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Patrimônio

- Publicada em 11 de Novembro de 2019 às 21:43

Concessão do Mercado Público de Porto Alegre lança luz sobre o patrimônio imaterial

Com 150 anos recém completos, espaço deverá ser gerido pela iniciativa privada

Com 150 anos recém completos, espaço deverá ser gerido pela iniciativa privada


MARCO QUINTANA/JC
Via de regra, praticamente todos os processos de concessão de algo público - serviço ou patrimônio - à iniciativa privada acabam gerando contestações e contrariedades por parte da opinião pública ou de políticos de oposição. Não seria diferente no caso do Mercado Público de Porto Alegre.
Via de regra, praticamente todos os processos de concessão de algo público - serviço ou patrimônio - à iniciativa privada acabam gerando contestações e contrariedades por parte da opinião pública ou de políticos de oposição. Não seria diferente no caso do Mercado Público de Porto Alegre.
O espaço localizado no coração da Capital, completou 150 anos em 2019 e está em compasso de espera, assim como os seus mais de 100 lojistas. Prestes a ter sua administração repassada ao setor privado, o futuro do Mercado tem sido debatido em audiências públicas, reuniões com o Ministério Público e consultas para ouvir a população.
Pois, em meio aos debates que envolvem o processo pré-lançamento do edital de concessão, um ponto até então esquecido foi colocado em discussão: o que será do patrimônio imaterial do Mercado quando ele passar para as mãos da iniciativa privada? A deputada estadual Sofia Cavedon (PT) propôs a que seja feito um inventário e o posterior tombamento do patrimônio imaterial do local.
A Unesco - braço da Organização das Nações Unidas para educação, ciência e cultura - aponta, em sua Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial, de 2003, o patrimônio imaterial como "as práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas - junto com os instrumentos, objetos, artefatos e lugares culturais que lhes são associados - que as comunidades, os grupos e, em alguns casos, os indivíduos reconhecem como parte integrante de seu patrimônio cultural".
No caso do Mercado Público, o pedido de Sofia é de que essas práticas, expressões, conhecimentos e técnicas sejam listados pela prefeitura antes do lançamento do edital e protegidas pelo tombamento. A intenção do Executivo é lançar o edital até o final deste ano.
A parlamentar critica a forma como o governo manejou o processo. Para a petista, a intenção de conceder a administração à iniciativa privada partiu de "uma vontade exclusiva do prefeito". "Não houve nenhuma consulta prévia à cidade. Tenho acompanhado de perto e, em todas as audiências públicas já feitas para tratar do tema, não houve nenhuma manifestação favorável a essa entrega", afirma.
Sofia aponta que, a partir de 2005, quando a prefeitura tirou das mãos dos permissionários a gestão do Mercado, uma série de problemas de manutenção passaram a surgir. Um dos pontos, salienta, diz respeito à demora do Executivo em utilizar os recursos federais disponíveis para a recuperação do prédio após o incêndio de 2013. "A prefeitura foi incompetente, lerda, burocrática, para aproveitar os R$ 18 milhões que o governo federal disponibilizou."
O descaso do poder público acaba por onerar duplamente os lojistas que hoje trabalham no Mercado. Além de pagar a taxa do Fundo Municipal para Restauração, Reforma, Manutenção e Animação do Mercado Público (Funmercado), os permissionários aplicam recursos próprios na manutenção. "Hoje, pagamos duplamente, pelo Funmercado e por diversos pontos falhos na manutenção. Estamos pagando o PPCI. Muitos colegas fizeram empréstimos parcelados em 70 meses para pagar isso. Nos causa temor que um novo gestor, com plenos poderes, com força para designar o futuro de vidas, escolha uma dessas pessoas para ir embora do Mercado", afirma a presidente da Associação de Comércio do Mercado Público Central (Ascomepc), Adriana Kauer.
Um dos pontos que gerou mais contrariedade na minuta do edital era o que proibia a realizações de ritos religiosos. O Mercado é reconhecidamente um ponto de celebrações religiosas, principalmente das religiões de matriz africana, e conta com o Bará do Mercado. O Bará é um espaço na encruzilhada central, que se constitui como lugar de referência e onde ocorre uma manifestação religiosa denominada Passeio. O Bará consta no Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial da cidade. A prefeitura, por meio do secretário municipal de Parcerias Estratégicas, Thiago Ribeiro, garante que o artigo 15.5 do anexo III da minuta, que previa a não realização de atos religiosos, será alterado para garantir que as tradições possam ser mantidas. Além disso, a minuta do contrato também proíbe a realização de eventos de cunho político-partidário e sindical, o que também vai de encontro à tradição do Mercado.

