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Direitos humanos

- Publicada em 04 de Dezembro de 2018 às 22:09

Venezuelanos refazem suas vidas no Rio Grande do Sul

Em prédio alugado pela ONU, em Canoas, imigrantes recebem doações

Em prédio alugado pela ONU, em Canoas, imigrantes recebem doações


/MARCELO G. RIBEIRO/JC
Crianças brincando, casais conversando e as portas de alguns apartamentos abertas, para que mulheres fazendo o almoço participassem do papo: esse foi o cenário encontrado no maior abrigo do Brasil para venezuelanos, estabelecido no bairro São José, em Canoas. O semblante aliviado dos imigrantes atesta: o pior já passou. Depois de enfrentarem uma verdadeira corrida com obstáculos, entre ônibus, peregrinações e aviões das Força Aérea Brasileira (FAB), os refugiados começam, aos poucos, a refazer suas vidas. O país vizinho passa por grave crise humanitária e econômica.
Crianças brincando, casais conversando e as portas de alguns apartamentos abertas, para que mulheres fazendo o almoço participassem do papo: esse foi o cenário encontrado no maior abrigo do Brasil para venezuelanos, estabelecido no bairro São José, em Canoas. O semblante aliviado dos imigrantes atesta: o pior já passou. Depois de enfrentarem uma verdadeira corrida com obstáculos, entre ônibus, peregrinações e aviões das Força Aérea Brasileira (FAB), os refugiados começam, aos poucos, a refazer suas vidas. O país vizinho passa por grave crise humanitária e econômica.
O prédio no bairro São José foi alugado pela Organização das Nações Unidas (ONU) e possui três andares. Antigamente, funcionava no local um apart-hotel, o que faz com que a estrutura tenha 75 quartos. Todos têm banheiro e espaço para uma cozinha independente, com fogão, pia e geladeira. O terreno também conta com um anexo, onde as doações de alimentos, roupas e produtos de higiene são triadas.
Vindos de diferentes regiões da Venezuela, os 209 imigrantes abrigados no prédio precisaram pagar caro por passagens internas no país vizinho e caminhar durante horas ou até dias para atravessar a fronteira e entrar no Brasil, normalmente por Pacaraima, no estado de Roraima. Alguns moraram na rua por um tempo, até dar entrada formalmente no País junto ao governo federal. Depois de obter a documentação, muitos permaneciam em Pacaraima e outros enfrentavam mais 200 quilômetros até chegar a Boa Vista, capital do estado, onde a estrutura de acolhimento é melhor.
Além das dificuldades no percurso, os acolhidos percebem uma grande diferença no tratamento recebido em Roraima e no Rio Grande do Sul. "Os brasileiros de Boa Vista viam os venezuelanos como inimigos, já os do Rio Grande do Sul veem os venezuelanos como amigos, turistas. É diferente", resume o músico e socorrista Nelson Franceschi, de 23 anos. Ele e sua esposa já passaram por situações de xenofobia na capital roraimense.
Em Canoas, os acolhidos sentem que o clima é melhor do que no Norte do Brasil. Mesmo assim, o coordenador do abrigo, Antônio Donati, afirma que há, sim, preconceito contra os venezuelanos. "Um deles foi pedir emprego em um shopping e voltou chorando, porque disseram a ele que ali não empregavam pessoas de fora e que era para ele voltar para seu país", conta. Em 29 de novembro, havia 286 refugiados em Canoas e, desses, 103 já estavam empregados.
Em média, 800 venezuelanos chegam ao Brasil diariamente. Um total de 3.184 pessoas já foi levado de Roraima para outros estados. No Rio Grande do Sul, chegaram 734 até o final de novembro, sendo 305 para Canoas e o restante para Cachoeirinha, Chapada, Porto Alegre e Esteio.
A ONU aponta que quase 3 milhões de pessoas deixaram a Venezuela desde 2015, para fugir da hiperinflação, da pobreza, da falta de serviços públicos e da escassez de artigos básicos. Dessas, 2,4 milhões estão na América Latina e no Caribe e 85 mil pediram ingresso no Brasil. Em 2017, os venezuelanos representaram mais da metade dos pedidos de refúgio realizados no País, com 17.865 solicitações, de acordo com a Polícia Federal. Em 2018, até 22 de agosto, foram registradas 37.949. Segundo o Ministério da Justiça, o número de pessoas do país vizinho no Brasil, vivendo em situação irregular, é muito maior - somente no primeiro semestre de 2017, a estimativa é de que houvesse 30 mil venezuelanos em solo brasileiro.

