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Opinião

- Publicada em 01 de Abril de 2019 às 03:00

A epidemia de narcisismo

Montserrat Martins
Décadas atrás, atendi uma senhora, deprimida, que não sabia dizer quais eram suas preferências pessoais, tudo que fazia era pela família, pelo marido e pelo filho. Propus um exercício que ela deveria fazer até a próxima sessão: imaginar-se na "Ilha da Fantasia", onde seus desejos seriam realizados, contando-me, depois, que desejos foram esses. Na sessão seguinte, a paciente abriu o assunto assim: "Doutor, acho que o senhor não vai gostar... Eu fiz o exercício que o senhor pediu, fui para a Ilha da Fantasia, mas levei o meu marido e o meu filho".
Décadas atrás, atendi uma senhora, deprimida, que não sabia dizer quais eram suas preferências pessoais, tudo que fazia era pela família, pelo marido e pelo filho. Propus um exercício que ela deveria fazer até a próxima sessão: imaginar-se na "Ilha da Fantasia", onde seus desejos seriam realizados, contando-me, depois, que desejos foram esses. Na sessão seguinte, a paciente abriu o assunto assim: "Doutor, acho que o senhor não vai gostar... Eu fiz o exercício que o senhor pediu, fui para a Ilha da Fantasia, mas levei o meu marido e o meu filho".
Lembrei dessa história agora, como sinal dos tempos. Hoje em dia, ao contrário, o problema não é perder a identidade por abrir mão do próprio ego, mas o extremo oposto, a inflação dos egos. Virou moda dizer que vivemos em uma "epidemia de narcisismo", para descrever o individualismo, o egoísmo e a indiferença no comportamento social predominante. O que se valoriza, hoje, é a liberdade, a autoestima, o direito ao prazer sem culpas, o "é proibido proibir". "Vivemos a morte de uma Era e a Era seguinte ainda não nasceu", disse o psicólogo Rollo May em seu livro "A coragem de criar", expressando o vazio de valores morais que o descrédito nos padrões do passado deixou. Vivemos uma época de experimentação sem limites, na qual todos se comunicam com todos e ninguém ouve ninguém, é a "Era líquida", como diagnosticou Bauman. Usamos e somos usados, uns aos outros, como objetos para fins momentâneos.
Os relacionamentos parecem produtos de uma prateleira de supermercado, que olhamos, largamos de volta, ou botamos no carrinho para levar para casa e descartar depois. Isso ocorre com amores, amizades e outras formas de parcerias sociais. Somos narcisos experimentando "quem completa melhor minha beleza?". Se voltar ao passado não é uma solução, aprender a diferença entre individualismo e individualidade talvez seja o primeiro passo para um rumo mais sadio.
Psiquiatra, autor de "Em busca da alma do Brasil"
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