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urbanismo

- Publicada em 06 de Maio de 2022 às 11:35

Melo reacende debate sobre cercamento de parques em Porto Alegre

Parcão pode ser um bom experimento, mas a intenção do prefeito é debater as 700 áreas públicas

Parcão pode ser um bom experimento, mas a intenção do prefeito é debater as 700 áreas públicas


ANDRESSA PUFAL/JC
O cercamento de parques públicos é um tema polêmico — e o prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo, está dando os primeiros passos para iniciar esse diálogo com a população.
O cercamento de parques públicos é um tema polêmico — e o prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo, está dando os primeiros passos para iniciar esse diálogo com a população.
A capital gaúcha conta com 700 espaços públicos, segundo a prefeitura. Alguns deles são cercados, como o Parque Germânia, no bairro Jardim Europa, e a Praça Shiga, na Vila IAPI. Eventualmente, ao longo de diferentes mandatos, discussões sobre cercar parques e praças abertas com o objetivo de reforçar a segurança ressurgem, mas ainda não levaram a um consenso.
Nesta semana, a pauta tem ganhado espaço na imprensa local, liderada pelo gestor porto-alegrense. Motivado pela nova onda de furtos e vandalismo na cidade, Melo quer saber o que os usuários de cada espaço pensam sobre a possibilidade.
"Eu quis provocar este debate porque acho ele absolutamente necessário", afirma Melo, em entrevista ao Jornal do Comércio. "Estamos vivendo tempos desafiadores nos espaços públicos — a depredação dos monumentos, furtos de cabos de alumínio, de fios, parques escuros, ausência de segurança. Os parques estão abertos, mas fechados para boa parte da população, que não tem coragem de botar o pé lá quando começa a escurecer".
A fala de Melo destaca crimes relacionados ao vandalismo e ao furto de cabos registrados pela prefeitura de Porto Alegre. Segundo o município, pelo menos 1,2 mil metros de cabos foram furtados na capital entre janeiro e abril deste ano. 
Com a intenção de promover uma discussão despolitizada sobre o cercamento, Melo ressalta que a intenção não é chegar a uma conclusão geral a todos os parques e praças. É, portanto, analisar e discutir caso a caso, envolvendo toda a comunidade local, bem como especialistas no tema.
“O que não vamos fazer é ‘grenalizar’ o debate. Acho que a discussão tem que acontecer sem raivosidade. Argumentos urbanísticos, a segurança pública, uso do espaço público e boa convivência humana — são esses pressupostos que têm que nortear o debate”, destaca o prefeito.
Segundo Melo, ainda não há um projeto consolidado para cercar espaços. A gestão municipal debate, por outro lado, a concessão de parques e praças à iniciativa privada.
“Existe uma discussão dentro do governo sobre possíveis concessões de parques. Incipiente debate, não conclusivo — mas existe esse debate, sim. É uma provocação, para ver se a gente constrói alguns consensos mínimos", diz Melo.
De quarta (4) até esta sexta-feira (6), o prefeito esteve envolvido com a primeira edição brasileira e latino-americana do South Summit, um dos mais importantes eventos globais do ecossistema de inovação e empreendedorismo, que é sediada no Cais Mauá. Depois, segundo Melo, o roteiro passa pela Câmara dos Vereadores para ouvir opiniões. Dependendo do desfecho, o prefeito pretende propor a realização de audiências públicas tanto na prefeitura como no Legislativo.
“As audiências públicas podem ser presenciais, mistas ou até por Zoom. A ideia é que a população compartilhe suas motivações, não apenas ‘sim’ ou ‘não’", diz o prefeito.
Desde 2021, por decisão da Câmara Municipal, não é mais exigido um plebiscito para o cercamento de parques e praças na capital gaúcha. Ainda assim, para um projeto ter continuidade, é necessária a aprovação dos conselhos municipais do Plano Diretor e do Meio Ambiente.

