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Saúde

- Publicada em 06 de Janeiro de 2021 às 20:25

A incrível jornada das vacinas ao longo da história

Foco da indústria farmacêutica desde o início do ano passado, vacinas contra a Covid-19 já estão sendo aplicadas em mais de cinquenta países

Foco da indústria farmacêutica desde o início do ano passado, vacinas contra a Covid-19 já estão sendo aplicadas em mais de cinquenta países


/CHRISTOPHE ARCHAMBAULT/AFP/JC
Quando, em 1796, o médico inglês Edward Jenner criou a primeira vacina da história, não poderia imaginar que, 225 anos depois, estaria se discutindo se a sua criação funciona ou não. É impossível calcular o número de vidas que as vacinas já salvaram. Conforme estimativa da Organização Mundial da Saúde (OMS), são quatro vidas salvas por minuto, entre 2 a 3 milhões de mortes evitadas por ano. A esse número, poderiam ser acrescidas outra 1,5 milhão de vidas, se as campanhas antivacina não existissem.
Quando, em 1796, o médico inglês Edward Jenner criou a primeira vacina da história, não poderia imaginar que, 225 anos depois, estaria se discutindo se a sua criação funciona ou não. É impossível calcular o número de vidas que as vacinas já salvaram. Conforme estimativa da Organização Mundial da Saúde (OMS), são quatro vidas salvas por minuto, entre 2 a 3 milhões de mortes evitadas por ano. A esse número, poderiam ser acrescidas outra 1,5 milhão de vidas, se as campanhas antivacina não existissem.
Medicamento mais aguardado do momento, a vacina da Covid-19 colocou o assunto na vitrine. Companhias farmacêuticas trabalham no desenvolvimento da droga que pode dar fim à pandemia da doença que já matou 1,8 milhão de pessoas em todo mundo.
A história das vacinas é cheia de percalços e seu início, incrivelmente curioso. O trabalho dos cientistas de hoje tem origem em um processo chamado variolização, que tem os primeiros registros conhecidos na China do século X.
Os povos asiáticos foram os primeiros a perceber que, após sofrerem com a varíola, os sobreviventes nunca mais voltavam a adoecer do mesmo mal. Assim, em razão disso, buscavam induzir uma versão mais branda da doença, que garantisse a imunidade.
Na China, o principal método utilizado envolvia retirar as crostas das feridas causadas pela doença, moê-las e inseri-las nas narinas das pessoas. A prática também era comum na Turquia, onde o meio era outro - a inoculação do "veneno da varíola" por meio de agulhas.
As práticas tradicionais orientais chegaram na Europa. Na Idade Média, as concentrações nas cidades aumentaram, assim como a disseminação de doenças infecciosas. O continente sofria com graves crises sanitárias envolvendo epidemias de varíola que arrasavam povoados.
A introdução da variolização na Europa é atribuída à esposa do embaixador britânico na Turquia, lady Mary Wortley Montagu, que tivera a doença aos 26 anos de idade e ficara com o rosto marcado para o resto da vida. "Agora a beleza se foi, e não existem mais amantes. Não existe nenhuma pomada capaz de salvar uma jovem trêmula?", escreveu em um poema. Lady Mary utilizou a técnica turca em seu filho em 1718.
Rapidamente, a prática cruzou os oceanos e chegou às Américas. No Brasil, Jesuítas inocularam indígenas, enquanto nos Estados Unidos, a prática começou a ser aplicada por volta de 1721. Em Boston, dois hospitais foram criados para a realização da variolização em 1764. George Washington, herói da independência norte-americana, ordenou a variolização compulsória de suas tropas em 1777.

O médico inglês que fez da tradição, ciência

Edward Jenner, inventor da vacina, foi um visionário no combate a doenças infecciosas

Edward Jenner, inventor da vacina, foi um visionário no combate a doenças infecciosas


