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Geral

- Publicada em 01 de Março de 2021 às 21:29

Cansaço, medo e tristeza: relatos de profissionais da saúde no 1 ano da Covid-19 no Brasil

Pandemia ajudou a população a perceber o quanto o profissional da saúde é importante na vida dos pacientes

Pandemia ajudou a população a perceber o quanto o profissional da saúde é importante na vida dos pacientes


Apu GOMES/AFP/JC
Há 365 dias tendo de conviver com a pandemia de coronavírus, os brasileiros estão exaustos. Mas, para os profissionais da saúde, o último ano foi mais do que exaustivo. As rotinas estão mais desgastantes, o psicológico mais abalado e o medo mais presente. Médicos, enfermeiros e outros profissionais da saúde seguem esperançosos, mas temem caso não haja melhora.
Há 365 dias tendo de conviver com a pandemia de coronavírus, os brasileiros estão exaustos. Mas, para os profissionais da saúde, o último ano foi mais do que exaustivo. As rotinas estão mais desgastantes, o psicológico mais abalado e o medo mais presente. Médicos, enfermeiros e outros profissionais da saúde seguem esperançosos, mas temem caso não haja melhora.
No domingo (28), 95% dos leitos de UTI do RS estavam ocupados, restando menos de 150 leitos disponíveis. Segundo o médico intensivista do Grupo Hospitalar Conceição e coordenador da UTI do Hospital Lauro Reus, em Campo Bom, José Luis Toribio Cuadra, esses números ainda são, parcialmente, da leva de pacientes infectados no Ano Novo. "Vamos começar a receber os pacientes infectados no Carnaval daqui alguns dias. Notamos quais são os pacientes do Carnaval por um detalhe macabro: a marca da roupa de banho", explica. Para ele, as cenas das aglomerações no Litoral no final de semana do dia 15 de fevereiro são tristes e desesperadoras.
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'Dá muita tristeza quando saio do hospital e vejo gente sem máscara na rua', relata Cuadra. FOTO: Arquivo Pessoal/JC
"Não temos recursos humanos, mão de obra e nem suporte para lidar com tudo o que está acontecendo. Trabalhamos muito, ficamos sem finais de semana para poder atender à demanda, e dá muita tristeza quando saio do hospital e vejo gente sem máscara na rua", relata Cuadra, acrescentando que sua saúde mental foi afetada por conta da pressão do trabalho.
O técnico em radiologia do Hospital Dom João Becker, em Gravataí, Gabriel Santos, também acredita que teve a saúde mental comprometida. "Vejo pessoas passando mal todos os dias, parece que nunca acaba. Não tem como não ser afetado", afirma. Gabriel é responsável pelos raio-x de pacientes com Covid-19 ou com suspeita.
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Para Santos, um dos dias mais difíceis foi ver a morte de um menino de 20 por coronavírus. FOTO: Arquivo Pessoal/JC
Para ele, é gratificante descobrir que os pacientes foram para casa ou melhoraram, mas é muito ruim quando os quadros pioram. "Há alguns dias fui na UTI Covid do hospital fazer um raio-x e vi um menino de 20 anos, que eu já tinha atendido, tendo uma parada e, infelizmente ele não resistiu." Gabriel conta que esse foi um dos dias mais marcantes do último ano. "Depois vi a mãe dele chorando sob o corpo, falando coisas para Deus, e aquilo me abalou muito. Fiquei pensando se fosse a minha mãe ali, chorando por mim", reflete o profissional de 23 anos.
Para Cuadra, um dos momentos mais marcantes também envolve um jovem. "Esses dias internamos um menino de 25 anos e isso me marcou, porque ele é muito novo, não deveria estar ali. Tenho 52 anos, e ver um menino com metade da minha idade na UTI é para lamentar. Ele tem muita vida pela frente ainda. Ter que conectar uma pessoa jovem à ventilação mecânica dói. Essa decepção não tinha tido ainda", conta. Segundo ele, nas últimas semanas, os hospitais em que trabalha receberam mais jovens do que idosos.
Assim como os colegas de profissão, a enfermeira da ala Covid do Hospital de Clínicas de Porto Alegre Jaqueline Haas afirma estar exausta. No início, Jaqueline e os colegas acreditavam que a pandemia acabaria em breve e, a cada mês, a esperança se renovava. "Agora, um ano depois, estamos em um dos piores momentos. Estamos todos exaustos e vamos continuar, porque os desafios ainda não diminuíram. Estamos no meio de uma batalha que não está perto de terminar", acrescenta.
