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DE FRENTE PARA O GUAÍBA

- Publicada em 06 de Dezembro de 2018 às 23:05

Perder tudo nas cheias é rotina nas ilhas de Porto Alegre

Moradores do bairro Arquipélago precisam construir casas altas e comprar barcos e macacões de pescador

Moradores do bairro Arquipélago precisam construir casas altas e comprar barcos e macacões de pescador


MARCO QUINTANA/JC
Morar em uma ilha pode remeter a viver em um lugar tranquilo e bonito. Os moradores do bairro Arquipélago, composto por quatro ilhas pertencentes a Porto Alegre e localizado a seis quilômetros do Centro da cidade, de fato valorizam os encantos da região, mas têm sua atenção muito mais voltada para as condições climáticas. O motivo é a alta ocorrência de enchentes, que varrem ruas, estragam móveis, eletrodomésticos, causam doenças e matam animais que vivem por ali.
Morar em uma ilha pode remeter a viver em um lugar tranquilo e bonito. Os moradores do bairro Arquipélago, composto por quatro ilhas pertencentes a Porto Alegre e localizado a seis quilômetros do Centro da cidade, de fato valorizam os encantos da região, mas têm sua atenção muito mais voltada para as condições climáticas. O motivo é a alta ocorrência de enchentes, que varrem ruas, estragam móveis, eletrodomésticos, causam doenças e matam animais que vivem por ali.
A última intempérie grave foi em outubro de 2015, quando o nível do Guaíba atingiu 2,70 metros, cota que não era alcançada havia quase 50 anos. Centenas de pessoas precisaram sair de suas casas e recorrer a amigos, parentes ou abrigos públicos. Desde então, o macacão de pescador é item obrigatório nos pertences da comunidade local. 
A aposentada Maria Leda Lopes da Silva, de 55 anos, que mora na Ilha das Flores há dez anos, perdeu quase tudo em 2015. A situação agravou a depressão que já se apresentava antes e lhe levou a uma internação durante a enchente. "Eu tinha comprado guarda-roupas novos naquela época e todos empenaram. As prateleiras, portas e o fundo caíram", lamenta, ao mostrar à reportagem os móveis ainda funcionando com soluções improvisadas, como tijolos e cortinas tapando as roupas, mesmo três anos depois. A geladeira e o freezer foram colocados no forro do imóvel. Outros móveis foram salvos pelo apoio de um vizinho de frente, que tem um terreno mais alto do que o da aposentada.
Em 2018, a ajuda de vizinhos permitiu que Maria Leda erguesse a casa em mais um metro de altura, para amenizar os problemas em casos de cheias do Guaíba. A intervenção é um consolo para a aposentada, que não vê chance de se mudar para outro bairro. "Não tenho condições de sair daqui. O jeito é fazer o que dá", comenta. Além da presença da Defesa Civil nas ocasiões de cheias, Maria Leda critica a ausência do poder público no auxílio da comunidade para recuperar os pertences perdidos.
O aposentado Artur Francisco, de 63 anos, morador da Ilha do Pavão, construiu sua casa em uma área mais alta, para as enchentes não lhe causarem tantas perdas. Como vive nas ilhas desde criança, sabe melhor do que ninguém como lidar com as cheias - na sua casa sempre houve barco, por exemplo, que serve para circulação e também para ajudar os vizinhos nos momentos mais difíceis. Quando a água sobe demais, o jeito é se mudar temporariamente para a beira da BR-116.
Em 2015, Francisco enfrentava o tratamento de um câncer na garganta quando a cheia veio. "Normalmente, eu ficaria em casa para evitar que roubem minhas coisas, mas não pude ficar, por causa da doença", explica. Devido à baixa imunidade causada pela quimioterapia, precisou sair de sua casa e ir para a beira da estrada. O medo de saques durante as enchentes é compartilhado pela comunidade de modo geral, que, naquela época, muitas vezes se recusava a buscar outro abrigo, independentemente do perigo de contrair alguma doença pelo contato com a água.
A empregada doméstica Veronica Perini, de 63 anos, mora na Ilha das Flores há 32 anos. Diz que morar ali "é bom, mas não é". Gosta muito de sua vizinhança e da tranquilidade da região, mas em 2015 também teve problemas com a cheia - seu pátio, que nunca tinha alagado, de repente ficou cheio, com água na altura da cintura. Tinha acabado de finalizar com capricho a construção de uma casa pré-moldada, mais alta do que o nível do pátio e que custara muito dinheiro a ela e ao seu marido. "Destruiu meu piso novinho, que fizemos a muito custo. Até hoje tem buracos nele", se entristece ao lembrar. Mesmo com a enchente, Verônica ficou em casa, para evitar furtos, não sem antes comprar um macacão de pescador, para se proteger da água suja dos alagamentos.

Grupo de trabalho busca qualificar atendimento a ilhéus

A prefeitura de Porto Alegre conta com um Plano de Contingência de Enchentes, concluído em setembro de 2017 e atualizado em setembro de 2018. O plano aponta a região das ilhas como uma parte da cidade composta principalmente por pessoas de baixa renda. A estimativa é que em torno de 700 famílias sobrevivam da pesca e, por isso, não considerem deixar o local, apesar da infraestrutura deficiente do bairro, vulnerabilidades nos sistemas de drenagem e saneamento e condições precárias de muitas edificações, o que reduz as condições de enfrentamento de adversidades como as de uma enchente.
O plano prevê a necessidade de preparação para desastres, que compreende a atualização da legislação a respeito, a preparação de pessoal para essas situações e a interação com a comunidade, a educação e o treinamento de populações vulneráveis, a organização da cadeia de comando, das medidas de coordenação das operações e da logística em apoio às operações. Por isso, foi criado em janeiro um grupo de trabalho sobre o assunto, coordenado pela Secretaria Municipal de Segurança e constituído por uma Comissão Permanente de Atuação em Emergências, a Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE), o Corpo de Bombeiros Militar, a Brigada Militar e instituições de Ensino Superior interessadas.
No documento, foi calculado o grau de risco de cheias em cada parte das ilhas. Todas as regiões do Arquipélago estão sob risco, mas ele é mais alto nos lados Sul e Norte da Ilha do Pavão e no lado Norte da Ilha das Flores.