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Direito da Mulher

- Publicada em 10 de Agosto de 2021 às 20:01

Banco nacional do CNJ reúne dados estatísticos sobre violência contra a mulher

Luiza Brunet, que foi vítima de agressão em 2016, participou do lançamento da ferramenta

Luiza Brunet, que foi vítima de agressão em 2016, participou do lançamento da ferramenta


CNJ/YOUTUBE/DIVULGAÇÃO/JC
Aos 28 anos, a auxiliar administrativa G.A.O. teve seu trabalho invadido pelo marido, que a empurrou para dentro do carro e trancou as portas. No trajeto, ela foi espancada e arrastada para dentro de casa, quando ele pegou uma faca para tentar matá-la.
Aos 28 anos, a auxiliar administrativa G.A.O. teve seu trabalho invadido pelo marido, que a empurrou para dentro do carro e trancou as portas. No trajeto, ela foi espancada e arrastada para dentro de casa, quando ele pegou uma faca para tentar matá-la.
Ao se defender, teve as duas mãos esfaqueadas e, mesmo ferida, conseguiu fugir. Procurou uma delegacia de polícia onde foi acolhida. Meses depois, no julgamento, ouviu do juiz do caso que o agressor não podia ser condenado por tentativa do homicídio. “Ela está aqui, bem viva e saudável”, foi o que ouvi, relata, indignada com a decisão.
Histórias de mulheres vítimas de violência doméstica que preferem ficar no anonimato também se repetem Brasil afora e são vividas por figuras públicas. A ex-modelo e empresária Luiza Brunet é uma delas. Em 2016, teve quatro costelas quebradas e ficou com os olhos roxos pelos golpes desferidos pelo então companheiro, o empresário Lirio Parisotto, que denunciou por violência doméstica.
A sentença de condenação do agressor demorou quatro anos para sair. Desde o episódio, Luiza virou uma militante no combate à violência doméstica e, em junho deste ano, passou a integrar o Observatório do Poder Judiciário, a convite do presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e ministro do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux.
Entender casos como o de Luiza Brunet e de G.A.O. é fundamental para que a Lei Maria da Penha - que completou 15 anos no último dia 7 de agosto -, principal norma de combate à violência doméstica, consiga ter maior efetividade. E é nisso que o CNJ aposta ao lançar, nesta terça-feira (10), a primeira fase do Banco Nacional de Medidas Protetivas de Urgência (BNMPU), que reúne dados estatísticos com detalhes de medidas protetivas de urgência concedidas às mulheres vítimas de violência doméstica no País e será atualizado semanalmente.
A ferramenta foi apresentada hoje, durante a XV Jornada Lei Maria da Penha do CNJ, em comemoração aos 15 anos da legislação. “Avançamos bastante, mas há muito o que fazer. A Lei Maria da Penha, referência mundial, precisa ser aplicada em todas as suas possibilidades”, defendeu Luiza Brunet, que participou do encontro, realizado de forma virtual em função da pandemia.
Somente no ano passado, conforme revela o BNMPU, foram concedidas 386.390 medidas protetivas de urgência, que consistem em um conjunto de determinações concedidas ou não pelo Judiciário para que o agressor se afaste da mulher vítima ou em risco de sofrer violência.
“A partir desta unificação de dados, poderemos monitorar os pontos deficitários de combate à violência contra a mulher e contribuir para melhorar o enfrentamento à questão”, destacou a conselheira do CNJ Tânia Reckziegel, que é coordenadora do Comitê Gestor do BNMPU, durante a abertura da Jornada. Segundo ela, é fundamental a participação dos Tribunais de Justiça estaduais, que irão abastecer o banco com informações. Sem isso, completa, a ferramenta fica prejudicada pela subnotificação.
Para a professora de Direito da UniRitter e conselheira-diretora da Themis – Gênero, Justiça e Direitos Humanos, Carmen Campos, este é justamente o ponto mais vulnerável para que a plataforma seja eficaz. “O banco de dados é uma ferramenta importante, mas precisa ser abastecido, transparente e permitir o acesso às informações para que possamos saber o que acontece em cada estado, o que ainda é uma grande dificuldade”, afirma, ao defender também a aplicação da Lei Maria da Penha em sua integralidade.
A norma, salienta Carmen, é uma grande conquista para as mulheres, mas precisa ser implementada sob a perspectiva integral, a partir de uma rede de serviços que acolha as vítimas. “A Lei Maria da Penha não pode ficar restrita às áreas policial e judiciária. Os serviços de acolhimento foram desmantelados de quatro anos para cá, e não são cumpridos em todas as esferas: municipal, estadual e federal”, critica.
Para a especialista, é preciso retomar o atendimento multidisciplinar com urgência e também investir em políticas públicas de prevenção. “Enquanto isso não for efetivado não haverá mudança de comportamento, e mulheres e meninas seguirão vítimas de violência”, aponta.