Wellcome Images/Reprodução/JC
O conhecimento tradicional deu um passo seguinte a partir das observações de Edward Jenner, um médico rural da cidade de Berkeley, na Inglaterra. Os agricultores e pecuaristas daquela região já sabiam há muito que as mulheres que ordenhavam as vacas das fazendas desenvolviam manchas nas mãos, causadas pelo contato com as feridas da varíola bovina.
As manchas, porém, não preocupavam aquelas mulheres. "Depois de uma semana, as manchas se transformavam em pústulas e as jovens passavam por um mal-estar passageiro, como a gripe. Porém, uma vez secas as feridas, a cicatriz significava que estavam imunizadas contra a varíola humana", aponta o cirurgião e escritor britânico Richard Gordon no livro A Assustadora História da Medicina. Da mesma forma, mas em sentido contrário, as únicas mulheres que não contraíam a varíola bovina eram as que já tinham contraído a variante humana da doença.
A partir dessa observação, Jenner inoculou, em 14 de maio de 1796, um menino de 8 anos chamado James Phipps com o pus de uma ferida de uma ordenhadora que sofria da varíola bovina. O garoto desenvolveu uma infecção benigna e se recuperou uma semana e meia depois. Passados meses, o médico inseriu em Phipps o pus de uma ferida de varíola humana. O menino não desenvolveu a doença. A vacina estava descoberta. Em 1798, publicou sua descoberta sob o título "Um inquérito sobre as causas e os efeitos da vacina da varíola'.

Ceticismo, religião e "fake news": os desafios para a consolidação da prática

Sociedade Real Jenneriana para a Extinção da Varíola foi criada em 1803

Sociedade Real Jenneriana para a Extinção da Varíola foi criada em 1803


Harvard Medical Library/Reprodução/JC
Não foi sem resistência, porém, que esses avanços e descobertas se deram. A história da vacina é uma história de luta contra forças contrárias. Médicos mostravam ceticismo e a Igreja Católica dizia que a prática era uma tentativa de tirar poder das mãos de Deus. Antes de colocar em prática suas ideias, Edward Jenner estudou por 20 anos o assunto e tentou convencer seus pares sobre a eficácia da medida, sem sucesso.
Além das críticas da Sociedade Real de Medicina, que chegou a dizer que Jenner "não devia arriscar sua reputação apresentando para o ilustre grupo de médicos algo que parecia tão contrário ao conhecimento estabelecido", o pioneiro da vacinação também sofreu com as "fake news" da época, que diziam que as pessoas submetidas à imunização por meio do pus das feridas bovinas se transformariam em vacas.
A pesquisa e a obstinação de Jenner, porém, venceram a desinformação e o obscurantismo. Já em 1803, foi criada a Sociedade Real Jenneriana para a Extinção da Varíola, que tinha o patrocínio da família real.
O século XIX foi de disseminação da vacinação. Já em 1800, a poderosa Marinha Britânica passou a adotar a imunização. Napoleão Bonaparte, imperador da França, fez o mesmo com seus exércitos. No Brasil, a vacina chegou pelas mãos do marquês de Barbacena em 1804.
A resistência, no entanto, não cessou, e uma série de epidemias na década de 1820 foi um duro golpe à vacinação, na medida em que pessoas que já haviam sido imunizadas adoeceram. Descobriu-se, então, que a imunidade adquirida não era para sempre, e era necessário se vacinar novamente.
 

O passo adiante dado por Pasteur

Louis Pasteur instituiu o método científico para a produção de vacinas

Louis Pasteur instituiu o método científico para a produção de vacinas


/Paul Nadar/Wikimedia/JC
A técnica desenvolvida por Jenner se espalhou na segunda metade do século XIX e, apesar de ter sido um avanço metodológico em relação à variolização, foi com Louis Pasteur que ela passou a seguir o método científico.
Pasteur já era conhecido quando desenvolveu a primeira vacina contra a raiva em 1885. Fundador da microbiologia moderna, o francês recebeu o menino Joseph Meister, de 9 anos. Joseph havia sido mordido por um cão raivoso. Pasteur já vinha trabalhando na atenuação do vírus da raiva e injetou na criança material que retirou da medula de um coelho infectado. Foram 13 inoculações e Joseph não desenvolveu a doença.
Foi nos ombros de Pasteur que diversos cientistas se apoiaram para desenvolver outros imunizantes, assim como foi nos ombros de Jenner que Pasteur se debruçou para desenvolver sua técnica. As vacinas são uma das dez maiores descobertas da medicina de todos os tempos, conforme os professores norte-americanos, Meyer Friedman e Gerald W. Friedland, autores do livro As dez maiores descobertas da medicina.
Há mais de 200 vacinas contra o coronavírus em desenvolvimento, sendo que mais de 50 delas já estão sendo testadas em humanos. As vacinas das farmacêuticas Pfizer e Moderna, a russa Sputnik V, a chinesa Coronavac e a britânica da AstraZeneca/Oxford já estão sendo aplicadas em mais de 50 países, mas ainda não no Brasil.