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Educação

- Publicada em 02 de Dezembro de 2021 às 20:52

Nova lei prevê assistência integral para alunos com transtorno de aprendizagem

Entre as normas da lei, está a capacitação dos professores para atenderem às especificidades dos alunos com transtorno de aprendizagem

Entre as normas da lei, está a capacitação dos professores para atenderem às especificidades dos alunos com transtorno de aprendizagem


FREEPIK/Reprodução/JC
O Governo Federal sancionou uma lei que institui o acompanhamento integral para alunos da educação básica de escolas públicas e privadas com dislexia, transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH) ou outro transtorno de aprendizagem. A Lei 14.254 foi publicada no Diário Oficial da União de quarta-feira (1º), e é originária do PL 3.517/2019, aprovado pelo Senado em 9 de novembro.
O Governo Federal sancionou uma lei que institui o acompanhamento integral para alunos da educação básica de escolas públicas e privadas com dislexia, transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH) ou outro transtorno de aprendizagem. A Lei 14.254 foi publicada no Diário Oficial da União de quarta-feira (1º), e é originária do PL 3.517/2019, aprovado pelo Senado em 9 de novembro.
A norma estabelece que o Poder Público tem a obrigação de desenvolver e manter um programa que prevê a identificação precoce do transtorno, encaminhamento do estudante para diagnóstico especializado, apoio educacional na rede de ensino, apoio terapêutico especializado na rede de saúde, entre outras medidas.
A lei também aborda os cuidados integrados com a rede de saúde, inclusive em casos de intervenção terapêutica, que deve ser realizada somente por profissionais da área da saúde capacitados e deverá ter acompanhamento multidisciplinar. O regulamento ainda prevê a capacitação dos professores para atenderem às especificidades dos alunos com transtorno de aprendizagem.
A normativa visa garantir o cuidado e a proteção aos educandos com transtornos de aprendizagem, "com vistas ao seu pleno desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social". Desenvolvimentos, esses, que não foram prioridade na educação brasileira ao longo da história, como destaca Iane Kestelman, psicóloga, neuropsicóloga e presidente voluntária da Associação Brasileira do Déficit de Atenção (ABDA): "Esses alunos nunca foram reconhecidos como existindo e, muito menos, pertencendo ao sistema de educação inclusiva. Nunca foram contemplados com nenhuma política de governo, especialmente pelo Ministério da Educação, que pudesse levar para elas as adaptações pedagógicas e os processos que são contemplados durante o desenvolvimento psicossocial das crianças."

Associação luta há 13 anos por assistência específica

O PL 3.517/2019 nasceu de uma iniciativa da Associação Brasileira do Déficit de Atenção que começou em 2008. Neste ano, o Ministério da Educação lançou um documento chamado Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva Inclusiva, que contempla estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação. Como os alunos com TDAH e outros transtornos de aprendizagem não foram incluídos, a ABDA como sociedade civil se organizou para cobrar os direitos dessas crianças e adolescentes.
A organização encontrou respaldo no Legislativo, e o então senador Gerson Camata (MDB-ES) - morto em 2018 - foi relator do Projeto de Lei do Senado 402/2008. Originalmente, a proposta do senador restringia a assistência integral aos alunos com dislexia e TDAH, não contemplando os demais transtornos da aprendizagem, como discalculia (dificuldade com números), disortografia (dificuldade ortográfica), entre outros.
O projeto ficou em tramitação durante 13 anos, conduzido pela então deputada e, agora, senadora Mara Gabrilli (PSDB-SP) e apresentado, neste ano, sob relatoria do senador Flávio Arns (Podemos-PR). Entre as modificações em relação ao texto original de 2008, está a extensão da rede de serviços e cuidados às crianças e adolescentes com qualquer transtorno de aprendizagem, não só dislexia e TDAH.
"O que essa lei vai trazer, no final das contas, é existência. Confere legitimidade a todos os alunos quem tem TDAH e outros transtornos de aprendizagem tanto no setor público quanto privado e garante alguns direitos. Essas crianças e esses adolescentes todos aprendem, não é porque se tem TDAH que não aprende. Uma vez que for identificado que ele tem TDAH, encaminhado para o sistema de saúde e tiver, dentro de sala de aula, através dos seus professores, as adaptações pedagógicas necessárias, eles têm condições de aprendizagem exatamente como qualquer outra criança", afirma Iane.