Como funciona o BNMPU

Ferramenta pode ser acessada no site https://bnmpu.cnj.jus.br/

Ferramenta pode ser acessada no site https://bnmpu.cnj.jus.br/


CNJ/reprodução/jc
O Banco Nacional de Medidas Protetivas de Urgência (BNMPU) cumpre a Lei 13.827/2019, que incluiu na Lei Maria da Penha a necessidade de o juízo efetuar o registro das medidas protetivas de urgência em sistema centralizado de informações. A plataforma será mantida e regulamentada pelo CNJ e alimentada pelos tribunais por meio da extração de informações da Base Nacional de Dados do Poder Judiciário (Datajud).
Nesse primeiro momento, haverá apenas dados estatísticos de acesso público. E que, futuramente, o Banco incorporará uma versão de acesso restrito, com dados sensíveis, que poderá ser monitorado pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública e por órgãos de segurança pública e assistência social.
O que revela (dados de entre 2015 e 2021)
976.773 decisões de medida protetiva foram concedidas no Brasil:
  • 767.214 deste total não tiveram o destinatário informado pela Justiça
  • 207.234 foram concedidas para mulheres
  • 184 foram para idosos
  • 2.031 foram para crianças ou adolescentes
      
    16ª é a posição do TJRS no ranking dos estados com maior número de registros no sistema. Foram:
  • 13.213 medidas concedidas
  • 3.396 concedidas em parte
  • 3.285 não concedidas
  • 1.1081 revogadas
Tipos de medidas protetivas mais registradas
  • 121.097 – afastamento do lar ou domicílio
  • 119.457 – – proibição de aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas
  • 86.165 – proibição de contato com a ofendida, de seus familiares e das testemunhas 0por qualquer meio de comunicação
  • 60.682 – suspensão da posse ou restrição do porte de armas
  • 46.307 -acolhimento institucional
FONTE: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ

Participação dos homens é fundamental para eficácia da Lei Maria da Penha, diz criminalista

Homens devem ter senso crítico sobre seu papel no sistema de combate à violência, diz Schneider

Homens devem ter senso crítico sobre seu papel no sistema de combate à violência, diz Schneider


