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patrimônio histórico

- Publicada em 03 de Fevereiro de 2019 às 21:52

Um patrimônio do futuro a ser construído desde já

Concluído no fim dos anos 1960, Palácio da Justiça é marco da arquitetura modernista

Concluído no fim dos anos 1960, Palácio da Justiça é marco da arquitetura modernista


CLAITON DORNELLES /JC
Quando se fala em imóveis de interesse histórico, é imediato pensar em casarões de séculos passados, edifícios que remetem ao passado de Porto Alegre e que, em muitos casos, exigem restauração urgente para não desabar. No entanto, uma história arquitetônica mais recente também é história, e boa parte das estruturas protegidas pelo inventário da Capital são de tempos bem menos longínquos. Preservá-las, segundo nomes significativos da arquitetura gaúcha, vai além da simples funcionalidade presente: é uma forma de contar sobre a Porto Alegre de agora para os porto-alegrenses que virão.
Quando se fala em imóveis de interesse histórico, é imediato pensar em casarões de séculos passados, edifícios que remetem ao passado de Porto Alegre e que, em muitos casos, exigem restauração urgente para não desabar. No entanto, uma história arquitetônica mais recente também é história, e boa parte das estruturas protegidas pelo inventário da Capital são de tempos bem menos longínquos. Preservá-las, segundo nomes significativos da arquitetura gaúcha, vai além da simples funcionalidade presente: é uma forma de contar sobre a Porto Alegre de agora para os porto-alegrenses que virão.
As ruas e avenidas da Capital contam com várias importantes obras de arquitetura moderna, algumas entre as mais destacadas do País. Entre elas está o Palácio da Justiça, projetado pelos arquitetos Luís Fernando Corona e Carlos Maximiliano Fayet, e que, desde 1968, destaca-se na paisagem em torno da Praça da Matriz, no coração da cidade. Outros exemplos são as obras do uruguaio Román Fresnedo Siri, como o Edifício Esplanada, na Independência, e os pavilhões do Hipódromo do Cristal, considerados por especialistas de todo o mundo como uma obra-prima da arquitetura moderna sul-americana.
Boa parte das edificações destaques modernas de Porto Alegre responderam a necessidades específicas de terreno ou localização. Projetado pelo argentino Armando d'Ans e erguido em um terreno triangular, o Edifício Annes Dias, no Centro, foi concluído em 1955 e é considerado pioneiro pelo modo como aproveitou o pedaço de terra no qual foi erguido. No mesmo ano, o Edifício Armênia, na Mostardeiro, foi um dos primeiros a adotar caráter estritamente residencial, buscando soluções internas e de fachada para a desfavorável incidência de sol na região.
Um legado histórico, cultural e arquitetônico que não está sendo conservado como deveria, opina Maturino Luz, professor da Escola Politécnica da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (Pucrs). "Se a gente olhar para o Palácio da Justiça, para o (prédio da Fundação) Iberê Camargo, para a Ceasa... Que tratamento estamos dando a prédios daquele período?", indaga.
Como exemplo mais recente, ele cita o prédio da Secretaria Municipal de Obras e Viação, na Borges de Medeiros, erguido nos anos 1970 e considerado uma das principais obras daquela década. "Ele tinha que ser preservado, é representativo da arquitetura do século XX, uma das contribuições gaúchas para a nossa arquitetura moderna. E está lá, se deteriorando, ficando em péssimo estado de conservação. Tudo porque se pensa mais em demolir (prédios históricos) do que em preservar", lamenta.
Além do pouco cuidado na preservação da arquitetura moderna, há a questão de comportamento do mercado, diz o presidente do departamento gaúcho do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB-RS), Rafael Pavan dos Passos. "Estamos perdendo importantes exemplares da arquitetura residencial modernista dos anos 1950 a 1980. As construtoras compram pequenos terrenos residenciais, derrubam as casas e erguem novos empreendimentos no lugar. (Para derrubar) um prédio grande, essa conta não fecha, pelos custos envolvidos. Em casas menores, fecha", explica.

