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Patrimônio histórico

- Publicada em 27 de Janeiro de 2019 às 01:00

A história de Porto Alegre em um copo de cerveja

Prédios que abrigaram produção de bebidas foram tombados em 1999

Prédios que abrigaram produção de bebidas foram tombados em 1999


/fotos MARCO QUINTANA/JC
Como tantas histórias de sucesso, a carreira cervejeira de Carlos Bopp começou quase ao acaso, nas últimas décadas do século XIX. Filho de imigrantes alemães, o funileiro casou-se com Maria Luiza Haertel, filha de um cervejeiro de Pelotas, e instalou uma fábrica de vidros e latarias na então Rua do Comércio, hoje Uruguai, no Centro de Porto Alegre. Um dos clientes de Bopp encomendou uma pequena caldeira, mas nunca voltou para buscá-la.
Como tantas histórias de sucesso, a carreira cervejeira de Carlos Bopp começou quase ao acaso, nas últimas décadas do século XIX. Filho de imigrantes alemães, o funileiro casou-se com Maria Luiza Haertel, filha de um cervejeiro de Pelotas, e instalou uma fábrica de vidros e latarias na então Rua do Comércio, hoje Uruguai, no Centro de Porto Alegre. Um dos clientes de Bopp encomendou uma pequena caldeira, mas nunca voltou para buscá-la.
Sem serventia para aquele objeto, e com poucas perspectivas de vendê-lo a alguma outra pessoa, a perspectiva de prejuízo era iminente. Até que Maria Luiza surgiu com a ideia: que tal usar a caldeira para fabricar cerveja?
Pode-se dizer que a sugestão foi das mais felizes. Após um período de produção em baixa escala, Bopp abriu uma fábrica na Voluntários da Pátria, em 1881 - transferida, cerca de cinco anos depois, para a Cristóvão Colombo. De acordo com relatório sobre o imóvel, produzido pelo historiador Gunter Axt e pela arquiteta Lídia Fabrício, o mercado cervejeiro da Capital era concorrido à época, com várias fábricas abertas na reta final do século XIX - algumas, como a de Guilherme Becker, funcionando a poucos metros da Bopp & Irmãos. Ainda assim, a indústria iniciada para aproveitar um tacho de metal destacou-se, prosperando a olhos vistos nos anos seguintes.
O prédio que hoje é um dos principais patrimônios arquitetônicos de Porto Alegre foi inaugurado em outubro de 1911. Projetado pelo conceituado arquiteto Theodor Wiederspahn, era, à época, o maior edifício de cimento armado em todo o País. Uma segunda etapa da construção seria concluída em 1914, dando ainda mais imponência ao conjunto.
As mesmas instalações seriam, a partir de 1924, ocupadas pela Cervejaria Continental, formada a partir da união da Bopp com as fábricas Sassen e Ritter. A fusão foi, até certo ponto, uma reação ao enfraquecimento do mercado cervejeiro local, pressionado por companhias de fora do Rio Grande do Sul.
Curiosamente, o fim da jornada da família Bopp no mundo da cerveja acabou sendo o ato final dessa disputa de mercado: adquirido pela gigante Brahma em 1946, o complexo da Continental seguiu atuando até 1998, quando a fábrica mudou-se para Viamão. Parte das estruturas originais haviam sido modificadas com o passar das décadas, mas o tombamento pela prefeitura, no ano seguinte, garantiu que pedaços das fachadas originais e algumas instalações fossem preservadas.

Shopping vê caráter histórico não apenas como responsabilidade, mas como diferencial

Antigo complexo cervejeiro (foto) mudou de dono, passando a ser ocupado pelo Shopping Total

Antigo complexo cervejeiro (foto) mudou de dono, passando a ser ocupado pelo Shopping Total


MARCO QUINTANA/JC
A partir de 2003, o antigo complexo cervejeiro mudou de dono, passando a ser ocupado pelo Shopping Total. O empreendimento busca integrar a história do complexo não apenas com as atividades típicas de um centro de compras, mas também com iniciativas culturais e de lazer. As intervenções foram conduzidas pelo arquiteto Analino Zorzi e entregues em 2004, atingindo cerca da metade dos 54,6 mil metros quadrados de área total do shopping.
"Não vemos o caráter histórico apenas como uma responsabilidade, mas como um diferencial", diz Silvia Rachewsky Lemos, gerente comercial e de marketing do Shopping Total. Segundo ela, as particularidades do conjunto permitem uma série de iniciativas de aproximação com a comunidade. As vias internas são tratadas como alamedas, para facilitar a orientação dentro do complexo, e dois largos funcionam como espaços de convivência.
A partir do dia 17 de fevereiro, no terceiro domingo de cada mês, será oferecido um conjunto de atividades especiais na área externa do shopping, envolvendo feiras de gibis e discos de vinil, tatuadores e exposição de carros antigos, entre outras. Outro projeto é o Piquete Total, que marca presença no período da Semana Farroupilha. 

Chaminé, caldeiras e até túneis fazem parte do complexo

Representado na fachada, elefante tornou-se símbolo da família Bopp

Representado na fachada, elefante tornou-se símbolo da família Bopp


MARCO QUINTANA/JC
Qualquer um que observe o conjunto arquitetônico da antiga cervejaria com olhares cuidadosos vai encontrar história em inúmeros detalhes. Além das fachadas de 1911 e 1914, são tombados o prédio das caldeiras e a chaminé de 85 metros de altura, construída de tijolos e visível de vários pontos do bairro Floresta.
O observador cuidadoso poderá notar também que a chaminé apresenta uma grande rachadura, que vai da base até o topo da estrutura. Como explica Silvia, o dano tem origem histórica. Ela foi posta em atividade um dia antes do previsto, sem que o período de secagem fosse respeitado, o que acabou rachando a estrutura de ponta a ponta. Para fazer o reparo, foi preciso encomendar do exterior caros agarradores de metal, que continuam visíveis na estrutura atual. No prédio que abriga a chaminé, funciona hoje a Cantina Famiglia Facin, plenamente integrada ao ambiente dos fornos originais.
No local, é possível também ter contato com um dos mistérios da Cervejaria Continental: os longos túneis que, para a população local, desembocam em galerias sombrias e chegariam até às margens Guaíba. A explicação para eles, porém, é mais prosaica: muito provavelmente, serviam para a canalização do vapor que abastecia as máquinas e para o deslocamento dos funcionários entre os diferentes edifícios.
Está nos planos da administração do Shopping Total a reabertura de parte dos túneis, que hoje precisam de reparos e limpeza. Quando funcional, a trilha permitirá ir até o Café Bela Vista, que funciona na construção que abrigou a caldeira e ainda apresenta várias características de época.
As fachadas, por sua vez, revelam uma série de esculturas, a maioria delas desenhadas em detalhes pelo próprio Theo Wiederspahn. Entre elas, destacam-se a estátua de Gambrinus, considerado o patrono da cerveja, e de Mercúrio, deus romano do comércio e dos viajantes, bem como várias imagens de animais, figuras em trajes alemães, barris de cerveja e alegres beberrões. Há também o chamativo elefante, que deu nome a uma famosa cerveja preta e foi adotado como uma espécie de símbolo da família. A imagem surgiu a partir de uma das frases de efeito de Carlos Bopp, que gostava de dizer que quem bebia cerveja ficava "forte como um elefante".