilidade está meio comprometida.
JC - E há a preocupação no sentido de como se sustenta o País neste período até o próximo governo, com todas essas dificuldades, sem uma grande liderança? É uma crise de representatividade?
Elaine - É uma crise séria de representatividade. Não tenho dúvida nenhuma quanto a isso. Nesse sentido, não tem o que se fazer, não tem como prever. Meu foco é trabalhar, o tanto quanto possível, na escolha dos parlamentares, porque os parlamentos, as assembleias e o Congresso Nacional têm um poder muito grande de decisão. Hoje, vivemos no chamado presidencialismo de coalizão. Ou seja, o presidente - e isso é uma coisa que deveria ser reformulada, nem que seja a médio e longo prazo - fica refém do Congresso. E aqui eu não estou falando do presidente A ou B, estou falando da presidência. E isso deu margem para, também, muita troca de favores. Precisamos ter um Congresso - e vale para os estados, com as suas assembleias - muito forte, e não ficar discutindo direita e esquerda. Vencida a eleição, esquece essa polaridade, e vamos tomar decisões que sejam republicanas. Não sei se sou idealista demais...
JC - Seria no sentido de rediscutir o sistema político e voltar a pensar no parlamentarismo?
Elaine - Eu ainda não me deixei seduzir pelo parlamentarismo. Temos uma tradição, e eu gosto de manter a tradição, que é importante, porque vai se construindo, é uma referência. Não me parece que esse tipo de comportamento de confundir o público com o privado, que temos visto em grande escala, vá se resolver pelo sistema de parlamentarismo. As pessoas serão as mesmas, e o seu comportamento acabará sendo o mesmo, repercutindo-se os mesmos danos. Embora eu tenha alguma simpatia com o parlamentarismo, para o Brasil, não acredito que fosse a resposta. Podemos melhorar o nosso presidencialismo, modificando algumas práticas, a legislação. Temos países bem avançados em que o presidencialismo funciona muito bem. E temos parlamentarismos com problemas sérios. Não é por aí que eu iria. Manteria o presidencialismo, mas com algumas revisões.
JC - Como a senhora disse, fortalecendo o Legislativo com voto consciente, seria essa a ideia?
Elaine - Se eu pudesse dizer alguma coisa ao eleitor, seria o seguinte: não vote em ficha suja. Porque ficha suja já demonstrou que é sujo. Paciência. Aquele outro nunca foi condenado, pode ter só praticado. Ok, isso acontece, não vivemos no mundo da perfeição. Mas se alguém já foi condenado, já passou por todos os processos, seja ele quem for, não é mais o meu candidato. Isso vale para qualquer um. O eleitor tem responsabilidade no que está acontecendo.
JC - Recentemente, houve uma alteração de entendimento para a destinação de recursos para candidaturas de gênero. O que mudou?
Elaine - Provocado por uma consulta, o TSE entendeu que todo dinheiro que vai para a campanha, seja a integralidade do fundo de financiamento de campanha, seja o percentual retirado do fundo partidário, que cada partido vai destacar, nas proporcionais, 30% tem que ser necessariamente para as candidatas que se identificam com o gênero feminino. Do tempo de rádio e TV também. É dentro do âmbito das proporcionais - deputado estadual e de deputado federal.
JC - Alguns pré-candidatos à presidência se manifestaram contrariamente, dizendo que se trata do TSE tentando legislar sobre algo que não é de sua competência. Os partidos têm autonomia nessa decisão?
Elaine - Eles não conseguem delimitar isso. É uma consulta, não vincula nem nada, mas processos acontecerão se os partidos não cumprirem isso. E, como consequência desses processos, podem, por exemplo, não receber mais nada do fundo partidário. Ou seja, podem ter consequências econômicas. Também já se discute a anulação de eleições de homens que não tiveram número de mulheres proporcional nas candidaturas. Os partidos não podem ter só candidatos homens. É vedado pela lei. E, se tiverem 30% de mulheres laranjas, estarão fraudando a lei, e quem frauda a lei tem que sofrer as consequências. Então a proporção 30% e 70% é de parâmetros mínimo e máximo. Um partido pode apresentar 60% de homens e 40% de mulheres, ou 50-50. Matematicamente, uma mulher dá sustentação a dois candidatos. Então, se tem dois candidatos homens em um partido e a mulher é candidata laranja, a eleição desses dois é nula. Acredito que isso vá ser uma virada de mesa.
JC - Já havia contestação?
Elaine - O TSE já vinha sendo provocado desde 2010, porque essa lei de obrigatoriedade dos 30%-70% é de 2009, antes era só uma recomendação. Isso está evoluindo e agora chegou em um ponto que o TSE não teve mais como voltar atrás. Então, se o partido diz que não tem nomes, não tem competências para se candidatar. É sob essa ótica que estamos provocando o debate. É uma releitura do que já existia, colocando essas porcentagens. A grande queixa das mulheres que vão dar sustentação a duas candidaturas é de que colocam seus nomes, mas não podem fazer campanha, porque não têm dinheiro. Mas os dois homens têm. É preciso mudar essas regras, e essa leitura vai começar a ser tratada com mais rigor, mesmo que haja choradeiras. 

Perfil

Elaine Harzheim Macedo é advogada, formada pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) em 1972; especialista em Direito Processual Civil (1990) e mestre em Direito (1997) pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (Pucrs), é doutora em Direito (2003) pela Unisinos. Exerceu a magistratura como juíza de Direito nas Comarcas de Sapiranga, Guaíba, Viamão e Porto Alegre, entre 1980 e 1997, e como desembargadora na 17ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul entre 1998 e 2014. Presidiu o Tribunal Regional Eleitoral (TRE-RS) no biênio 2013/2014, onde também atuou como corregedora regional e ouvidora eleitoral. É membro-fundador do Instituto Gaúcho de Direito Eleitoral (Igade). É professora catedrática adjunta e permanente da Pucrs, professora palestrante da Escola Superior de Magistratura da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul (Ajuris) e membro do Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul. Atua na área de Direito com ênfase em Direito Processual Civil e Direito Civil, Jurisdição Constitucional e Direito Eleitoral.