Corrigir texto

Se você encontrou algum erro nesta notícia, por favor preencha o formulário abaixo e clique em enviar. Este formulário destina-se somente à comunicação de erros.

Sistema socioeducativo

- Publicada em 27 de Setembro de 2021 às 21:00

Diretora da Case POA I é afastada por maus-tratos a socioeducandos da Fase

Defensor público do Rio Grande do Sul entrou com ação pedindo garantia da democracia

Defensor público do Rio Grande do Sul entrou com ação pedindo garantia da democracia


ANDRESSA PUFAL/JC
Pela primeira vez na história, a Fundação de Atendimento Socioeducativo do Rio Grande do Sul (Fase) tem uma equipe diretiva afastada por maus-tratos. A determinação, feita pela juíza Karla Aveline de Oliveira, da 3ª Vara do Juizado da Infância e da Juventude do Foro Central da Comarca de Porto Alegre, atende a um pedido liminar da Defensoria Pública do Estado (DPE) - assinado pelos defensores Fabiane Lontra, Paula Simões Dutra de Oliveira e Rodolfo Lorea Malhão -, que apurou os relatos dos socioeducandos. Os episódios aconteceram no Centro de Atendimento Socioeducativo Regional de Porto Alegre I (Case POA I), que abriga em torno de 20 menores.
Pela primeira vez na história, a Fundação de Atendimento Socioeducativo do Rio Grande do Sul (Fase) tem uma equipe diretiva afastada por maus-tratos. A determinação, feita pela juíza Karla Aveline de Oliveira, da 3ª Vara do Juizado da Infância e da Juventude do Foro Central da Comarca de Porto Alegre, atende a um pedido liminar da Defensoria Pública do Estado (DPE) - assinado pelos defensores Fabiane Lontra, Paula Simões Dutra de Oliveira e Rodolfo Lorea Malhão -, que apurou os relatos dos socioeducandos. Os episódios aconteceram no Centro de Atendimento Socioeducativo Regional de Porto Alegre I (Case POA I), que abriga em torno de 20 menores.
De acordo com o expediente instaurado pela DPE, foram apuradas duas categorias de práticas disciplinares que desrespeitam a dignidade dos jovens: a destruição de artesanatos e a submissão dos jovens a humilhações e tratamentos cruéis. No total, três práticas foram relatadas pelos socioeducandos aos defensores públicos, com quem eles conversam semanalmente via videoconferência. O caso em questão corre em segredo de Justiça. O Jornal do Comércio teve acesso ao despacho da juíza na íntegra.
Na primeira situação, os menores disseram que os agentes, na hora da revista nos dormitórios, estavam destruindo os origamis que eles faziam nas oficinas de artesanatos. “A direção, em resposta pela via administrativa, se limitou a dizer que as revistas eram de procedimento padrão, mas não entrou no mérito da destruição de origamis. Disse que, eventualmente, haveria a destruição de origamis para identificar a existência de alguma substância escondida”, complementa Paula, uma das defensoras responsáveis pelo caso.
A agente Alessandra Vieira da Maia, que trabalha na unidade, afirma que não é uma prática comum. “Eles guardam as pecinhas pequenas dos origamis em uma sacola. Na hora da revista, despejamos as pecinhas na bancada para ver se eles não esconderam um isqueiro ou uma lâmina dentro da sacola”, pontua. Segundo ela, essas pecinhas pequenas são usadas para fazer peças grandes de origami. “E elas não são coladas, são encaixadas”, diz. Então, quando retiradas da sacola, pode ocorrer um desencaixe.
As situações dentro da segunda categoria, da submissão a humilhações, são as que mais preocupam a DPE. “Os jovens reclamaram que eram submetidos a revistas de madrugada. Eles eram acordados, entre 1h30min e 2h, em noites frias, e tinham que ficar despidos e fazer agachamentos”, conta Paula.
As formas com que essas revistas são feitas vão contra o regramento da Fundação. “Não se poderia acordar os jovens, teria de se respeitar a hora do repouso noturno. E, quando não envolve saída externa, não pode acontecer o desnudamento”, pontua a defensora. Para ela, essas revistas representam um tratamento inadmissível.
Alessandra, que faz turnos noturnos, afirma que as revistas costumam ser às 22h30min. “Talvez em algum plantão, a revista possa ter atrasado. Mas não de madrugada”, defende. Ela explica, ainda, que a revista com os adolescentes nus e agachados pode acontecer quando há suspeitas, vindas de familiares, de os adolescentes estarem escondendo algo. Mas que não é padrão.
“Outra situação é que um jovem teria recebido uma restrição disciplinar, por uso inadequado da máscara de proteção, e uma agente condicionou essa restrição a ele ficar ajoelhado e suplicar”, conta Paula. Um adolescente que foi testemunha relatou a situação para os defensores e, para apurar, a DPE solicitou as imagens da câmera de segurança, que confirmaram o acontecido.
Alessandra conta que não viu a situação, então não sabe o que aconteceu. “Mas se fosse algo tão grave, e eu não sei se foi, imagino que a direção teria tomado uma providência na hora”, pondera.
Diante dessas situações, que foram apuradas nos últimos dois meses, a DPE instaurou, na sexta-feira (24), um expediente que pedia o afastamento da diretora e do assistente de direção da Case POA I. Apesar de já terem ocorrido outros casos de violações de direitos dos adolescentes, essa é a primeira vez que um afastamento é determinado. Agora, a Fase será citada e terá um prazo de resposta, podendo solicitar a produção de provas. “Acho muito difícil que a decisão final seja diferente da liminar”, afirma Paula. Nesse caso, ocorrerá o afastamento definitivo.
“Conversei com colegas de trabalho, assistentes sociais, pedagogos e advogados e, para nós, parece que houve um exagero”, afirma Alessandra, que também é diretora do Semapi, o sindicato dos funcionários de fundações como a Fase. Ela conta que a decisão pegou a todos de surpresa. “Se os guris estivessem nessa situação de abuso, tortura e de maus-tratos, o trabalho não estariam como está. Eles estariam rebeldes, reclamando”, conta.
No documento da decisão da juíza Karla, a palavra “tortura” aparece 19 vezes. “Já aconteceu, no passado, quando os adolescentes estavam descontentes com algo, de eles se negarem a ir para o dormitório até conseguirem conversar com a diretoria, por exemplo. Quando coisas desse tipo acontecem, eles ficam indisciplinados. E eles não estão assim.”
A agente também lembra que, no inverno, uma das colegas estava dando uma oficina para os meninos e, por causa do frio, levou um chá para eles. “Na semana seguinte, ela não levou o chá e eles disseram que iam reclamar para a madrinha, que é como eles chamam a DPE”, conta. Então, para ela, esses aspectos demonstram a necessidade de que os funcionários sejam ouvidos a respeito de alguns episódios para entender a situação por outra perspectiva. “E não existe esse diálogo.”
A Fase afirmou, em nota, que a presidência da fundação já indicou nova equipe diretiva para o período de afastamento. O Jornal do Comércio tentou contato com a diretora afastada, mas a fundação preferiu que ela não se manifestasse.