Venezuelana está separada do filho desde os ataques a refugiados em Pacaraima, no final de agosto

No final de agosto, a Força Nacional chegou a ser chamada para reforçar a segurança nas ruas de Boa Vista e Pacaraima após ataques a acampamentos e a expulsão de venezuelanos. Em torno de 1,2 mil refugiados deixaram o Brasil depois dos ataques, ocorridos após um comerciante de Pacaraima dizer ter sido assaltado e agredido por venezuelanos.
O tumulto causou a separação da família da estudante Diana Valdiviezo, de 30 anos, que não vê seu filho de cinco anos, Argenis Leal, desde aquele dia. No momento dos ataques, Diana e sua irmã, Yailene Valdiviezo, de 36 anos, estavam dentro da barraca montada pelo governo brasileiro para dar entrada na documentação dos pedidos de refúgio, enquanto seu marido, o filho e o sobrinho aguardavam do lado de fora, com a bagagem do grupo. Por motivos de segurança, a entrada da barraca foi fechada por horas, e Diana e seu marido perderam contato. O esposo aceitou entrar em um ônibus de volta à Venezuela, para proteger as crianças. Atualmente, os três estão em Caracas, sem dinheiro para vir para o Brasil.
Quando Diana viu o alvoroço que se formou, com bombas sendo jogadas e pessoas correndo, ela e a irmã tentaram sair, para ir ao encontro da família. Porém, foram impedidas. "Ficamos lá dentro até que tudo se acalmou e fomos procurar meu marido e as crianças, mas só encontramos as bagagens totalmente quebradas", relata. Somente horas depois, quando foram levadas para o abrigo Rondon 1, em Boa Vista, foi disponibilizado um telefone e as irmãs souberam que o resto da família tinha atravessado a fronteira de volta.
Não há previsão de quando a família se reunirá novamente. Na Venezuela, segundo Diana, é difícil conseguir dinheiro até mesmo para comer, e obter uma passagem de Caracas a Pacaraima é quase impossível. Como o real está muito valorizado em relação ao bolívar (a cotação de ontem indicava que a moeda da Venezuela custava R$ 0,000015), a decisão foi ficar no Brasil, trabalhar, comprar a passagem para o marido de Diana, o filho e o sobrinho e, a distância, ajudar financeiramente os familiares que ficaram no país vizinho.
Apesar de serem quase graduadas em Enfermagem e Administração de Desastres (uma graduação existente na Venezuela para trabalhar em órgãos como Defesa Civil e Corpo de Bombeiros), as refugiadas procuram emprego em qualquer área. Ainda não sabem se será necessário obter dinheiro também para a passagem de avião, ou se a FAB trará o trio.
A decisão de sair da Venezuela não foi fácil. Primeiro, Diana precisou abandonar a faculdade, que concluiria neste mês, para ter dinheiro para levar o filho à escola. Trabalhou como cabeleireira, barbeira, em supermercados e lojas, mas mesmo assim o dinheiro não era suficiente. "Me custou muito, porque nunca tinha me separado do meu filho, mas era mais difícil ainda querer oferecer algo a ele e não poder. Eu podia dar amor, carinho e toda a atenção, mas não saúde, educação, comida", resume.
No Brasil, Diana já possui o cartão do Sistema Único de Saúde (SUS) e sabe que terá acesso aos mesmos serviços que os brasileiros, e que seu filho, quando vier, poderá estudar nas escolas da rede pública gratuitamente. Enquanto não arranja emprego, também receberá, pelo menos por seis meses, abrigo e comida de graça.

Jovem músico pretende virar trombonista da Ospa

Zara Rodriguez e Nelson Franceschi largaram tudo para vir para o Brasil

Zara Rodriguez e Nelson Franceschi largaram tudo para vir para o Brasil


/MARCELO G. RIBEIRO/JC
Nelson Franceschi, de apenas 23 anos, era socorrista e professor de trombone na Orquesta Sinfónica de Ciudad Bolívar. Mesmo assim, não conseguia pagar todas as contas e comprar comida. Além disso, fazia faculdade de Medicina, aspirando dar uma vida melhor à sua família. Quando soube que a esposa, Zara Rodriguez, de 25 anos, estava grávida, resolveu largar tudo e sair do país - os familiares de ambos juntaram as economias e compraram passagens para o casal até Boa Vista.
Nas costas, Franceschi carregava uma mochila com roupas, enquanto em uma das mãos segurava a mão da esposa e, na outra, seu trombone. Foi assim durante os três dias em que a dupla dormiu na rua, esperando sua vez de encaminhar a papelada para entrar no Brasil, e nos dois meses seguintes, quando foram acolhidos em um abrigo. "Eu tocava trombone nos semáforos e em feiras para conseguir dinheiro, mas os brasileiros não conhecem o que eu toco, que é salsa, merengue e música clássica, então foi muito difícil", recorda.
Como Zara está grávida, o casal teve prioridade na transferência para outro estado. Em Canoas, o músico espera retomar a faculdade e entrar na Orquestra Sinfônica de Porto Alegre (Ospa), onde, por ter visto temporário de dois anos no Brasil, pode almejar uma vaga. "Um dos requisitos era ter seu próprio instrumento. Felizmente, eu consegui trazer meu trombone até aqui", comemora. A ideia é se estabelecer em Canoas ou Porto Alegre e comprar passagens para os familiares saírem da Venezuela. "