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Coronavirus

- Publicada em 27 de Junho de 2020 às 12:35

'Lockdown rigoroso de 15 dias no Brasil inteiro', defende reitor da UFPel

'Estamos perto ou no pico da contaminação. Estarmos com portas abertas é uma irresponsabilidade'

'Estamos perto ou no pico da contaminação. Estarmos com portas abertas é uma irresponsabilidade'


PEDRO HALLAL/ARQUIVO PESSOAL/DIVULGAÇÃO/JC
Patrícia Comunello
Enquanto o Rio Grande do Sul vai ficando mais vermelho e com alto risco na pandemia, o líder da maior pesquisa no mundo sobre a presença do novo coronavírus defende um "lockdown rigoroso de 15 dias no Brasil inteiro". O epidemiologista e reitor da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Pedro Hallal, está convicto de que o fechamento total é a via mais eficaz e rápida para derrubar a curva de casos e com menos traumas à economia. 
Enquanto o Rio Grande do Sul vai ficando mais vermelho e com alto risco na pandemia, o líder da maior pesquisa no mundo sobre a presença do novo coronavírus defende um "lockdown rigoroso de 15 dias no Brasil inteiro". O epidemiologista e reitor da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Pedro Hallal, está convicto de que o fechamento total é a via mais eficaz e rápida para derrubar a curva de casos e com menos traumas à economia. 
"Neste momento em que estamos perto ou no pico da contaminação, estarmos com as portas abertas é uma irresponsabilidade", critica o epidemiologista. O Estado completa na segunda-feira (29) quatro meses do primeiro teste positivo da Covid-19, em 29 de fevereiro, de um empresário de Campo Bom, resultado divulgado em 10 de março. O reitor considera que o "fecha, abre e fecha" é mais danoso do que fazer um fechamento total (lockdown), adotado em outros países.
Hallal, que já elogiou o isolamento em Porto Alegre, não se surpreendeu com o revés recente, quando a demanda crescente e rápida por leitos de UTIs provocou os passos atrás, ao princípio da pandemia. "Quando se achou que não era tão grave, começou-se a relaxar. Com isso, a pandemia voltou a mostrar: 'não me desafia, se fizerem isso, vou mostrar que sou bastante perigosa'", diagnosticou o reitor.
O diretor médico do Hospital de Clínicas (HCPA), Milton Berger, afirmou, chancelando a proposta de Hallal, que "não dá para enfrentar a pandemia só dentro dos hospitais".   
Em entrevista em vídeo do JC Explica, que pode ser assistido no canal do JC no YouTube, o epidemiologista analisou o combate à pandemia e criticou a falta de uma política consistente de testagem tanto no Rio Grande do Sul como no País.
Sobre o distanciamento controlado proposto pelo governo gaúcho, o coordenador da pesquisa EPI Covid19, que mapeia a prevalência do vírus na população, aponta méritos, como a regionalização e ser dinâmico, mas adverte: "Se em algum momento precisarmos fechar as portas do Estado, temos de ter coragem e fazer isso independentemente do modelo".        
Jornal do Comércio - Qual é seu balanço da pandemia após quatro meses da chegada do vírus ao Rio Grande do Sul?
Pedro Hallal - Uma coisa que pode ser considerada boa é que essas epidemias virais têm uma tendência de que a curva de casos não passe muito da 13ª semana, e estamos chegando nela agora. Temos conquistas e evoluções desde o primeiro caso. Há quatro meses não imaginaríamos que o Rio Grande do Sul teria uma frequência de infectados muito menor do que outras regiões do País e que não tivéssemos praticamente nenhuma morte de pessoa por falta de acesso ao serviço de saúde, que têm conseguido dar conta dos pacientes mais graves. Mas alguns aspectos negativos também.
JC - Quais são os aspectos negativos?
Hallal - Nestes quatro meses, dois assuntos são mais negativos. O primeiro é a questão da testagem. O Rio Grande do Sul não conseguiu até hoje ter um protocolo de testagem robusto, que teste as pessoas, busque a rede de contato dos positivos e teste essa rede para realmente fazer uma redução da transmissibilidade do vírus. Esse é um dos erros. O segundo é no isolamento social. No começo, o Estado adotou cedo as políticas de distanciamento. A população cumpriu bem as medidas, mas agora parece que as pessoas e os gestores cansaram. Sabemos dos impactos econômicos de isolar, mas hoje o distanciamento social tem sido não muito rígido e, por isso, os números da doença seguem flutuando, às vezes, para cima.
JC - Por que não se conseguiu fazer mais testes? É um problema só aqui ou no Brasil?