Para professor da Pucrs, falta produção de arquitetura de boa qualidade

Em terreno triangular, Edifício Annes Dias buscou soluções inovadoras

Em terreno triangular, Edifício Annes Dias buscou soluções inovadoras


MARIANA CARLESSO/JC
Pavan também atribui ao mercado da construção civil um outro problema: a pouca criatividade na maioria das construções das últimas décadas em Porto Alegre. Em uma lógica que não vê a arquitetura como cultura senão quando afastada no tempo, a mediocridade tornou-se regra, segundo ele - o que prejudica não apenas o aspecto estético, mas também a funcionalidade e a urbanidade das estruturas.
"Prédios altos, com problemas de habitabilidade, dificuldades de insolação e baixa circulação de ar, estreitos e compridos, com um tratamento de laterais terrível", enumera Pavan. "Se você for até a praça Dom Sebastião (na Independência) e olhar para o lado da Rodoviária, vai ver a Igreja (da Conceição) de um lado e uns paredões horrorosos do outro", lamenta.
"Muito pouco de boa arquitetura vem sendo realizado em nosso meio. Dá para contar nos dedos, são algumas agulhas no meio de um imenso palheiro. E tudo porque não existe uma preocupação com arquitetura enquanto cultura em nossa cidade. E isso não se refere somente à prefeitura", acentua Maturino Luz, da Pucrs.
Em tal cenário, a integração entre imóveis de séculos passados e as construções mais recentes não costuma ser das mais harmoniosas. Um problema que pode ser agravado a partir de eventuais mudanças na Lei de Inventário do município, segundo Tiago Holzmann da Silva, presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio Grande do Sul (CAU-RS).
"Os ambientes com maior quantidade de imóveis inventariados costumam ser os de maior qualidade urbana, e o mercado busca se apropriar disso para vender imóveis. Ou seja, o bem tombado valoriza o bairro, mas ele é demolido para novas edificações, que, na maioria das vezes, não têm a mesma qualidade arquitetônica e paisagística. É paradoxal", diz.
 

Investimento em qualidade arquitetônica está aumentando, diz presidente do CAU-RS

Construída em terreno de 3,5 metros, Casa Fatia é destaque recente

Construída em terreno de 3,5 metros, Casa Fatia é destaque recente


/CLAITON DORNELLES /JC
Mas nem tudo são críticas. Holzmann, do CAU-RS, se diz otimista com o futuro e identifica uma mudança no comportamento do mercado. "As incorporadoras e as construtoras perceberam que a qualidade da arquitetura valoriza o imóvel", argumenta. "Há até pouco tempo, quase todos eram praticamente caixotes, sem integração com o visual urbano, e vejo investimentos, inclusive de grandes construtoras, para mudar isso. Mas há um passivo enorme. Se demoliu muita coisa boa e se construiu muita coisa ruim no lugar."
Pavan, do IAB-RS, identifica arquitetura contemporânea de boa qualidade, em especial, no trabalho de pequenas construtoras - que "ouvem mais o arquiteto que o corretor imobiliário" na hora de projetar empreendimentos. Como exemplos, cita, entre outros, a chamada Casa Fatia, residência que ocupa 3,5 metros de terreno no Menino Deus, e o Edifício Península, erguido em local estreito e problemático na Rua dos Andradas. Essas obras, bem como lugares já icônicos, como a Fundação Iberê Camargo e o complexo Multipalco, estariam na frente da fila para futuras inclusões no inventário da cidade, defende.
Um passo importante para ampliar o valor imaterial de estruturas recentes seria, na visão de Pavan, evitar o uso de pregão na contratação de projetos pelo poder público. "São as instituições públicas, bem ou mal, que erguem prédios de natureza excepcional. O projeto arquitetônico é um serviço de natureza intelectual, não pode ser por pregão, isso está na lei. Essa prática avilta a profissão e gera projetos de menor qualidade", afirma.
"Se Porto Alegre quer ter futuro, ela tem que preservar os seus valores para se apresentar no futuro", acentua Maturino Luz. "Acho interessante que as pessoas viajam a Paris, Roma, Londres, cidades com estabelecidos critérios para bens de interesse cultural, e acham tudo maravilhoso. Mas Porto Alegre é a cidade onde se obtém lucro, aí a coisa muda de figura."