Neste exato momento, há 3.720 ogivas nucleares prontas para emprego no mundo, 1.800 delas em alerta máximo, podendo ser disparadas em questão de minutos. Há 75 anos, o primeiro dos dois únicos artefatos usados numa guerra explodiu sobre Hiroshima, um vibrante porto no sul do Japão. A cidade foi destruída, e por volta de 40% dos seus 350 mil habitantes morreram, metade incinerada imediatamente.
O ataque ocorreu no dia 6 de agosto de 1945. Três dias depois, uma segunda explosão, sobre Nagasaki, ajudaria a selar o fim da Segunda Guerra Mundial.
A "Little Boy", menininho em inglês, era uma bomba tosca em seu desenho. O modelo usado em Nagasaki ("Fat Man", homem gordo) ter inaugurado a Era Atômica num teste feito nos EUA 21 dias antes do primeiro ataque.
O plano original, desenhado pelo Comitê de Alvo do comando militar norte-americano em maio de 1945, apontava Kyoto como alvo. A antiga capital japonesa, cidade milenar coalhada de templos, havia sido designada para o primeiro ataque por seu peso simbólico.
Entretanto, o secretário da Guerra, Henry Stimson convenceu o presidente Harry Truman de que seria mais difícil trabalhar com os japoneses no pós-guerra se tal ícone fosse vaporizado. Assim, sobrou para Hiroshima. Nagasaki também não era o primeiro alvo. Um ataque com bombas incendiárias a Yahata cobriu de fumaça a região de Kokura, o alvo inicial.
Os números são imprecisos, mas nos dois bombardeios morreram em torno de 200 mil pessoas. Sob critérios atuais, das Convenções de Genebra de 1949 e de seus protocolos adicionais de 1977, as explosões foram crimes de guerra.
Elas feriram os três princípios da lei atual, que não existia na Segunda Guerra Mundial (1939-45). Primeiro, o de distinguir alvos militares para não atacar civis. Segundo, o da proporcionalidade ao considerar mortes de civis de forma colateral. Terceiro, o da precaução, visando evitar tais vítimas.
Os norte-americanos até tentaram disfarçar, com Truman chamando Hiroshima de "base militar". O fato é que as fábricas de munição e unidades militares locais ficavam na periferia da cidade, que teve seu centro como marco zero da bomba. É lá que ainda hoje é visível o resquício público do ataque, a icônica estrutura do domo de ferro destruído de um antigo centro de exposições. Dos mortos nos dois ataques, apenas cerca de 10% eram militares.
Um argumento dos defensores da ação é de que quase 1 milhão de vidas de soldados norte-americanos e talvez até 10 milhões de japonesas foram salvas ao evitar uma invasão do arquipélago nipônico. A explicação, porém, soa falaciosa por não haver aferição possível. Além disso, há elementos de sobra, nos arquivos de Washington, acerca da intenção de maximizar o impacto psicológico da bomba.
Guerra Fria gerou corrida armamentista
O mundo mudou após as bombas, assim como a forma de se ver a guerra. A bomba atômica evoluiu para a de hidrogênio, exponencialmente mais potente. O maior teste nuclear da história, feito pelos soviéticos em 1961, liberou a energia de 6.600 armas de Hiroshima.
Durante a Guerra Fria, em que Moscou disputou a primazia mundial com Washington, o terror nuclear estabeleceu os limites das guerras. No fim dos anos 1980, o mundo acumulava 70 mil bombas.
O risco de um confronto segue mais alto do que o fim da Guerra Fria sugere. Para piorar, o controle de armas está por um fio. O governo de Donald Trump deixou dois acordos dos tempos dos soviéticos e trabalha para deixar caducar o principal deles. O Novo Start é o último tratado de armas estratégicas em vigor e vai expirar em 5 de fevereiro de 2021. Os rivais somam mais de 90% das bombas existentes.
No resto do mundo, a situação não é melhor. A pressão da versão 2.0 da Guerra Fria sobre os chineses tem levado a pedidos nacionalistas para aumentar o inventário de 320 bombas para níveis norte-americanos e russos (1.750 e 1.520 ogivas operacionais, respectivamente).
Paquistão e Índia seguem sendo rivais figadais, e cada um tem cerca de 150 ogivas. França (280 bombas) e Reino Unido (120) mantêm cada um ao menos um submarino com mísseis pronto no mar o tempo todo. A Coreia do Norte não tem seu programa sob controle e acumula talvez 35 bombas, e Israel mal disfarça seu arsenal de 80 armas.