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Venezuela

- Publicada em 12 de Agosto de 2020 às 20:35

Pandemia se agrava na Venezuela e ameaça profissionais de saúde

Médicos afirmam que curva está subindo em um volume muito maior do que mostram os dados oficiais

Médicos afirmam que curva está subindo em um volume muito maior do que mostram os dados oficiais


FEDERICO PARRA/AFP/JC
Próxima à fronteira com a Colômbia, a cidade de Maracaibo, na Venezuela, é uma das mais castigadas pela pandemia do coronavírus. Com mais de 90% dos leitos de UTI ocupados, a capital do estado de Zulia vê tanto a população de 1,6 milhão de habitantes quanto os profissionais de saúde serem atingidos pela Covid-19.
Próxima à fronteira com a Colômbia, a cidade de Maracaibo, na Venezuela, é uma das mais castigadas pela pandemia do coronavírus. Com mais de 90% dos leitos de UTI ocupados, a capital do estado de Zulia vê tanto a população de 1,6 milhão de habitantes quanto os profissionais de saúde serem atingidos pela Covid-19.
"Nós simplesmente não estamos dando conta, e nossos colegas estão morrendo", diz à reportagem a médica Dianela Parra, que integra a ONG Colegio de Medicos. A associação registrou nos últimos dias as mortes de três profissionais, que se somam a outras seis vítimas entre trabalhadores de saúde desde o início da crise. Cinquenta médicos e enfermeiros já foram infectados.
Os números do governo chavista apontam que o país contabiliza 26,8 mil casos e 229 mortes, e o estado Zulia, com 3.674 contaminações e 57 óbitos, é a segunda região mais atingida, atrás da área metropolitana de Caracas, com 5.015 casos e 40 mortos. Os primeiros casos foram confirmados no país em 13 de março.
Com os dados oficiais, Zulia soma 15 mortes por milhão de habitantes - na Venezuela toda, são 8 por milhão. O Brasil, o segundo país mais afetado pela pandemia no mundo, registra 484 mortes por milhão de pessoas.
Médicos independentes concordam que Maracaibo e a capital são as mais afetadas, mas contestam as cifras. "Calculamos que a curva está subindo em um volume muito maior do que mostram os dados oficiais", afirma o infectologista Julio Castro Méndez, com base em informações de colegas, relatos e fotos.
Ele chefia a associação Medicos Por la Salud, criada em 2014, quando o governo de Nicolás Maduro parou de divulgar informações epidemiológicas. O grupo mantém estimativas e informações sanitárias no site https://www.encuestanacionaldehospitales.com/.
A desconfiança com os dados fez com que a ONG Human Rights Watch (HRW) e a Universidade Johns Hopkins publicassem um comunicado conjunto pedindo transparência ao governo venezuelano sobre os dados da doença e a entrada de ajuda humanitária nas zonas mais afetadas.
O texto afirma que "o número de infectados seguramente é muito maior do que as cifras divulgadas pelo governo devido à escassa disponibilidade de testes confiáveis, falta total de transparência e perseguição a profissionais da saúde e jornalistas que questionem a versão oficial". Em abril, Maduro fez um apelo à oposição por um cessar-fogo para a um "acordo humanitário" com o objetivo de facilitar os esforços de combate ao novo coronavírus.
Em Maracaibo, explica Castro Méndez, "quase não há como diagnosticar a doença, porque os únicos laboratórios que fazem o teste de detecção do vírus estão em Caracas". "É preciso enviar as amostras para a capital, e muitas se perdem no caminho. Além disso, há muita gente morrendo em casa ou nos hospitais por questões respiratórias sem que se saiba a razão. Elas tampouco são testadas. Acreditamos que seja devido ao vírus, que está atacando de forma exponencial."
De acordo com relatos à HRW de profissionais de saúde que não quiseram se identificar, a situação em centros médicos de Maracaibo, como o Hospital Universitário, já passou do limite. Além da falta de leitos de UTI e de ar-condicionado nos locais, eles relatam que o suprimento de água é intermitente e que profissionais e pacientes são obrigados a levar lençóis, máscaras, luvas e comida, porque esses itens inexistem nos centros médicos.
O fato de enfermeiros terem de comprar o próprio material de proteção é agravado pela média dos salários desses profissionais em Zulia: US$ 6 (R$ 32,00) por mês, enquanto uma máscara para evitar o contágio custa US$ 1. Assim, diz a parlamentar de Maracaibo Nora Bracho, membro da Assembleia Nacional e do partido Un Nuevo Tiempo, enfermeiros e médicos vêm se demitindo em grande número por medo de contaminação.

Mercado de Las Pulgas foi um dos focos de transmissão em Maracaibo

A Venezuela tem tido uma curva mais lenta de infecções em relação a outros países da região, o que seria explicado pelo isolamento do país, mergulhado em crises política e humanitária. O governo, por sua vez, afirma que Maracaibo é muito afetada porque está localizada em uma região onde se concentram refugiados que retornaram da Colômbia, trazendo o vírus para a Venezuela. "Isso pode ser uma parte do problema, mas não é uma justificativa", diz Castro Méndez. "O governo tem sucateado a rede hospitalar do país há anos."
Zulia, no passado um dos estados mais ricos do país devido à exploração de petróleo, também enfrenta falta de água, luz e gasolina, principalmente desde o ano passado.
Um dos locais em Maracaibo apontados como foco das transmissões é Las Pulgas, mercado a céu aberto que oferece tanto produtos alimentícios legais quanto material contrabandeado vindo da Colômbia.
As primeiras infecções da região foram identificadas em pessoas que estiveram no local, um espaço de 37 mil metros quadrados e frequentado por milhares todos os dias. Agora, o mercado está controlado pelo Exército, e apenas produtos essenciais, distribuídos por oficiais, têm autorização para serem comercializados. Medidas sanitárias, como obrigatoriedade do uso de máscaras e distanciamento social, também foram impostas.
Segundo Castro Méndez, a dura quarentena determinada pelo governo e vigiada pela Guarda Nacional Bolivariana e pela Força de Ações Especiais (Faes) não resolve o problema. "A patrulha está sendo usada mais com fins políticos e de encobrimento das informações da doença do que para conter a mobilidade das pessoas. Estimamos que a adesão à quarentena, de fato, não chega a 50%, uma vez que os trabalhadores informais têm de sair às ruas para trabalhar, e então são infectados."