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Internacional

- Publicada em 01 de Novembro de 2020 às 22:16

10 perguntas e as respostas que ajudam a desvendar a China em 2020

Mutações chinesas: das dinastias à República Popular, de 1,4 bilhão de pessoas à revolução digital

Mutações chinesas: das dinastias à República Popular, de 1,4 bilhão de pessoas à revolução digital


MONTAGEM COM FOTOS PATRÍCIA COMUNELLO/ESPECIAL/GREG BAKER/AFP/JC
Patrícia Comunello
Pandemia, vacina contra a Covid-19, pagamentos por aplicativo, trem-bala, Tik Tok, comunismo com economia de mercado, investimento público e privado, controle das redes sociais e como o samba conquistou o criador do rock chinês. Tudo isso é China, maior cliente comercial do Brasil no mundo. 
Pandemia, vacina contra a Covid-19, pagamentos por aplicativo, trem-bala, Tik Tok, comunismo com economia de mercado, investimento público e privado, controle das redes sociais e como o samba conquistou o criador do rock chinês. Tudo isso é China, maior cliente comercial do Brasil no mundo. 
Para entender um pouco a segunda economia do planeta, a reportagem do Jornal do Comércio fez 10 perguntas, cujas respostas são apresentadas a seguir pela jornalista e mestre em Economia na Unisinos sobre Brasil e o gigante asiático, a fundadora do site Radar China Janaína Câmara da Silveira, que morou e trabalhou no país entre 2007 e 2013. 
Em novembro, o Radar China apresenta duas séries de conteúdos para aprofundar o conhecimento sobre a cultura, política, transformações sociais e econômicas e a explosão digital e seus impactos para 1,4 bilhão de habitantes.  
Nos dias 3, 5, 10 e 12, o conteúdo terá China antiga, Império do Meio e República da China, com a economista e professora Paula Carvalho. Já em 16, 18, 23 e 25, Janaína apresenta a fase contemporânea, com a República Popular, mudanças a partir de 2000 e a China digital. As sessões vão das 19h às 20h30min. Para se inscrever e assistir pelo Zoom, basta entrar em contato pelo [email protected].          
Jornal do Comércio - Por que a China provoca tanto interesse nos brasileiros ou deveria provocar?
Janaína Câmara da Silveira - A China é o maior parceiro comercial do Brasil desde 2009, além disso, tem estado cada vez mais no noticiário internacional devido à guerra comercial com os Estados Unidos, iniciada em 2018. Neste ano, o país também ganhou as manchetes devido ao surgimento da epidemia do novo coronavírus em Wuhan. Entender este país e seu papel no mundo é fundamental. Ele é continental e complexo, com desigualdades sociais e regionais. Há muitos brasileiros que já abandonaram a ideia dos produtos xing ling, por exemplo, e olham para o país como um agente importante em tecnologia e economia digital, rivalizando com o Vale do Silício. Nosso e-commerce tem aprendido bastante com a China agora nestes tempos, por exemplo. Entender como esta sociedade chegou a este ponto de desenvolvimento é essencial para sabermos com quem estamos falando e também para nos inspirarmos. Não é para adotar modelos chineses aqui, temos estruturas sociais e políticas muito diferentes. Mas podemos olhar para a criatividade chinesa em diversos setores, sim. Muitos dos desafios deles são semelhantes aos nossos.
JC - Dá para entender a China - que já foi a maior potência do planeta - olhando só os últimos 100 anos?
Janaína - Com certeza, não. Mas pensamos num curso de quatro aulas. É preciso um recorte, né? E ainda assim, mesmo que seja um recorte de cem anos, ele não abrange toda a complexidade chinesa. Mas é um guia. Tendo a acreditar que olhamos para a China imperial com uma espécie de mística e curiosidade. E depois analisamos a China a partir da chegada dos comunistas, em 1949. Como se o modelo atual fosse resultado da república fundada por Mao Zedong. Não é assim, e o recorte deste curso começa justamente com a república, que foi fundada em 1911, porque é ela que dá fim a 2 mil anos de dinastias soberanas, monarquias locais, sinalizando que o país buscava modernização em sua governança. Claro, as primeiras décadas foram de pura turbulência, com guerra civil e guerra antijaponesa, além da convivência com nações estrangeiras que tinham ganhado, por meio de guerras e tratados, portos e até partes de cidades chinesas sob sua jurisdição. Este contexto é pouco explorado aqui e o curso busca dar luz a estes acontecimentos. O foco maior, claro, é na China comunista, ela mesma tão diversa em sete décadas de história até agora.
JC - Que curiosidades da vida na China vocês trazem no curso?
Janaína - Tem muita coisa. A Shanghai vibrante dos anos 1930 é uma delícia de ser estudada. A atração que tinha para artistas, jornalistas, intelectuais ocidentais e asiáticos, principalmente chineses, claro. A gente também vai ver o surgimento do rock chinês e como o pai deste gênero na China se apaixonou pelo samba. É uma história bacana. Tem também dicas de filmes e análises que aproximam mesmo quem nunca foi à China desta sociedade tão fascinante e diversa.
JC - Muita gente não entende como um país comunista pode ser a segunda economia do planeta - o que explica isso?
Janaína - Planejamento, estratégia e um povo que gosta de estudar, trabalhar e de aprender. Além disso, a China busca eficiência nas suas esferas de governo e em suas estatais, além de estimular a competição entre províncias e cidades. As soluções locais muitas vezes impulsionam mudanças. Também há um amplo espaço para iniciativa privada e para empreendedores que, num país de 1,4 bilhão de pessoas, aprende muito rápido o que é competição. Comunismo e capitalismo não prescindem de mercado. Isso é algo que causa muita confusão.
