Em ano de eleição, questões centrais na organização das cidades voltam ao debate, mesmo que não tenham sido devidamente tratadas durante as gestões municipais. Em tempos de ruas e avenidas cada vez mais abarrotadas de veículos, da tecnologia trazendo novas formas de deslocamento, e de sistemas de transporte público em crise, o debate acerca do transporte nas cidades é mais que importante. É urgente.
Em razão disso, a Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP) coordenou a publicação de um guia para os candidatos nas eleições municipais deste ano usarem como auxílio ao elaborarem seus planos para o transporte em seus municípios. O documento, chamado
“Guia Eleições 2020 - Como ter um transporte público eficiente, barato e com qualidade na sua cidade”, traz oito pontos principais que devem ser enfrentados pelos gestores públicos no que diz respeito ao deslocamento da população pelas cidades.
Confira abaixo, um por um, todos os pontos abordados pelo documento:
Ponto 1: Transparência
Informações claras ampliam o diálogo do poder público com os usuários (Stockphoto/Divulgação/JC)
A dificuldade da população em conhecer o seu próprio transporte público, muitas vezes não tendo acesso a informações básicas sobre o serviço, reforçam a imagem de que o transporte público é uma “caixa preta”.
Para os especialistas, a solução passa por uma cultura da transparência. “Informações sobre o serviço contratado e prestado devem estar claras, a fim de permitir um melhor diálogo com a população, tornar a gestão mais eficiente e oferecer um serviço mais satisfatório para todos”, aponta o trabalho. Assim, a transparência deve cobrir todos os aspectos — dos termos do contrato de concessão à prestação dos serviços (execução). “Isso inclui a disponibilização de informações sobre a oferta de transporte, as receitas previstas, os custos fixos e variáveis, a tarifa (pública, cobrada dos passageiros, e a de remuneração, efetivamente paga às empresas para cobrir os custos do serviço) e a qualidade do serviço, em todos os níveis.”
Entre as sugestões apresentadas, está a criação de um Portal da Transparência do Transporte Público, com informações sobre oferta, demanda, custos, receitas e padrões de qualidade adotados no sistema.
Ponto 2: Novo modelo de contratação do serviço
Modelo com a tarifa bancando a operação do sistema está ultrapassado (Katemangostar/Freepik.com/Divulgação/JC)
Conforme a ANTP, o modelo no qual o serviço é remunerado pela tarifa paga pelos passageiros está ultrapassado e gera desequilíbrios. A solução passa pela adoção de um novo modelo, no qual o poder público estabelece a oferta de serviços, apontando em contrato o custo e a remuneração das empresas. “O poder concedente paga pelos serviços efetivamente prestados de acordo com o custo real apurado do sistema, independentemente da tarifa pública arrecadada”, sugere o guia. Ou seja, a tarifa deixaria de custear o sistema, que seria contratado pelo poder público e pago por ele, de forma semelhante ao que ocorre no Sistema Único de Saúde (SUS), por exemplo.
O trabalho aponta que um novo modelo de contratação garante a manutenção dos serviços conforme a qualidade, frequência e regularidade contratadas, não havendo risco de interrupção ou redução da oferta, sem desequilíbrio econômico-financeiro dos contratos com as operadoras, e com o poder público pode estabelecer as gratuidades que desejar.
Ponto 3: Infraestrutura
Investimentos em paradas de ônibus são bom exemplo de valorização do modal (pch.vector/Freepik.com/Divulgação/JC)
Com as vias das grandes cidades cada vez mais congestionadas, o trânsito reduz a velocidade do ônibus, especialmente nos horários de pico, contribuindo para afastar os passageiros.
A solução passa pela priorização do transporte público, por meio da criação de faixas exclusivas e corredores para ônibus, gerando ganho de velocidade e produtividade — trafegando em vias sem congestionamento, menos ônibus podem fazer mais viagens e levar mais passageiros em menos tempo, reduzindo custos, melhorando a qualidade dos serviços. Outra possibilidade é a implantação dos BRTs, que chegou a ser cogitada em Porto Alegre, mas foi abandonada pela prefeitura.
Os investimentos em infraestrutura, no entanto, não devem se limitar às alterações nas vias. Melhorias em pontos de parada, com investimento em coberturas, calçadas com acessibilidade, iluminação e segurança aumentam a satisfação do passageiro com o serviço.