José Paulo Schneider/arquivo pessoal/jc
A eficácia da Lei Maria da Penha passa, sobretudo, pela superação do "ranço patriarcal" ainda muito latente no Brasil. A avaliação é do advogado criminalista José Paulo Schneider. Em entrevista ao Jornal do Comércio, o especialista defendeu que, para que a legislação seja efetiva, é preciso também haver senso crítico e de responsabilidade do homem e de qual é o seu papel no sistema de combate à violência doméstica e na violência contra a mulher.
Jornal do Comércio – Qual a sua avaliação quanto Banco Nacional de Medidas Protetivas de Urgência (BNMPU) e sua efetividade como ferramenta para aprimorar as normas de proteção contra violência doméstica?
José Paulo Schneider - A criação do Banco Nacional de Medidas Protetivas é uma exigência da lei 13.827 de 2019 e busca dar maior efetividade às medidas protetivas, bem como contribuir para a fiscalização dessas medidas. Portanto, a lei traz para a Lei Maria da Penha a necessidade de que o juiz que deferir uma medida protetiva inclua/registre essa medida no sistema centralizado de informações para que se tenha um maior controle dos dados estatísticos da violência contra a mulher, da violência de gênero e da violência doméstica familiar. E, também, para garantir o acesso público dessas informações unificado, um acesso de um sistema unificado e centralizado de informações ao Ministério Público, à Defensoria Pública, aos órgãos de segurança pública e da assistência social, sempre com a finalidade de contribuir para a fiscalização dessas medidas e para a efetividade também dessas medidas. Atualmente, na ausência desse banco de dados, a gente vê alguns problemas, algumas falhas no sistema que, por vezes, acabam premiando, digamos assim, o objeto, o alvo das medidas. Não raro uma medida protetiva é deferida a uma mulher agredida, afastando o agressor dela, e o agressor que vem procurá-la, que vem descumprir essa medida, é conduzido à delegacia, e a delegacia, por não ter esse sistema uniformizado, acaba não sabendo, não confirmando se há, de fato, essa medida protetiva. Aí, acaba não podendo, por exemplo, efetuar o flagrante por descumprimento de medida protetiva. Então, esse banco vem centralizar as informações de modo que se tenha um maior rigor, um maior controle das medidas protetivas. É evidente o avanço da lei, que vem trazer, então, um maior rigor na fiscalização e na efetividade das medidas protetivas.
 JC - Por que muitas vezes a responsabilização dos acusados é branda?
Schneider - Quanto à questão de ser branda a responsabilização nos crimes contra a mulher, nós precisamos olhar a Lei Maria da Penha, que agora completa 15 anos, como um mecanismo de ruptura com a estrutura patriarcal enraizada na história brasileira. É bem verdade que muitas responsabilizações são brandas, algumas condutas, inclusive, escapam da responsabilização penal, mas a Lei Maria da Penha é, sim, um instrumento de significativo avanço na proteção do feminino. Foi a Lei Maria da Penha que deu um basta em inúmeras condutas que, em tempos não tão remotos assim, eram normalizadas e aceitas. Condutas criminosas contra a mulher que antigamente eram aceitas. E, nos últimos anos, a legislação vem se organizando, vem se estruturando, para proteger ainda mais a mulher. A gente pode citar aqui como exemplo considerar hediondo e qualificado o homicídio cometido em razão do sexo feminino ou no âmbito de violência doméstica familiar, que é o feminicídio. A lesão corporal contra a mulher em razão da violência doméstica (artigo 129, parágrafo 9º). Recentemente, o parágrafo 13º, do 129, que é a lesão corporal em razão do gênero também se aproximou mais ao feminicídio. A criação recente do crime de stalking, do 147 A, do crime de violência psicológica, do 147 B do código penal. Todos esses novos tipos penais demonstram que a lei vem, ao longo desses 15 anos, se adequando à realidade brasileira para oferecer uma maior proteção ao feminino. Evidentemente que, por estarmos inseridos num sistema patriarcal, há diversos obstáculos a serem ultrapassados, mas a lei se coloca de uma maneira muito importante, e os últimos anos são exemplo disso. A criação de novos tipos penais nos últimos anos dá conta de um reforço legislativo na proteção do feminino.
JC - O cumprimento da Lei Maria da Penha tem sido uma luta essencialmente das mulheres. Qual o papel dos homens nesse contexto?
Schneider - A eficácia da Lei Maria da Penha passa, sobretudo, pela superação desse ranço patriarcal ainda muito latente no Brasil. Passa, também, pelo senso crítico e de responsabilidade do homem, de qual é o seu papel nesse sistema de combate à violência doméstica e na violência contra a mulher. Enquanto advogado e homem, eu tenho que ter consciência de que sou um potencial machista para que as minhas condutas estejam de acordo com aquilo que se espera de uma sociedade igualitária, justa e correta. Então, sem sombra de dúvidas, a eficácia da lei passa também pela autocrítica, pela 'mea culpa' dos homens. É preciso que os homens reconheçam os seus erros e a sua importância para a correção desses erros. E é preciso também que, enquanto sociedade, nós, homens e mulheres, superemos algumas condutas arcaicas, ultrapassadas, que normalizam a violência de gênero, que normalizam a discriminação seja de qual ordem for.