Hallal - Esse é um problema não só do Rio Grande do Sul. O Brasil não teve uma política de testagem para o novo coronavírus. O que é uma política de testagem? É uma regra a ser seguida com uma lógica: teste de todos os casos suspeitos e buscar os contatos de todos que deram positivo. Assim se consegue isolar rapidamente os casos e evitar que contactem e transmitam para outras pessoas. A falta de uma política de testagem é um problema maior que a falta de testes. No começo da pandemia, havia problema grave de falta de exames, mas agora, quatro meses depois, não dá para culpar a falta de testes. Hoje temos capacidade para testar, mas falta uma política clara.
JC - Isso poderia ter encurtado o isolamento?
Hallal - O enfrentamento do coronavírus é uma pauta sistêmica. Há várias coisas que têm de acontecer ao mesmo tempo. Mas tenho tomado o cuidado para não levantar a plaquinha com a frase: ‘Eu já sabia’. A gente já falava que uma política de testagem era necessária. Os exemplos mais difundidos no mundo, especialmente na Ásia e na Alemanha, foram baseados em uma política de testagem bem conduzida. Só a política de testagem resolve? Claro que não, mas ela é importante. Acertei sobre a política da testagem, mas errei quando falava só passaporte da imunidade, que consistia em dizer que vai ser rápido, muita gente vai entrar e contato com com os anticorpos e, com isso, podemos começar a retomada das atividades. Infelizmente, isso não se concretizou, pois o vírus chegou muito pouco ao Rio Grande do Sul. Embora ele esteja incomodando a nossa vida, não temos nem 1% da população com anticorpos.
JC - O senhor elogiou o isolamento em Porto Alegre, mas a cidade teve de fechar setores e voltar ao começo do combate à pandemia. O que deu errado? O senhor se apressou em reconhecer os méritos?
Hallal - Acho que neste caso é mais tranquilo de explicar o que aconteceu. Sempre usava, ao comentar, a frase do futebol: ‘time que está ganhando não se mexe’. Dizia que esse era o maior risco que se corria. Numa epidemia, isso é perigosíssimo. Em time que está ganhando e as coisas estão dando certo, a tendência é achar que não é tão grave. Estava dando certo em Porto Alegre e quando se achou que não era tão grave, começou-se a relaxar. Com isso, a pandemia voltou a mostrar: ‘não me desafia, se fizerem isso, vou mostrar que sou bastante perigosa’. É isso que o vírus está fazendo agora. Cada vez que desafiamos, o novo coronavírus avisa; 'não façam isso'. Foi o caso do prefeito de Milão, na Itália, e da Suécia e Inglaterra, que fizeram isso no começo da contaminação e todos tiveram de voltar atrás. O Brasil, neste momento, está começando a cometer o mesmo erro. Como se faz isso? Reabrem setores sem a curva de casos estar na descendente. Aí o vírus avisa: ‘não me desafiem que sou bastante forte’.
JC - Não faltam números sobre a pandemia. Como isso não serviu para ajustar as medidas ou é muita pressão para abrir que nem todos resistem?
Hallal - Não aponto o dedo para os gestores dizendo 'vocês erraram' Eles estão tentando fazer o melhor sempre. As perdas econômicas, de vidas e saúde mental são verdadeiras. Exceto algumas pessoas com postura muito estranha (sobre a pandemia), a maioria quer acertar. Os gestores têm acertado em algumas coisas e errado em outras. O que é importante é elaborar um plano de retomada das atividades o mais seguro e mais rápido possível.
JC - Muitos têm dificuldade de entender ou não se sentem afetados quando autoridades falam que precisa fechar porque as UTIs estão cada vez mais cheias. Como explicar para essas pessoas a relação entre um grupo pequeno que vai precisar de atendimento e toda uma população que precisa colaborar?
Hallal - A taxa de ocupação de leitos de UTIs é um dos indicadores mais importantes que tem de ser considerada na pandemia. Isso vale para o mundo todo. Se tivermos doentes, alguns poucos serão graves. Se estes não tiverem atendimento adequado, cometeremos um erro irreversível, pois estas pessoas vão acabar morrendo. O indicador aponta que o sistema de saúde está saturando e é o mais definitivo para fazer o isolamento mais rigoroso. Por isso, que defendo um lockdown rigoroso de 15 dias no Brasil inteiro. Assim, vamos conseguir colocar a curva na descendente, como outros países colocaram. Quando a curva estiver na descendente, o sistema de saúde vai se aliviar e conseguiremos nos livrar logo da primeira onda. O que parece ser uma proposta anti-econômica, na verdade, é o contrário. Se fizermos um lockdown  agora, recuperamos mais rápido a economia, em vez de ficar neste abre e fecha, convivendo com o vírus de forma tão intensa. Claro, isso vai trazer um problema lá na frente, que é a possibilidade de uma segunda onda. Mas se ela vier em um momento em que estivermos mais preparados, soubermos mais de medicamentos e que, talvez, já tenhamos uma vacina é uma vitória levar a pandemia para frente. Minha posição parece rígida do ponto de vista econômico, mas é mais rápido de resolver o problema. Neste momento em que estamos, com quatro meses de pandemia, perto do ou no pico da contaminação, estarmos com as portas abertas é uma irresponsabilidade.
