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Coronavírus

- Publicada em 21 de Abril de 2021 às 20:53

Pandemia afeta saúde mental de profissionais da saúde da linha de frente

Medo, exaustão e desespero estão entre os sentimentos mais comuns nesta fase da pandemia

Medo, exaustão e desespero estão entre os sentimentos mais comuns nesta fase da pandemia


/Joao Paulo Guimaraes/AFP/JC
A saúde mental dos brasileiros piorou na pandemia e a procura por ajuda tem mostrado crescimento. No início do mês, uma pesquisa encomendada pelo Fórum Econômico Mundial feita em 30 países pelo instituto Ipsos indicou 53% dos brasileiros declararam que seu bem-estar mental piorou um pouco ou muito em 2020.
A saúde mental dos brasileiros piorou na pandemia e a procura por ajuda tem mostrado crescimento. No início do mês, uma pesquisa encomendada pelo Fórum Econômico Mundial feita em 30 países pelo instituto Ipsos indicou 53% dos brasileiros declararam que seu bem-estar mental piorou um pouco ou muito em 2020.
Para os profissionais da saúde, esse cenário não é diferente. Uma pesquisa realizada pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) aponta que 95% dos profissionais da linha de frente tiveram a vida modificada por causa da pandemia. Quase 50% estão trabalhando em excesso e 43,2% não se sentem protegidos para enfrentar a Covid-19.
Alguns hospitais de Porto Alegre, como o Hospital Moinhos de Vento e o Hospital de Clínicas, oferecem suporte psicológico aos funcionários. Em um ano do programa Saúde Plena Moinhos, criado em março de 2020 para garantir apoio aos funcionários, foram realizadas 636 consultas psicológicas. O Serviço de Psicologia do HCPA fez mais de 4,4 mil consultas entre março de 2020 e fevereiro de 2021. Em 2019, foram mil consultas. "Os principais tópicos que aparecem são ansiedades, medos, inseguranças em relação à pandemia, dúvidas com relação a EPIs, fluxos e relação das equipes de trabalho, receio de contágio a familiares e, no momento, a mudança do perfil dos pacientes, agora mais jovens", afirma o HCPA, em nota. 
O Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) criou, em março de 2020, o projeto Enfermagem Solidária, no qual enfermeiros voluntários da área psiquiátrica se disponibilizam a ouvir colegas de todo o País. Segundo a idealizadora, Dorisdaia Humerez, o projeto já realizou quase 10 mil consultas. "Os sentimentos que eles traziam para nós foram mudando de acordo com o avanço da pandemia. No começo, tinham medo de se contaminar. Depois, de contaminar a família. Agora, os sentimentos mais comuns são de medo, exaustão e desespero", conta.
"Estamos percebendo episódios de ansiedade e de depressão e temos tido alguns associados que se sentem muito frágeis diante dessa situação", relata o diretor do Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers) e membro do Núcleo de Psiquiatria da entidade, Rogério Gottert Cardoso. Além disso, ele diz que uma das principais queixas é o número excessivo de horas trabalhadas. "Alguns fazem plantões de 24h que, por falta de equipe, viram plantões de 36h ou 48h."
Segundo a Fiocruz, os quase 50% de entrevistados que admitiram excesso de trabalho ao longo da crise sanitária contaram que fazem jornadas acima de 40 horas semanais. Dorisdaia diz que essa também é uma realidade dos enfermeiros. "Os plantões que eram para ser de 12h, viram de 16h. Não tem ninguém para substituir e eles não conseguem deixar os pacientes na mão", explica.
Cardoso entende que o medo, o luto constante e a incerteza são alguns dos motivos para esse retrato da saúde mental. "Uma coisa é atender alguma doença que o médico já sabe lidar, entender e operar. No caso da pandemia, um paciente que está bem agora, em 24h pode estar intubado e, em 48h, morto. Isso tira a segurança de que o médico pode fazer o trabalho que vai dar certo. Eventualmente não vai dar e isso é aflitivo", explica.
Outro motivo é a falta de segurança. Conforme o levantamento da Fiocruz, 43,2% dos profissionais não se sentem protegidos para trabalhar na linha de frente. Para 23% deles, o principal motivo está relacionado à falta, à escassez e ao uso inadequado de EPIs. Entre os trabalhadores, 64% destacaram a necessidade de improvisar equipamentos.
Ainda, as alterações mais comuns apontadas na pesquisa são perturbação do sono (15,8%), irritabilidade/choro frequente/distúrbios em geral (13,6%), incapacidade de relaxar/estresse (11,7%), dificuldade de concentração ou pensamento lento (9,2%), perda de satisfação na carreira ou na vida/tristeza/apatia (9,1%), sensação negativa do futuro/pensamento negativo, suicida (8,3%) e alteração no apetite/alteração do peso (8,1%).
"Alguns enfermeiros já desistiram e outros ainda vão desistir de trabalhar na UTI. Eles estão frágeis", relata Dorisdaia. Para ela, o apelo desses profissionais já saiu do clássico "não aguento mais" e passou para "não quero mais voltar". "Não podemos diagnosticar, mas conseguimos ver sinais de síndrome de burnout, síndrome do pânico, ansiedade e depressão", observa.