Agente socieducadora afirma não ter recebido orientação sobre práticas disciplinares

Ao passo que a defensora Paula conhece a forma correta de realizar as revistas, os agentes não têm tanta certeza. “Essa questão da revista foi mudando com o tempo e, na verdade, falta orientação da Fase. Vamos aprendendo com a experiência, porque falta capacitação”, confessa Alessandra. Ela conta que os novos agentes aprendem as práticas com os antigos, que aprenderam com os agentes que vieram antes deles. Em alguns assuntos, ela afirma que existe capacitação teórica. "Mas a prática é quase inexistente.”
Alessandra afirma que algumas coisas ela aprendeu com o dia a dia, mas outras não. Em 23 anos de Fase, ela nunca recebeu uma capacitação para conter os adolescentes em momentos específicos, logo, ela não sabe a maneira exata de agir nesses casos. “Isso ocorre quando o adolescente está em surto, que é resolvido pelos profissionais da área da saúde. Mas como eu faço para segurar esse adolescente até o especialista chegar? Ou, em uma briga, como faço para conter? Agora, com as câmeras, ficamos com medo de segurar o adolescente em uma dessas situações e depois falarem que estamos agredindo eles”, pontua.
Além do afastamento da equipe diretiva da Case POA I, a DPE também solicitou um reforço na capacitação dos agentes. “Principalmente na questão dos direitos humanos, porque entendemos que há essa necessidade”, conclui Paula, tendo em vista que essa não é a primeira vez que casos de violação de direitos acontecem.
A defensora conta que, recentemente, em outra unidade, houve uma situação em que se identificou a realização de trabalhos forçados por parte de alguns adolescentes. “Chegamos a cogitar o pedido de afastamento, mas essa situação foi superada. Mas nessa situação de agora, desde o início, foi requerido o afastamento, porque foi uma situação muito grave”, complementa.