Ponto 4: Custeio
Pedágios urbanos e taxação de aplicativos são sugestões da ANTP para custear o sistema (pch.vector/Freepik.com/Divulgação/JC)
Este ponto, possivelmente, traz as sugestões mais polêmicas. No Brasil, o custo do transporte público coletivo é coberto basicamente pela tarifa cobrada dos passageiros. “Fica caro para quem paga, mas nem sempre é suficiente para cobrir os custos de quem provê os serviços - e sobra pouco para investimentos em melhorias”, aponta o documento.
O documento indica seis medidas para aumentar a receita do transporte público:
- Contribuição do transporte por aplicativo
- Taxação dos automóveis pelo uso da via para circular e estacionar
- Limitação de gratuidades e descontos tarifários
- Novo modelo de Vale-Transporte
- Captação de recursos do IPVA e taxa de licenciamento de automóveis para o transporte público
- Cobrança de contribuição de melhoria pelo IPTU para imóveis que foram valorizados por investimentos públicos em transportes
Ponto 5: Financiamento
Parcerias Público-Privadas e recursos federais são formas de bancar obras estruturais (pch.vector/Freepik.com/Divulgação/JC)
O trabalho aponta meios de financiamento para ações específicas, como, por exemplo:
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Faixas exclusivas – podem ser financiadas com recursos destinados à sinalização do tráfego e de multas de trânsito.
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Pavimentação das vias – pode ser financiada com verbas do Ministério do Desenvolvimento Regional
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Corredores, paradas e terminais de integração – podem ser financiados com recursos orçamentários de médio prazo.
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BRTs – podem ser financiados com Parcerias Público-Privadas, via Ministério do Desenvolvimento Regional; Caixa Econômica Federal/BNDES, ou por meio da utilização do Fundo Nacional de Infraestrutura do Transporte.
Ponto 6: Padrões de Qualidade
Poder público deve exigir e fiscalizar a manutenção da qualidade do serviço (Katemangostar/Freepik.com/Divulgação/JC)
Lentidão, desconforto, irregularidade, lotação, sujeira e custo. A falta de qualidade do serviço é fator fundamental para que os passageiros recorram a outros modais para seus deslocamentos.
A solução passa pelo estabelecimento de padrões de qualidade e ações considerando quatro dimensões: 1) qualidade desejada pelo passageiro; 2) qualidade contratada com as empresas operadoras; 3) qualidade ofertada aos usuários; 4) qualidade percebida pelos passageiros.
Quanto mais próxima a qualidade percebida for da qualidade desejada pelo passageiro, melhor avaliado será o serviço. Para isso, cabe ao poder público exigir e fiscalizar para que a qualidade ofertada seja cada vez mais próxima da qualidade contratada, por meio da definição e medição de indicadores de desempenho.
Ponto 7: Comunicação e Desenvolvimento Social
Pesquisas de opinião com os usuários podem apontar mudanças que precisam ser feitas (pch.vector/Freepik.com/Divulgação/JC)
A percepção da população a respeito do transporte coletivo é, de modo geral, mais negativa do que em relação a outros modais. A solução, conforme a ANTP, passa por mostrar à sociedade que o transporte público é um instrumento de desenvolvimento social e elemento transformador da vida nas cidades. “Isso inclui a valorização dos passageiros e a criação de canais de comunicação para conhecer e atender às suas necessidades, além de transformar o ambiente do transporte público em espaço de convivência.”
A mudança passa por uma maior e melhor comunicação do perder público com a sociedade e de um diálogo mais amplo com os usuários do sistema, com canais de comunicação e realização de pesquisas de satisfação periódicas.
Ponto 8: Ações Emergenciais
Pandemia da Covid-19 trouxe novos desafios aos modal de transporte público (Freepik/Divulgação/JC)
Por fim, a pandemia da Covid-19 trouxe desafios novos ao modelo, causando brusca queda nas receitas e consequente desequilíbrios nos contratos.
A solução desses problemas – que devem prosseguir em 2021 - passa por medidas emergenciais visando à manutenção da operação do sistema, como:
- Aportar recursos emergenciais para cobertura do déficit durante os efeitos da pandemia.
- Repactuar os contratos vigentes, compatibilizando receita com oferta
- Implantar protocolos de higiene e saúde na frota e adequar a lotação dos veículos e terminais.
- Implantar medidas de viabilização imediata de prioridade na via (reduzir tempo de viagem/tempo a bordo).
- Melhorar o funcionamento dos terminais de transferência para evitar aglomerações e longo tempo de espera.
- Escalonar as diversas atividades urbanas.