As particularidades da Redenção

Este ano marca o 250º aniversário de Porto Alegre - também, a Redenção completa seus 215 anos no dia 24 de outubro. Quando se fala de cercamento, o Parque Farroupilha é uma discussão à parte.
O prefeito da Redenção e um dos fundadores do conselho de usuários do parque, Roberto Jakubaszko, afirma que ele, assim como a comunidade do entorno, não é favorável à instalação de grades ou muros no local.
"Boa parte dos parques grandes do mundo estão ao lado do mar ou de algum rio. A Redenção está mais centralizada, com nove bairros no entorno. Ela foi planejada para ser um parque aberto, e esse é o grande problema", relata. "O parque, hoje, é tão vivo, que tem uma universidade federal dentro dele, um templo da cultura, que é o Araújo Vianna, uma escola militar, um pronto socorro, duas igrejas e, até mesmo, o único templo do Positivismo em pé no mundo. Então, quando falamos de cercar a Redenção, para mim, significa cercar tudo isso. E isso é impossível".
Jakubaszko ressalta como um dos principais impasses o impacto que o cercamento teria na mobilidade local.
"O traçado geográfico do parque tem dois eixos centrais: um que vai do Monumento ao Expedicionário até a reitoria da Ufrgs e outro que vai do Araújo Vianna até o grande lago. Ou seja, quem sai da avenida João Pessoa para chegar à Osvaldo Aranha, atravessa a Redenção. Se fosse cercada, seria necessário fazer um contorno pela Santa Casa ou até a avenida Venâncio Aires para isso", explica.
"Do jeito que está, não dá para ficar", ressalta Melo. "Hoje, o parque está aberto, mas está 'cercado' para milhares de pessoas a partir das 19h. Não tem cerca, mas ele está fechado — eu pergunto: alguém tem coragem de atravessar a Redenção de noite? Não tem, né. Então, ok, ele está aberto, mas alguém usa ele? Com raras exceções, pois ali tem academia e campo de futebol, por exemplo. Eu falo sobre o parque como um todo".
Jakubaszko, contudo, diz que há, sim, quem use a Redenção no período noturno. "Muitos tem insônia à noite e vão correr. Além disso, Porto Alegre é uma metrópole, e uma coisa que caracteriza as metrópoles é que 25% da população trabalha em turno inverso, ou seja, trabalha de noite e dorme durante o dia", destaca.
“Quando eu nomeio um funcionário público, tenho gastos na prefeitura com uma vida útil de 80 anos, que é o tempo de serviço somado à aposentadoria. Então, eu também não posso cometer irresponsabilidade como prefeito e nomear ‘tantas quantas’ pessoas para o sucessor ter uma folha desequilibrada. Por lei federal, não posso colocar segurança privada em espaço público. Eu teria que fazer um convênio com a Brigada Militar ou aumentar a contratação de guardas. Tudo isso tem custos”, alerta o prefeito da capital.
Jakubaszko reforça que a segurança é um problema, mas, para o prefeito da Redenção, o caminho é outro.
"Se não tem segurança, o problema não é do parque — é da cidade ou do Estado. Prefiro que, em vez de cercar, se faça uma licitação para que uma multinacional poderosíssima adote a Redenção e invista em segurança", sugere. "O ideal seria o patrulhamento pela guarda municipal. Mas também é essencial incentivar a presença constante da população. Nós podemos organizar feiras noturnas, com a presença de agentes de segurança. Nos próximos dias, vai ser inaugurada uma área de gastronomia que funcionará até 22h. Assim, outros recursos como o pedalinho e o parquinho também poderão funcionar até mais tarde. Se isso acontecer, vamos ocupar o espaço socialmente e promover a segurança indiretamente, evitando o que, para nós, é muito ruim: a cerca".
O representante do parque ainda acrescenta que, diferentemente do que diz o senso comum, a Redenção não é, necessariamente, onde os crimes acontecem. "Eu penso que a grade, o isolamento, na verdade não te dá segurança. Muito pelo contrário. A própria Brigada Militar no Rio Grande do Sul, que faz o patrulhamento ostensivo, dá a Redenção como um espaço seguro. Poucos boletins de ocorrência são alusivos à Redenção. Eles ocorrem fora e o pessoal corre para o parque. Ou seja, é uma rota de fuga. Colocar um muro não dificulta só a vida do ladrão, mas da vítima também. Se o cidadão é assaltado na calçada, só tem duas alternativas: voltar ou enfrentar os assaltantes. Já quando é aberto, ele pode correr para qualquer lado", explica.
Melo reafirma que há particularidades neste caso e destaca que, para ele, é fundamental que o debate não seja reduzido à Redenção. "Ali tem uma opinião muito consolidada, pela questão urbanística que liga dois bairros. Não podemos contaminar o debate com a Redenção. Tem 700 áreas públicas e quero discutir todas elas", diz.

E o Parcão?

Enquanto a Redenção apresenta uma série de empecilhos, o Parcão surge como uma possibilidade de experimento do impacto do cercamento na segurança pública em parques e praças.
"Os dois adotantes do Parcão vão fazer dois bons investimentos neste ano. Tem a questão do lago, vão refazer todos os calçamentos do entorno, do campo de futebol, vai ter cachorródromo, chimarródromo... tudo isso tem investimentos previstos que envolvem dinheiro público, pois essas adoções fazem parte das contrapartidas da melhoria. O Parcão é uma provocação, mas pode ser a Praça Médica, ou uma outra no Sarandi, na Tristeza, que seja. Eu acho, sinceramente, que este debate virá", afirma Melo.
Em concordância, Jakubaszko enxerga o Parcão como um experimento viável. "O Parcão é um parque que, de grande, só tem o nome. Na verdade, é uma grande pracinha. Então, pode ser uma experiência interessante. Não tem nada ali dentro que, caso seja cercado, vai afetar a mobilidade ou a experiência da comunidade. Se não for possível 'cercar' com a presença do cidadão e de policiamento, ele pode ser um 'laboratório' para sabermos se é possível ou não resolver os problemas com o cercamento. Lamento pelos usuários dali, mas, se não houver alternativa, pode ser uma bela experiência", considera.
O prefeito da Redenção, contudo, ainda crê que outras medidas podem ser eficazes: "Cito o Parque Germânia como referência, que já foi, mais de uma vez, invadido, pichado e roubado. Ele foi planejado para ser cercado, mas serviu para quê? Só denota que ele e nada são a mesma coisa, porque as pessoas entram igual. Não se resolve problemas de segurança com violência ou isolamento. Se resolve com educação, ações presenciais e pedagógicas, iluminação e a presença de segurança. Eu sei que é difícil para gestores fazerem um trabalho desses quando a população está meio 'desnorteada'. Mas acredito que, ocupando socialmente dia e noite, através de atividades e feiras, quebramos a questão da ausência de segurança".