'O permissionário se preocupa com a vida e a história do Mercado'

A possibilidade de que a "cara" do mercado mude a partir do momento em que uma empresa privada assuma a gestão do espaço preocupa os lojistas. Além de um centro comercial, o Mercado Público guarda consigo uma pulsante cultura que só existe ali e que, se não preservada, corre riscos. "O permissionário se preocupa com a manutenção não só dos equipamentos e da estrutura física, mas da vida e da história", aponta Adriana Kauer.
A associação tem se mobilizado para esclarecer pontos do edital e para ampliar o debate sobre a questão. Para Adriana, o fato de a minuta ter sido elaborada por uma empresa de Brasília especializada em shoppings centers é um indicativo do que pode acontecer. "Primeiramente, mercado não é shopping. Segundo, o mercado é de Porto Alegre, não de Brasília. Já ouvi pessoas dizendo que o Mercado precisa de um banho de loja, que precisamos trazer a classe A. Qual o custo disso? Temos lojas ícones, o Gambrinus, a Banca 40, a Banca do Holandês. Tenho orgulho deles. Mas também tenho orgulho da banquinha de frutas, da banca de ração, do rapaz dos aquários. Qual garantia temos de que um novo gestor não dirá que eles não são importantes? O Mercado é a soma de todas as lojas. O Mercado é público e se explica no próprio nome", ressalta.

A proposta da prefeitura

Segundo o modelo colocado em consulta pública, o contrato terá prazo de 25 anos com valor total de R$ 85 milhões em investimentos diretos e operacionais e outorga mínima inicial de R$ 28,1 milhões. Só nos primeiros três anos, deverão ser investidos R$ 41,5 milhões. Este valor deve ser aplicado em reformas para melhorias de drenagem, sanitários e fachada, além da iluminação interna e cênica externa, troca de rede elétrica e acessibilidade. O restante, R$ 43,5 milhões, será aplicado na gestão e manutenção do local durante os 25 anos de contrato.

MP de Contas pede que TCE inspecione processo de concessão

O Ministério Público de Contas (MPC), por meio do procurador-geral Geraldo Da Camino, solicitou ontem, ao Tribunal de Contas do Estado (TCE), a realização de uma inspeção especial no processo de concessão do Mercado Público. No documento, o MPC pede que sejam apurados 17 pontos.
Entre eles, está a não existência de uma lei municipal que regulamente a concessão de uso de bens públicos. O procurador-geral aponta o caso dos parques e praças da cidade, que possuem uma lei municipal específica para a concessão. "Verifica-se a necessidade de lei autorizativa à concessão de uso, que, no caso concreto, reconhece-se, em realidade, como concessão da gestão à iniciativa privada", afirma Da Camino no documento.
Outro ponto abordado pelo MPC diz respeito à estrutura física. O procurador destaca o tópico relativo às obrigações da empresa existente no termo de referência disponibilizado pela prefeitura. O texto diz que "a concessionária deverá analisar e poderá propor alterações no projeto arquitetônico" e que "na execução das obrigações atinentes à elaboração dos projetos e à execução de serviços de arquitetura e engenharia para demolição, reforma, restauro e construção de novos elementos na edificação, a concessionária deverá respeitar os parâmetros urbanísticos vigentes".
Conforme Da Camino, "verifica-se indicação a novos elementos na edificação e à execução de projetos para demolição" e que, nesse sentido, "dúvidas surgem sobre a viabilidade e abrangência no que se refere à adoção de medidas de demolição e de novos elementos na edificação que não conflitem com o tombamento do Mercado".
O pedido de inspeção engloba os anos de 2013 a 2019 e, segundo o MPC, se dá "diante de possibilidade de eventuais prejuízos ao interesse público".

Os pontos que o MPC pede para serem inspecionados

1. Verificação dos recursos disponíveis ao Mercado Público desde 2013, com a devida prestação de contas das reformas realizadas desde então
2. necessidade de observância à destinação e à finalidade do bem
3. necessidade de lei autorizativa para a concessão, anterior ao Edital de Concorrência, com a apresentação de requisitos legais a serem observados no certame;
4. atenção ao rol exemplificativo das atividades vedadas
5. vedação à concessionária de realizar ou permitir a realização de eventos de cunho político-partidário, sindical e cultos religiosos vai de encontro às tradições do Mercado Público, o que também pode implicar a sua desnaturação
6. inexistência de balizas e de aprofundamento quanto ao que vem a constituir "receitas acessórias"
7. necessidade de controle ativo das propostas de intervenção, com comissão composta por atores públicos e pela sociedade civil
8. viabilidade e abrangência de novos elementos na edificação e de projetos de demolição, que não conflitem com o tombamento do Mercado
9. identificação e aprofundamento quanto às obrigações e às responsabilidades do Executivo Municipal
10. verificação, em concreto, da inviabilidade de manutenção ou renovação de Termo de Permissão de Uso dos atuais permissionários, em que pese o direito de preferência
11. ausência de estabelecimento da faculdade de funcionamento por 24h aos locatários, havendo a determinação de que caberá à concessionária
12. necessidade de aprofundamento ou apresentação de justificativa técnica quanto ao prazo da concessão com avaliação dos riscos, para verificação da vantajosidade à Administração Pública
13. necessidade de aprofundamento quanto às diretrizes de exploração publicitária
14. ausência de modelagem quanto ao prazo das obras
15. não se verificam mecanismos ativos de fiscalização e instrumento de controle e gestão específicos que materializem as diretivas de Anticorrupção
16. necessidade de aprofundamento e menção ao IPTU em Relatório de Modelagem, no item referente aos tributos, uma vez que, tratando-se de atividade econômica com fins lucrativos, não cabe imunidade recíproca à empresa privada
17. aprofundamento quanto à impossibilidade de participação da Ascoemp e como se maneja atualmente o Funmercado, se há recursos disponíveis, e quais são as propostas atuais a respeito