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'Em um ano, visitei meus pais uma ou duas vezes, não peguei minha sobrinha recém-nascida no colo nenhuma vez', conta Jaqueline. FOTO: Arquivo Pessoal/JC
Jaqueline diz que, no âmbito pessoal, foi tudo tranquilo, ainda que difícil. "Parando para pensar, foi um ano em que deixei toda minha vida e projetos pessoais em segundo plano. Em um ano, visitei meus pais uma ou duas vezes, não peguei minha sobrinha recém-nascida no colo nenhuma vez, mas tive muito apoio." Ela afirma ser grata por ter passado por esse ano sem que ela ou nenhum parente próximo tivesse a doença.
Ao longo do ano, muitos hospitais tiveram que contratar para poder dar conta da demanda. Só a contratação de enfermeiros no Estado subiu 123% entre março e setembro em comparação com o ano anterior. Jaqueline ficou responsável por treinar algumas das novas equipes do Clínicas e, para ela, foi um dos maiores desafios. "Tivemos que construir equipes com pessoas que ainda não falavam a mesma língua, que não tinham as mesmas informações e nem as mesmas experiências e isso foi muito difícil."
Em alguns lugares, a falta de profissionais continua sendo um problema. A técnica de enfermagem do GHC, Ingrid Marian Cordeiro Grings, já fez turnos de mais de 18h por causa da falta de profissionais. Mas o cansaço físico não supera o cansaço mental de lidar com a morte e com a incerteza. "Trabalho há três anos com isso e sempre lidamos com a morte, mas com a Covid-19, não dá para saber o que vai acontecer em seguida. Às vezes, o paciente está conversando comigo e cinco minutos depois, está intubado e sendo pronado", relata.
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 'O que me ajuda a segurar a barra todos os dias são minhas colegas, é um alívio tê-las junto', diz Ingrid. FOTO: Arquivo Pessoal/JC
Ela acredita que aprendeu muito com esse contexto, mas que também foi afetada. "Lidar com gente debilitada ensina todo dia alguma coisa. Ensina a ser paciente, a ser sensível, tolerante. Mas também esgota. Já é difícil lidar com ser humano nos dias bons, imagina em cima de uma maca, de fralda e sem forças pra comer a própria comida."
Jaqueline defende que a pandemia a ajudou a perceber o quanto o profissional da saúde é importante na vida dos pacientes. "Não pela questão técnica, mas como ser humano. O profissional de saúde acolhe aquele paciente que está sozinho, sem comunicação com a família", conta. Ela descreve a Covid-19 como uma doença solitária. "Fazemos vídeo chamadas dos pacientes com suas famílias e esses momentos são muito importantes. Principalmente quando o paciente não está mais intubado, pode ver a família e ser visto ao vivo depois de ter passado por uma doença que podia tê-lo levado à morte."
Cuadra conta que fazer terapia foi muito importante para não enlouquecer com a pressão e com a tristeza de vivenciar essas situações diariamente. Para Ingrid, a resposta foi encontrar apoio nas colegas de trabalho. "Passo mais tempo no hospital do que em casa, então minha equipe é minha família. O que me ajuda a segurar a barra todos os dias são minhas colegas, é um alívio tê-las junto."
Além do cansaço e da falta de suporte, os profissionais da saúde também convivem com medo. Gabriel pegou Covid-19, mas Ingrid e Jaqueline não. "Senti medo, mas não por mim. Senti medo de levar isso pra quem eu amo. Senti medo de perder as pessoas que gosto para essa doença", revela Ingrid.
Segundo o Conselho Regional de Medicina do RS, oito médicos gaúchos morreram por causa de Covid-19 em 2020. No Brasil, segundo o Conselho Federal de Medicina, o número beira 500. No Estado, são 19 mortes de profissionais de saúde por conta da Covid-19 e uma contaminação alta: 2.999 diagnósticos.
Apesar das experiências ruins, os profissionais de saúde ainda estão esperançosos sobre o que virá pela frente. Jaqueline e Gabriel acreditam que a vacina pode ajudar a minimizar o caos já instaurado. Cuadra também tem fé, mas defende que a população precisa fazer sua parte. "É muito simples usar máscara, lavar a mão e respeitar o distanciamento. Se todo mundo fizesse o básico, não estaríamos enfrentando essa situação. As pessoas precisam começar a ter empatia e respeito pela vida do próximo", suplica o intensivista.
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