Estresse da profissão persegue profissionais até no sono

"A referência cada vez mais citada é a de uma guerra, do medo da morte sem sentido algum", conta a pesquisadora e professora do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) Cláudia Maria Perrone. Ela e outra colega do instituto, a professora Rose Gurski, estão desenvolvendo uma pesquisa que avalia os sonhos dos profissionais da saúde e da educação durante a pandemia. A pesquisa "Sonhos em tempos de pandemia" é realizada em três estados (Rio Grande do Sul, Minas Gerais e São Paulo) e busca investigar os efeitos sociopolíticos nos sonhos em tempos de pandemia.
Aqui no Estado, já foram coletados 1.500 relatos de sonhos de ambas as categorias de profissionais. "A divulgação maior foi centrada em profissionais de saúde que estão na linha de frente do trabalho na pandemia, não somente médicos e enfermeiras. Muitos psicólogos, alguns fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, dentistas e etc", conta Rose.
Elas relatam que os sonhos dos profissionais de saúde também foram mudando conforme a evolução da pandemia. "No momento inicial, diferentes sonhadores experimentaram imagens semelhantes, marcadas pelo medo da morte, pela volta aos lugares da infância, com o reencontro com pais ou parentes. No meio do ano de 2020, os sonhos mostraram um esforço de adaptação com o nosso novo normal, sonhos com o trabalho, reencontros, com o medo de sair de casa sem máscara, rupturas espaço-temporais em que os sujeitos se sentiam perdidos e até mesmo que estavam em férias. Na medida em que aumentava a contaminação pelo vírus e as mortes foram se intensificando, principalmente no fim do ano, surgiram outras modulações", narra Rose.
Cláudia aponta, ainda, que imagens de destruição, lugares sem lei e distopias também foram cenários comuns nos sonhos desses profissionais. "Os sonhos dos profissionais de saúde se aproximam muito mais do que chamamos de sonhos traumáticos", afirma.
Ela conta que um dos voluntários da pesquisa sonhou que foi procurar um cotonete e encontrou um Swab para coleta de exame de Covid-19. "No sonho, ele fica assombrado com a ideia de que há um erro, pois os Swabs não deveriam estar na sua casa. A ideia de cometer um erro é assustadora, ele não pode levar nada do trabalho para casa, porque isso pode significar contaminação e/ou morte de sua família. O contrário também: um erro no trabalho pode resultar em morte de seus pacientes, de sua família, de seus amigos, da comunidade. Essa tensão aparece claramente neste sonho."
Rose explica que uma das funções do sonho é elaborar aquilo que o indivíduo não consegue. "O sonho elabora aquilo que está indigesto para o sujeito, o que chamamos de traumático, que também pode ser chamado do inominável, aquilo para o qual o sujeito não tem uma nomeação." Nessas situações, segundo Rose, o sonho serve como uma forma de atenuar os efeitos do sofrimento.