Transtorno pode ser observado no ambiente escolar

Apesar do projeto ser sancionado apenas agora, pais muitas vezes já contam com o apoio dos professores para identificar algum tipo de diferença no comportamento e aprendizado. É o caso de Pedro, 13, que foi diagnosticado com TDAH em abril de 2016, aos 8 anos de idade. Mesmo que na época não existisse a lei que obriga a escola a auxiliar a família durante o processo de diagnóstico, a mãe de Pedro, a técnica em enfermagem Sandra Regina Bitello, 46, explica como o amparo da instituição foi importante neste momento.
"O Pedro tinha manifestações desde pequeno. Ele era uma criança inquieta, corria muito, não prestava atenção nas atividades. Todas as atividades e todos os brinquedos dele duravam poucos instantes. Quando deu início às atividades escolares, na educação infantil, eu fui chamada várias vezes pela professora já que ele não participava das atividades como os outros alunos. Ele não permanecia sentado na cadeira por um longo período, pedia muitas vezes para ir ao banheiro. E, na escola, no primeiro ano a professora me chamou para uma conversa e, delicadamente, me disse "pode ser que você tenha que buscar um acompanhamento, de repente levar ele em um pediatra, um neurologista, para verificar o que está acontecendo com o Pedro", relata Sandra.
A família levou Pedro ao pediatra e, após muita insistência, conseguiu o encaminhamento para o neuropediatra. O profissional solicitou exames, como eletroencefalografia, para avaliar a atividade elétrica do cérebro e descartar problemas alterações cerebrais. "Como o TDAH é um transtorno neurobiológico que não aparece em exames, todos os exames estavam bons. Então ele começou a tratar o Pedro com algumas medicações, tudo de forma progressiva, foi aos poucos, porque você tem que adaptar as medicações. Ele passou por várias medicações e doses, até chegar em uma dose em que ele ficou bem, que se mantém bem, está estável, consegue acompanhar a escola e outras atividades no meio social", conta Sandra.
"Desde abril de 2016, quando ele foi diagnosticado, a minha vida mudou. Porque a gente tem um outro olhar como mãe também. Preocupa pensar no diagnóstico: meu filho é hiperativo. Mas aí você tem um leque de possibilidades. Eu posso ter o acompanhamento psicológico com ele, o acompanhamento médico, com neurologista, com medicação, a psicopedagoga fez acompanhamento muito tempo. Então a gente tem possiblidades para auxiliar."
A mãe de Pedro afirma que, mesmo com todo o auxílio da escola, o menino enfrentou situações adversas em ambiente escolar devido à má orientação de uma professora em relação ao TDAH. "Eu tive uma dura experiência com uma professora que afetou muito a autoestima do meu filho. Tivemos uma conversa bem séria com ela e com a diretora, porque eu sempre fui muito presente na escola, sempre circulei muito na escola para ver como ele estava, como estava o processo de aprendizagem", diz Sandra.
"Foram difíceis aqueles meses, ele dizia 'Eu não aprendo, mamãe, eu sou burro', e eu perguntava 'Mas quem disse que tu é burro? Tu não é burro, tu é uma criança inteligente', então ele estava trazendo essa bagagem negativa."
Sandra conta que essa foi uma experiência isolada no ambiente escolar e que, após o diagnóstico de Pedro, a maioria dos profissionais da educação tiveram um outro olhar para o processo de aprendizagem do estudante. E é isso que a mãe espera que aconteça com todos os alunos que serão contemplados com a nova lei. "Eu penso que as escolas e até na formação dos professores, eles vão ter que auxiliar para os professores terem um olhar diferenciado, uma especialização para isso, para esse acompanhamento. Eu acredito que vai auxiliar muito as crianças com TDAH, dislexia e outros distúrbios da aprendizagem", comemora Sandra.