JC - Qual é o cenário que temos para as próximas semanas?
Hallal - Estamos promovendo um encontro nas ruas em todas as cidades entre um monte de pessoas infectadas e um monte de pessoas suscetíveis a pegar a infecção. O que vai acontecer é que o vírus vai infectar mais. Por isso, é tão necessário que se afaste as pessoas infectadas por 15 dias e de forma intensa. Com isso, a curva vai para a descendente, como já está no Norte do País, onde o número de óbitos diários está caindo consideravelmente há, pelo menos, uma semana. O resto do Brasil vai chegar lá, mas até lá tem de ficar em casa.
JC - Qual a sua avaliação sobre o distanciamento controlado adotado no Rio Grande do Sul? Ele está ajudando?
Hallal - O modelo tem várias qualidades. É dinâmico ao atualizar toda a semana, gradativo, pois usa as cores das bandeiras, é regionalizado e era um plano quando ninguém tinha plano. Alguns ajustes necessários foram feitos, como o detalhe do algoritmo. A questão é que o modelo, em alguns momentos, precisa ser visto como referência e não como algo absoluto. Se em algum momento precisarmos fechar as portas do Estado, temos de ter coragem e fazer isso independentemente do modelo. Se acharmos que é hora de abrir mais intensamente, temos de fazer com base nos indicadores, mas não podemos nos prender só a eles. O distanciamento controlado segue uma lógica matemática que pode ter imperfeições. Um exemplo: quando notávamos um surto em Passo Fundo, o que se dizia: ‘não vamos esperar estourar nos indicadores do modelo, vamos avisar agora e fechar antes’. Este detalhe fino tem de ser trabalhado.
JC - O senhor coordena a pesquisa estadual e nacional sobre a prevalência da Covid-19. O que estes dados têm ajudado na gestão da pandemia? O Ministério da Saúde está utilizando como poderia?
Hallal - O governo gaúcho têm usado muito mais, inclusive é considerado no modelo de distanciamento controlado. Vamos fazer a quinta fase no Estado neste fim de semana, e depois virão a sexta, sétima e oitava. O ministério começou a conhecer melhor, após tantas transições, na semana passada, quando fui apresentar, em Brasília, os resultados das duas primeiras fases. Nesta semana, vamos apresentar os dados da terceira e última fase da etapa nacional, junto com a equipe do ministério.
JC - O senhor pode comentar algo sobre os dados?
Hallal - Entre a primeira e a segunda fase, o que mais chamou a atenção foi o aumento rápido da prevalência. Fiz uma analogia com uma corrida de Fórmula 1, na qual o Brasil tem o carro mais rápido e acelera mais rápido que outros países infelizmente. A terceira fase teve a conclusão da coleta de dados na quarta-feira (24), e foi um sucesso absoluto. Conseguindo fazer 33.200 entrevistas das 33.250 previstas. Vamos divulgar em 2 de julho em Brasília. Mas, certamente, os resultados devem confirmar algumas teses que notamos nas duas primeiras fases: a desigualdade regional, que significa que temos várias pandemias no Brasil; a desigualdade socioeconômica - a doença já é mais frequente nas populações mais pobres do que nas ricas -, e a desigualdade étnico-racial. Populações indígenas apresentam um risco muito maior de infecção que os demais grupos. Se partirmos do pressuposto de que não existe uma predisposição genética para pegar a Covid-19, o que parece ser é que a estruturação cultural das comunidades indígenas favorece a disseminação do vírus. Então, são necessárias políticas públicas e um olhar cuidadoso para evitar que o coronavírus se dissemine ainda nessas comunidades.
JC - Ha muita informação de projeções de mortes e casos em pesquisas. O que é importante cuidar quando a gente analisa estes dados para divulgar?
Hallal - Toda a pesquisa é válida. Mas vou dar um exemplo: se você vai tirar férias em setembro e pretende ir para a Bahia, por exemplo. Tu vais olhar a previsão do tempo hoje ou há uma semana de viajar? Claro, que quando estiver perto de ir. A previsão de qualquer modelo matemático é melhor quanto mais próximo do evento. O que me incomoda nestes modelos é que ficam tentando prever um futuro muito distante.
JC - Que mensagem que o senhor daria às pessoas?
Hallal - É mais importante dizer que vai passar, pois os números vão cair, estão caindo, mas neste momento é preciso que as pessoas fiquem em casa e mantenham a confiança e a esperança. Daqui a pouco estaremos em uma situação melhor do que estamos hoje.
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