JC - O que a olimpíada significou na forma como a China queria ser vista?
Janaína - A cobertura olímpica mostrou uma China aberta, moderna, com uma população pronta para ganhar o mundo. Mudou um pouco esta percepção de país rural, atrasado, sem tecnologia. Foi interessante, pois as mudanças eram muito rápidas e visíveis.
JC - A gente vai ter agora o PIX no Brasil. Como são os meios de pagamento na China?
Janaína - A China tem pagamento digital desde 2014. Começou por meio de aplicativos de mensagem e de compras on-line que implantaram carteiras digitais e garantiam os pagamentos por meio de códigos bidimensionais, os QR Codes, que são uma criação japonesa dos anos de 1990. Com uma regulação fraca e uma cobertura de internet que já chegava a mais de 700 milhões de pessoas na época (hoje mais de 900 milhões), o sistema ganhou impulsão e trouxe muita gente que não tinha conta em banco ou cartão de crédito ou débito para o sistema financeiro. Isso deu início a uma verdadeira revolução, com muito serviço indo além do pagamento, garantindo financiamento coletivo e empréstimos ou microcrédito a diversas famílias e micro e pequenas empresas desassistidas até então pelo sistema financeiro tradicional. Vamos ver como as coisas andam aqui. Mas vejo o microempreendedor que tem um pequeno negócio de vendas na vizinhança que vai poder agora oferecer outros meios de pagamento e, assim, facilitar e impulsionar seu negócio. Certamente, com o PIX e outras fintechs, podem surgir criativamente novos negócios que garantam soluções de créditos para quem hoje é desassistido. Fundamental em tempos de crise, né?
JC - Os chineses amam vídeo. O Tik Tok é um fenômeno, tanto que o presidente dos EUA, Donald Trump tentou barrar. O que explica isso?
Janaína - Os chineses hoje são muito digitais. Em parte, isso é explicado por ampla cobertura da rede, por smartphones baratos e poderosos e por que os chineses, em sua maioria, migraram do mundo off-line para o mobile, sem, sequer, terem passado por pagers e telefones fixos. Eles adoram estar conectados e confiam nas empresas digitais para tudo, do entretenimento ao sistema financeiro. Sobre Trump, a China tem escalado muito rápido a ladeira tecnológica. As bravatas contra as empresas chinesas do setor, em quaisquer que sejam suas aplicações, parecem muito um movimento para que a China não assuma a liderança na fronteira tecnológica.
JC - O que é mais impactante na China hoje em tecnologia e nas transformações que estão fazendo?
Janaína - A rapidez de ajuste e implantação. Eles são muito pragmáticos. Gosto muito de pensar nas linhas de trem rápido, que tinham extensão de 70 quilômetros em 2007 e hoje somam 36 mil quilômetros. É a maior do mundo. Este negócio não é trivial: permite que as pessoas se desloquem com facilidade para fazer negócios, para estudar, para lazer. Gira a economia ligando pessoas, negócios e produtos de um jeito inacreditável. Pouca gente está isolada na China hoje. O poder da logística, inclusive a de passageiros, é algo para que a gente poderia olhar melhor e se inspirar. Estar ligado de forma mais rápida e mais barata a grandes centros urbanos, onde normalmente há mais oportunidade de estudo e emprego. promove desenvolvimento.
JC - Como a pandemia afetou o futuro da China ou a possibilidade de termos uma das primeiras vacinas justamente do país diz muito sobre as lições da crise?
Janaína - Com certeza. A China implementou diversas soluções para smart cities (cidades inteligentes) de uma maneira muito rápida na pandemia. Usou robôs e automatização de sistemas para fazer uma ótima gestão da crise sanitária e de sua população. Em três dias, depois de o governo ter anunciado que havia possibilidade de transmissão do novo coronavírus entre pessoas, o que aconteceu em 20 de janeiro, a BGI, uma das principais empresas de sequenciamento genético da China, conseguiu erguer um laboratório de campanha em Wuhan para processar centenas e em seguida milhares de testes de detecção do Sars-Cov2. Tem muito estudo e investimento nestas áreas. As empresas que estão desenvolvendo a vacina estão neste ecossistema. Eu havia falado que há planejamento. Em 2015, a China lançou o plano Made in China 2025, em que prevê 10 setores para ampliar tecnologia e diminuir a dependência ao exterior em insumos. Biomedicina está ali e já vinha sendo um setor prioritário no país.
JC - Há restrições para uso de aplicativos de busca como Google na China. Também conteúdos que vão ao ar como novelas passam por comitê de avaliação e censura. Como entender estas situações para quem não vive na China ou não é chinês?
Janaína - A China regula todo o fluxo de informações pelas redes formais de difusão, sejam estas on-line ou off-line. É difícil de entender e de concordar, inclusive. Gosto de pensar que muitos chineses são criativos e encontram diversas maneiras de expressarem o que sentem. Em contrapartida, é um ambiente menos pesado. No Brasil, somos vítimas de fake news, e as pessoas confundem difusão de informação falsa, calúnia e mensagem de ódio com liberdade de expressão. Infelizmente, só consigo pensar que as sociedades como um todo carecem de equilíbrio.
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