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- Publicada em 03 de Março de 2020 às 09:14

Professor da UFRGS propõe taxa para congestionamentos em Porto Alegre

'De que adianta ficar uma ou duas horas por dia em engarrafamento?', provoca Lindau

'De que adianta ficar uma ou duas horas por dia em engarrafamento?', provoca Lindau


MARCO QUINTANA/JC
Diego Nuñez
Item mais criticado no pacote de Nelson Marchezan Júnior para o transporte público em Porto Alegre, a criação de uma espécie de pedágio para veículos vindos de fora da Capital é vista como insuficiente e que deveria ter outra abrangência. O pedágio urbano seria cobrado sobre congestionamentos - ou seja, imposta para trafegar em áreas com engarrafamento - e seria pago por todos os automóveis que circulassem em Porto Alegre, defende um dos maiores especialistas em sistemas de transportes no Rio Grande do Sul e ex-professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) Luis Antonio Lindau.
Item mais criticado no pacote de Nelson Marchezan Júnior para o transporte público em Porto Alegre, a criação de uma espécie de pedágio para veículos vindos de fora da Capital é vista como insuficiente e que deveria ter outra abrangência. O pedágio urbano seria cobrado sobre congestionamentos - ou seja, imposta para trafegar em áreas com engarrafamento - e seria pago por todos os automóveis que circulassem em Porto Alegre, defende um dos maiores especialistas em sistemas de transportes no Rio Grande do Sul e ex-professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) Luis Antonio Lindau.
Além do pedágio urbano, o especialista propõe taxar os estacionamentos em todas as vias públicas da cidade. As duas cobranças poderiam gerar receita para subsidiar a passagem de ônibus, uma das demandas da cidade e que está na justificativa do pacote de Marchezan, que cria outras fontes de arrecadação, como a tarifa sobre aplicativos. A prefeitura deve bater o martelo em breve sobre um novo aumento da tarifa. As empresas querem elevar a passagem dos atuais R$ 4,70 para R$ 5,20. 
Lindau aponta que as duas taxas seriam mais efetivas para atacar as chamadas externalidades negativas do tráfego dominado por automóveis: o congestionamento é um deles com efeitos para a vida das pessoas e no meio ambiente, como a poluição. "Na medida em que pagam pelo congestionamento, as pessoas ganham tempo. De que adianta ficar uma ou duas horas por dia em engarrafamento? É como uma rede de água que não entrega água, isso não serve", elenca Landau, como argumentos para quem considera as ideias fora de cogitação.
Jornal do Comércio – Qual é sua opinião sobre as medidas da prefeitura para o transporte de ônibus?
Luis Antônio Lindau - Faz todo sentido trazer alternativas para reduzir congestionamentos, que gera prejuízo de até 5% do PIB brasileiro, por isso é uma externalidade negativa do transporte e deve ser paga.  O automóvel é o grande agente do congestionamento, que se apropriou praticamente inteiramente do espaço público. A cobrança pode se dar de várias formas, e a prefeitura fez o seu pacote. Mas existem outros instrumentos que não foram incluídos, e o mais simples deles é a cobrança de estacionamento na via. Porto Alegre tem a zona azul, mas não tem a zona vermelha, que seria o estacionamento de longa permanência que não é cobrado. Isso significa que boa parte das ruas da Capital estão tomadas por veículos estacionados o dia inteiro. As cidades que têm uma mobilidade interessante no mundo, todas já cobram pelo uso do espaço viário. A outra questão é a operação dos aplicativos de transporte, que no pacote passam a pagar tarifa, que é uma prática internacional. Embora o app substitua algumas viagens por carro, ele também atrai muitas viagens do transporte coletivo, como as mais curtas (tira passagem do transporte coletivo que, de certa forma, é subsidiado por quem faz deslocamento longo, o subsídio cruzado). No final das contas, é mais gente usando automóveis na cidade. Outro aspecto é que o embarque e desembarque dos apps interfere no curso regular na via e, contribuindo mais para o congestionamento. Por isso, faz sentido cobrar, pois os apps também causam uma externalidade negativa.
JC – Algum outro instrumento que ficou de fora do pacote?
Lindau – A proposta poderia ser mais sofisticada do que cobrar só um percentual, que é a proposta mais tradicional. Tem o que se chama de taxação do congestionamento ou pedágio urbano, que se cobra em uma concessão para pagar a manutenção. É a cobrança pelo uso da via nos momentos de maior tráfego, para que as pessoas evitem circular nesses horários e que exigiria um sistema mais sofisticado, como câmeras espalhadas em várias avenidas. Isso é diferente de cobrar de veículos de fora da cidade, que é relativamente fácil em Porto Alegre, que tem alguns pontos de entrada e bastaria monitorá-los. 
JC – Cobrar o pedágio urbano não afastaria as pessoas da Capital?
Lindau – O que eu estava falando é de cobrar pelo congestionamento e não de quem entra. Cobra-se um pouco e tem retorno alto, pois a pessoa não ficará mais presa pelo congestionamento. Por isso, taxar o congestionamento faz sentido. As pessoas terão mais horas para aproveitar do dia, e vamos melhorar o PIB da cidade.
