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América Latina

- Publicada em 04 de Maio de 2020 às 16:30

Coronavírus pode gerar 29 milhões de novos pobres na América Latina

Em Guayaquil, imagens de corpos deixados por dias nas ruas correram o mundo

Em Guayaquil, imagens de corpos deixados por dias nas ruas correram o mundo


RODRIGO BUENDIA/AFP/JC
O vírus chegou primeiro ao Brasil. Ao menos oficialmente. O primeiro caso de Covid-19 na América Latina surgiu no dia 26 de fevereiro, em São Paulo. Dois dias depois, outro caso foi confirmado na Cidade do México.
O vírus chegou primeiro ao Brasil. Ao menos oficialmente. O primeiro caso de Covid-19 na América Latina surgiu no dia 26 de fevereiro, em São Paulo. Dois dias depois, outro caso foi confirmado na Cidade do México.
De cara, a pandemia entrou pela porta da frente, nas principais cidades das duas maiores economias da região. Em pouco mais de dois meses, já infectou 260 mil pessoas e matou mais de 14 mil na América Latina.
As cifras, no entanto, podem ser muito maiores, uma vez que é grande a possibilidade de subnotificação, seja pela incapacidade de realizar testes em massa, seja pela falta de transparência de alguns governos.
O coronavírus ganhou contornos particulares na América Latina. Trata-se de uma região muito populosa, com mais de 613 milhões de habitantes, e formada por países que, em sua maioria, tem a desigualdade social como característica histórica.
Assim, onde 53% do mercado de trabalho é composto por informais, segundo a Organização Internacional do Trabalho, e os sistemas de saúde são menos preparados que os da Europa e dos EUA, os impactos econômicos e sanitários da Covid-19 são ainda maiores.
A Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) apresentou em abril uma projeção pessimista para a América Latina, na qual haveria encolhimento de 5,3% do PIB regional em 2020. Seria o pior desempenho da história da região, cuja queda mais expressiva neste índice foi em 1930, durante a Grande Depressão, quando houve encolhimento de 5%.
"E a consequência mais grave será o aumento da pobreza. A queda do PIB vai empurrar quase 29 milhões de latino-americanos para a pobreza", diz Alicia Bárcena, secretária-executiva da Cepal.
O vírus também encontrou uma América Latina com raiva e grandes polarizações políticas. Em 2019, levantes populares em Equador, Bolívia e Chile levaram latino-americanos às ruas contra o agravamento de crises econômicas, acusações de fraude eleitoral e as tais desigualdades históricas. Passada a crise do coronavírus, é grande a chance de as demandas sociais voltarem com ainda mais força.
No Brasil, o vírus complicou um já tumultuado governo Jair Bolsonaro. Negacionista como o ditador Daniel Ortega, da Nicarágua, o presidente brasileiro tem causado repulsa na comunidade internacional ao minimizar os riscos da doença.
O símbolo do horror que a Covid-19 pode causar, porém, foi revelado antes em outro país, o Equador. Na metrópole litorânea de Guayaquil, coração econômico do país e porto histórico da região, o coronavírus se materializou nas imagens de corpos deixados por dias nas ruas ou dentro de casas, até que as autoridades sanitárias conseguissem recolhê-los.
O governo determinou medidas de restrição, entre as quais a quarentena e o toque de recolher, mas elas foram de difícil implementação. Assim, quando a força-tarefa enviada pelo governo nacional chegou a Guayaquil, já era tarde demais. Além de atabalhoado, o trabalho do Exército foi confuso, sem registrar corretamente onde cada corpo foi enterrado e, em alguns casos, embaralhando a identificação dos cadáveres.
Já no país que vive a maior crise humanitária da região, a Venezuela, os números de infectados (345) e mortos (10) divulgados pelo governo são baixos. Médicos independentes, entretanto, desconfiam dos dados e afirmam que a pandemia ainda não ganhou força no país.
Se um aumento grande acontecer, porém, alertam para a situação do sistema de saúde. Organismos internacionais, como a ONG Human Rights Watch, afirmam que os hospitais não têm equipamentos nem recursos para enfrentar a pandemia. Em alguns faltam luz e água.

No pós-coronavírus, tensão tende a aumentar em Chile, Bolívia e Equador

Há muita preocupação, também, com o pós-coronavírus. Para o analista político Juan Gabriel Tokatlian, é preciso observar o que vai acontecer nos países que já tiveram uma explosão social antes. "A pandemia é um hiato. Quando ela passar, os problemas de antes ressurgirão, potencializados pela crise econômica que a doença causará", ressalta.
Neste cenário, ele aponta Chile, Bolívia e Equador como países em que a tensão social tende a aumentar. "O Chile vinha de uma série de manifestações, e a esperança era que o plebiscito constitucional marcado para abril apaziguasse o país. A votação foi postergada, portanto o impasse permanece. As pessoas saíram das ruas não porque deixaram de estar insatisfeitas com (o presidente Sebastián) Piñera, mas por medo da doença."
Na Bolívia, há inquietação devido ao adiamento das eleições presidenciais, marcadas inicialmente para 3 de maio e postergadas pelo governo interino - e contestado - de Jeanine Añez. A oposição no Congresso, composta principalmente pelo Movimento ao Socialismo (MAS), partido do ex-presidente Evo Morales, não aceita uma nova votação apenas em outubro, como propôs Jeanine. Na sexta-feira, a Casa aprovou uma lei que determina a realização de eleições gerais em até 90 dias, prazo que vencerá no início de agosto.
Desde a renúncia de Evo, em novembro, a Bolívia vive clima de enfrentamento e violência nas ruas. A pandemia fez com que os protestos se acalmassem, mas há denúncias da oposição de que Jeanine tem aproveitado a pandemia para militarizar ainda mais o país.
Já no Equador, existia um clima de suspense desde que o governo cedeu a atos nas ruas e recuou da alta na gasolina. "Mas essa história ficou sem conclusão. O presidente Lenín Moreno ainda tem de encontrar um modo de satisfazer o Fundo Monetário Internacional (FMI), que lhe emprestou dinheiro, sem causar a fúria das comunidades indígenas", avalia Tokatlian.
"A isso se somará o saldo da crise sanitária. Moreno sairá muito desgastado, pois as imagens de Guayaquil viajaram o mundo, e ficou marcado que, em parte, ocorreram por conta da negligência dele."
Na Argentina, em quarentena obrigatória nacional desde 18 de março, há uma sensação, por ora, de que a crise sanitária está ao menos contida.
O presidente Alberto Fernández enfrenta pedidos diários de empresários para reabrir o país, porém, mantém-se firme ao impor restrições. Só que a economia, que já não ia bem, deve sofrer forte abalo quando acabar a pandemia.
O país tem adiado o pagamento de dívidas, além de imprimir dinheiro para alimentar planos de assistência aos mais pobres. Em meio aos problemas, o presidente argentino tem 70% de aprovação popular, segundo o instituto Poliarquia. "Fernández tem tudo para se sair bem da crise sanitária, mas a Argentina estará muito endividada e com risco de entrar num período de hiperinflação, por conta da emissão monetária", diz Tokatlian.

Projeções para a região

11,5%
seria a taxa de desemprego em 2020, aumento de 3,4 pontos percentuais em relação a 2019
37,7 milhões
seria o número de pessoas desempregadas na América Latina
4,4
pontos percentuais seria o crescimento da taxa de pobreza, chegando a 34,7%, ou seja, mais 29 milhões de pessoas em situação de pobreza
16 milhões
de pessoas seriam incluídas na condição de extrema pobreza
Fonte: projeções da Cepal