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saúde

- Publicada em 06 de Dezembro de 2018 às 08:30

Grupo de saúde que atua em Canoas e outros estados é acusado de fraude milionária

Uma das integrantes do Gamp foi presa em hotel em Porto Alegre na operação do Ministério Público

Uma das integrantes do Gamp foi presa em hotel em Porto Alegre na operação do Ministério Público


MP-RS/DIVULGAÇÃO/JC
Um dos maiores grupos privados de gestão de saúde em prefeituras no Rio Grande do Sul é alvo de megaoperação nesta quinta-feira (6) que aponta fraude milionária no uso de recursos públicos. Quatro prisões de pessoas ligadas ao Grupo de Apoio à Medicina Preventiva e à Saúde Pública (Gamp) foram feitas, duas delas em hotel de luxo em Porto Alegre de principais dirigentes do grupo.
Um dos maiores grupos privados de gestão de saúde em prefeituras no Rio Grande do Sul é alvo de megaoperação nesta quinta-feira (6) que aponta fraude milionária no uso de recursos públicos. Quatro prisões de pessoas ligadas ao Grupo de Apoio à Medicina Preventiva e à Saúde Pública (Gamp) foram feitas, duas delas em hotel de luxo em Porto Alegre de principais dirigentes do grupo.
A secretária da Saúde de Canoas, Rosa Groenwald, e seu adjunto Marcos Ferreira foram afastados por um período de 120 dias para a investigação do Ministério Público Estadual (MP-RS). Em entrevista na Rádio Gaúcha, integrante do MP-RS fiz que entre as prisões está a de Marcelo Bósio, que foi secretário da Saúde da cidade quando o Gamp foi contratado e hoje está na direção nacional do grupo, segundo o promotor.
O Gamp detém contratos de gestão e recebe recursos da prefeitura de Canoas. A organização assumiu em fim de 2016 os hospitais de Pronto Socorro de Canoas (HPSC), Universitário (HU), duas Unidades de Pronto Atendimento (Upas) e Centros de Atenção Psicossocial (Caps). O contrato para cinco anos prevê R$ 1 bilhão.
Entre as irregularidades estão, superfaturamento de medicamentos, uso de recursos públicos em gastos que não ligados à saúde. A Operação Mega-Sena, como foi apelidada pelos órgãos que a realizaram, ocorre  justamente em meio a uma forte crise na saúde da cidade, com atrasos em repasses de verbas pelo Estado aos hospitais, restrição em atendimentos e ameaça de paralisação de funcionários que estão com salários atrasados.  
A ação é liderada pelo Grupo de Atuação Especializada de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) – Núcleo Saúde,com Promotoria de Justiça de Canoas e o Tribunal de Contas do Rio Grande do Sul (TCE). Os promotores ingressaram com ação civil pública com pedido de liminar para afastar a diretoria do Gamp e para que a prefeitura faça intervenção nos hospitais e nas unidades administradas pelo grupo. A expectativa é que ainda nesta quinta a Justiça estadual em Canoas se manifeste. A ação busca ainda a extinção do Gamp.  
Segundo nota divulgada pelo Gaeco, o Gamp e outras 15 empresas tiveram decretada a suspensão da contratação com a prefeitura. O Gaeco cumpre ainda 70 mandados de busca e apreensão em quatro estados e em Porto Alegre, Gravataí e São Francisco de Paula. Outros locais são Balneário Camboriú (Santa Catarina), São Paulo, Cotia, Itatiba, São José dos Campos, Caieiras, Santa Isabel e Santo André (São Paulo), Rio de Janeiro e Belém e Altamira (Pará).
Foram detectados, entre as inúmeras irregularidades, o superfaturamento de medicamentos em até 17.000%, a utilização de laranjas e testas de ferro do chefe do esquema na direção do Gamp, a cooptação de agentes públicos, o desvio de dinheiro da saúde pública para os envolvidos na fraude, além do pagamento de viagens de férias pagas com dinheiro público da saúde de Canoas.
O MP afirmou que o "o Gamp, travestido de entidade assistencial sem fins lucrativos, se trata de uma típica organização criminosa voltada para a prática de inúmeros delitos, em especial peculato e lavagem de dinheiro, entre outras fraudes que esvaziam os cofres públicos".