JC – Os congestionamentos diminuíram nas cidades que cobraram taxa?
Lindau – Sim. Um exemplo é Cingapura, que tem pedágio dinâmico no qual o valor varia conforme os níveis de congestionamento. Se não tivesse isso, a cidade não andaria.
JC – Como as pessoas podem perceber esses ganhos?
Lindau – Tempo é dinheiro. Na medida em que pagam pelo congestionamento, as pessoas ganham tempo. De que adianta ficar uma ou duas horas por dia em engarrafamento? Cidades que entendem a questão econômica veem que não podem ter uma rede congestionada. É como uma rede de água que não entrega água, isso não serve.
JC – As pessoas deixam de usar o ônibus também por causa da qualidade do serviço. Como resolver?
Lindau – Um dos grandes problemas é que o transporte coletivo também fica preso no congestionamento. As faixas exclusivas (azuis) que estão sendo implantadas buscam livrar o ônibus do trânsito parado. Precisa ter muito mais na cidade. Também é necessário rever o uso do espaço público. Por que tanto carro estacionado ocupando via? Vamos tirar esses carros estacionados, vamos liberar as vias e melhorar o fluxo. Precisamos ter um transporte coletivo de qualidade, e boa parte disso passa por cumprir horários e ter uma boa velocidade operacional. Tudo isso tem a ver com congestionamento.
JC – A população vai pagar por uma malha viária que também é precária?
Lindau – Tem de investir na manutenção das vias. Por outro lado, também tem de cuidar um pouco a questão da velocidade, porque precisamos manter uma velocidade condizente com o que se pode circular na cidade. Tem sim de olhar a condição do pavimento, que tem de ser boa, mas não é só pensar pela ótica do automóvel. O ritmo de queda dos passageiros do transporte coletivo é enorme. Outra questão é melhorar o espaço para o não motorizado, como as bicicletas, os pedestres, e depois para o transporte coletivo. O carro deve ser o último item. O que Porto Alegre faz é pavimentar, uma lógica totalmente na contramão do mundo. Os buracos nas vias não podem ser prioritários aos das calçadas, por exemplo, que são também enormes e são muitos. Um transporte sustentável deve pensar no pedestre, ciclista, transporte coletivo, e depois no automóvel. É o que está escrito na lei de mobilidade brasileira.
JC – Taxar aplicativos vai transferir usuários para o ônibus?
Lindau – Vamos ver como as pessoas reagem. Mas não pode uma viagem de aplicativo custar praticamente a mesma coisa que uma de ônibus. O usuário precisa voltar ao ônibus. Mas por que vamos cobrar do aplicativo e não dos carros? Por que cobrar do congestionamento e não para estacionar o dia todo em vias públicas? Cobrar dos aplicativos pode ser o início da cultura da taxar o congestionamento.
JC – Faltaram estudos para embasar as medidas da prefeitura?
Lindau – O pacote não é tudo ou nada. O que a prefeitura fez foi criar cenários, e agora as pessoas estão pensando sobre isso. Tenho certeza que o prefeito não acha que vai ser tudo aprovado como foi proposto. Agora tem uma bela discussão com os vereadores e todo mundo da cidade. 
JC – Se o senhor estive agora ao lado do prefeito, que sugestão daria para ele neste tema?
Lindau – A gente tem que fazer além disso. E eu diria que não é só para o prefeito, é também para o governador e também para outros prefeitos da região metropolitana. A gente tem que pensar na racionalização do transporte coletivo. E aí passando pelos trens, passando pelas barcas, passando por todos os meios de transporte coletivo na região metropolitana. Urge fazer isso. O pacote é só o início. Tem muito mais por fazer.
JC – A adoção do subsídio ao transporte coletivo é inevitável como ocorre em outras cidades?
Lindau – Claro que a gente pode pegar dinheiro de creche, da educação… as cidades brasileiras, comparadas a cidades europeias ou norte-americanas, elas têm muito menos recursos per capita. Então, a gente tem de fazer o melhor uso possível desse dinheiro. Eu sempre penso: por que subsidiar o transporte coletivo se todas as externalidades geradas pelos automóveis não estão sendo pagas? Nós não falamos também das emissões, que acabam afetando também a saúde das pessoas. Faz todo sentido cobrar essas externalidades dos automóveis, e uma vez cobrando isso, faz todo sentido direcionar ao transporte coletivo. E usar o dinheiro da prefeitura para outras coisas. Acho que isso que está faltando no debate. Porque todo mundo fala, vamos cobrar do carro. Mas ninguém fala no porquê é justo cobrar do carro. Mostrar que o carro polui, o carro mata e o carro gera congestionamento. Tudo isso é ruim para a economia. Eu quero reduzir isso. Como vou reduzir isso? Cobrando do carro. Daí eu vou ter menos carros, menos congestionamentos, menos mortes. Vai ter mais gente andando no transporte coletivo, mais gente caminhando, mais gente andando de bicicleta. Que as pessoas entendam de onde vem esse dinheiro e que é justo cobrar esse dinheiro. De outras formas, a prefeitura vai abrir o cofre para tirar de outras coisas, de saúde, segurança, educação, que são coisas que a cidade precisa oferecer.
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