O que a investigação mirou e apontou

O que é a Gamp e envolvimento com Canoas

O Gamp foi fundado em 2007 em assembleia em que figuravam um motorista semialfabetizado, que foi diretor-geral, e  na diretoria executiva estavam costureira, recepcionista, mestre de obras, ajudante geral, operadora de telemarketing, cozinheiro, estudante universitário (diretor-presidente), montador, manobrista e motoboy que residiam em Cotia, São Paulo, São Caetano do Sul, Unaí (MG), Taguatinga (DF) e Caucaia dos Altos (SP).
Canoas:
  • As investigações abrangem contratos assinados entre a prefeitura de Canoas e o Gamp em 28 de outubro de 2016. O grupo assumiu o gerenciamento assistencial, administrativo e financeiro do HPSC, HU, duas Upas e quatro Caps. O Grupo Mãe de Deus era o gestor anterior, entre 2011 e 2016.
  • Contratos com duração de 60 meses, com repasse mensal do município de R$ 16 milhões, sujeitos a reajuste. Em novembro de 2018, o valor é de cerca de R$ 23 milhões por mês.
  • As irregularidades
  • Superfaturamento de medicamentos e insumos e a simulação de compras para os hospitais. Um dos achados foi variação de 20% a 17.000% na compra de itens na comparação com a administração anterior dos hospitais e preços de mercado. 
  • Em diversos casos, as compras foram pagas, mas não foram entregues. Houve compras com valores superiores a R$ 500 mil.
  • Um caso de compra de medicamentos custou R$ 1,2 milhão. Se licitada, a aquisição custaria R$ 441 mil. Mesmo com valores maiores, há problemas recorrentes de falta de remédios e insumos nos dois hospitais.
  • O MP questionou o perfil de quem fundou o Gamp e as várias trocas no comando da ONG e suspeita de que atuassem como laranjas ou testas de ferro. Familiares do diretor-presidente estão em diversos postos da empresa ou são donos de empresas subcontratados pelo Gamp para prestar servidos às unidades de Canoas. 
  • O MP diz que a cooptação de secretários de saúde nos municípios em que o Gamp mantinha contratos era forma de agir da organização criminosa. Muitos destes secretários passaram a fazer parte do Grupo logo após deixarem as administrações municipais, diz o MP. Um dos casos é de Marcelo Bósio, que, como secretário da Saúde de Canoas (2013-2016), firmou o contrato com o Gamp. em fim de 2016. Bósio é hoje "controller nacional" do grupo. Ele assumiu no grupo um mês após deixar a administração municipal. Ele criou uma empresa que tem como sócia uma ocupante de cargo de confiança da pasta da Saúde. A empresa do ex-secretário foi contratada pelo Gamp e a sócia é membro do Conselho Executivo da entidade.
  • Outro caso é do secretário adjunto da Saúde de Canoas que foi exonerado em julho de 2017 e foi contratado pelo Gamp como diretor-administrativo do HPSC. Na prefeitura, o funcionário era responsável justamente por fiscalizar os serviços prestados pela instituição.
  • Investigações apontaram que quase todas as empresas fornecedoras de serviços e produtos para o Gamp têm como proprietários pessoas que fazem parte da própria instituição como conselheiros, diretores ou que desempenham funções administrativas no Grupo.
  • Desvios 1: o MP apontou desvios de recursos da prefeitura de Canoas destinados à saúde pública para contas bancárias de pessoas ligadas ao Gamp. Análise técnica do Laboratório de Tecnologia de Lavagem de Dinheiro do Núcleo de Inteligência do MP indicou que, de dezembro de 2016 até agora, a prefeitura transferiu R$ 426 milhões ao grupo privado. Deste valor, suspeita-se que pelo menos R$ 40 milhões foram desviados para contas pessoais de integrantes do esquema.
  • Desvios 2: o Gaeco Saúde aponta a destinação de valores a título de “custos indiretos”. Conforme levantamento do TCE, entre janeiro de 2017 e junho deste ano, o Gamp se apropriou de R$ 9,3 milhões sob essa justificativa. O TCE fez apontamento dessa irregularidade e o Grupo, então, apresentou justificativas que acabaram por reforçar a percepção das investigações de que havia clara intenção do desvio. Por exemplo, foram apresentadas notas fiscais emitidas todas no mesmo dia, muitas com a descrição de “assessoramento e apoio em projetos de gestão e saúde”, pagas diretamente para a conta do médico tido como o pivô do esquema. Essa descrição é justamente a natureza dos serviços para os quais o Gamp foi contratado e se disse qualificado para tanto e, nesse sentido, não poderia subcontratar.
  • Viagens: valores acima de R$ 486 mil foram gastos em dez meses com passagens aéreas, hospedagens e reembolsos em favor de uma empresa de turismo. Uma delas foi para um médico apontado como o chefe do esquema que foi hospedado em um hotel cinco estrelas no Leblon, no Rio de Janeiro. O sobrinho do médico teve pagas passagens aéreas para Maceió. Uma mulher, sem vinculação com a Gamp, ficou hospedada em um hotel à beira-mar em Fortaleza por quatro dias em alta temporada às custas das verbas da Saúde de Canoas. Além disso, mais de R$ 560 mil foram para a manutenção de outras sedes do Gamp que não em Canoas – um deles é uma instalação luxuosa num bairro nobre de São Paulo.