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Patrimônio Histórico

- Publicada em 02 de Dezembro de 2018 às 23:49

Pedaço da história mundial da música está prestes a desaparecer em Porto Alegre

Casarão restante da estrutura da antiga empresa está em ruínas, envolto por vegetação

Casarão restante da estrutura da antiga empresa está em ruínas, envolto por vegetação


CLAITON DORNELLES /JC
Houve um tempo em que o número 220 da rua Sergipe, no bairro Glória, em Porto Alegre, esteve no coração da música no Mercosul. Quem passa pelo local hoje em dia, porém, não pode sequer suspeitar da história que está do outro lado do muro.
Houve um tempo em que o número 220 da rua Sergipe, no bairro Glória, em Porto Alegre, esteve no coração da música no Mercosul. Quem passa pelo local hoje em dia, porém, não pode sequer suspeitar da história que está do outro lado do muro.
Em ruínas, coberto por vegetação e com pedaços de história espalhados pelo chão, o que resta da Casa Elétrica - segunda fábrica de discos do Brasil e uma das primeiras empresas de gravação e prensagem em todo o mundo - segue longe da mente e dos sentidos dos porto-alegrenses. Uma história que poderia encher a Capital de orgulho, mas que está prestes a virar escombros na Zona Sul.
Para quem observa da rua, o prédio que ainda sobrevive ficava à esquerda da estrutura original, e era destinado às gravações. À direita, erguia-se a estrutura para prensar os discos, e o anexo entre eles era usado para a fabricação dos gramofones. Tudo isso, é claro, só se percebe olhando registros históricos. Hoje, tudo que resta é um casarão de madeira e pedra, cercado por telas de arame.
Parte do telhado ameaça desabar, e a lira esculpida na fachada está quase totalmente encoberta pela vegetação. Paralelas às paredes da estrutura, algumas árvores parecem ter assumido função dupla: ao mesmo tempo que estragam os ornamentos originais, acabam servindo de escoramento para a estrutura, que não recebe qualquer tipo de restauro há várias décadas.
> Veja nas imagens como está hoje a Casa Elétrica:
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Primeiro tango prensado na América Latina saiu das instalações de Leonetti

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REPRODUÇÃO/A CASA ELÉCTRICA/JC
A Elétrica foi inaugurada pelo imigrante italiano Savério Leonetti em agosto de 1914. No ano seguinte, passou também a produzir gramofones, sendo a primeira a fabricá-los na América Latina. "Eram o que havia de mais avançado tecnologicamente. A fabricação deste material seria o equivalente aos smartphones de hoje", exemplifica Ricardo Eckert, um dos responsáveis pelo movimento Amigos da Casa Elétrica. "Porto Alegre foi, uma única vez (em sua história), uma das capitais mundiais da tecnologia."
O primeiro tango prensado na América Latina saiu das instalações de Leonetti: é a canção "El Chamuyo", gravado por Francisco Canaro em 1915. Na visão de Eckert e de outros defensores da restauração da casa, esse fato faz da Elétrica o único patrimônio histórico mundial de Porto Alegre. Pesquisas do tradicionalista Paixão Côrtes, que foi a fundo da história da Elétrica, mostram que o local pode ter sido também o responsável pelo primeiro samba gravado e prensado no Brasil: "Iaiá, me diga", da dupla Os Geraldos, em 1913.
Naqueles tempos, prensar um disco era uma epopeia. Após a gravação, era obtida uma matriz, que precisava ser enviada para a Europa ou para os Estados Unidos para a produção de cópias. O processo era caro, e muitas das primeiras gravações sul-americanas acabaram se perdendo pela escassez de exemplares. O tino empreendedor de Leonetti criou uma alternativa: mesmo os artistas de Buenos Aires, metrópole cultural da época, passaram a mandar suas gravações para prensagem na Capital. "(O edifício da) Casa Elétrica é importantíssimo, talvez não tanto como valor arquitetônico, mas como referência material", diz João de Los Santos, historiador ligado à Lumia - Consultoria e Pesquisa Histórica.
As cópias eram vendidas na loja A Eléctrica, no Centro. Ao todo, 362 títulos teriam sido editados pelo Disco Gaúcho, selo de Leonetti, antes de a empresa fechar as portas, em 1924. A saga chegou ao cinema em A Casa Elétrica (2012), longa de Gustavo Fogaça. 

Amigos da Casa Elétrica querem desapropriar terreno para bancar obra com venda de índices construtivos

Estimativa mais recente é de que reforma custe R$ 3 milhões

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CLAITON DORNELLES /JC
O terreno onde está a Casa Elétrica - e, em consequência, o próprio edifício - pertencia a uma empresa de instalações elétricas, que faliu em 1995. Desde então, é usada por um terceiro, que fez um acordo com o antigo proprietário e passou a guardar ônibus e vans no local. Mais de duas décadas depois, ele segue no espaço, mas foi orientado pela prefeitura a não colocar os pés dentro da casa: o piso de madeira está em péssimo estado, e qualquer passo em falso pode causar acidentes graves.
A Casa Elétrica é tombada pelo município desde 1996. Após longo processo judicial, o Executivo da cidade foi condenado, em segunda instância, a elaborar projeto e efetuar o restauro completo do imóvel. Em 2015, o valor orçado para a recuperação era de R$ 1,3 milhão - um montante que a prefeitura alegava, à época, simplesmente não ter em caixa.
Em junho deste ano, os Amigos da Casa Elétrica entregaram uma proposta à prefeitura. Seria possível, segundo eles, financiar a obra sem onerar os cofres públicos, a partir da desapropriação do terreno e da venda dos índices construtivos - que, no caso de imóveis tombados como patrimônio histórico, podem ser transferidos para outras regiões da cidade. O valor obtido em um leilão desses índices, diz Eckert, seria muito superior ao necessário para bancar as intervenções.
Segundo Eduardo Hahn, coordenador da Memória Cultural da Secretaria Municipal de Cultura, a prefeitura pode usar uma estratégia semelhante ao que se adotou na chamada Casa Azul, no Centro de Porto Alegre: obter a posse do imóvel na Justiça, passando, então, a buscar alternativas para financiar o restauro.
"Aí vem outro problema, porque a prefeitura não têm recursos. Temos um projeto, contratado pela coordenação, para recuperação e que está orçado em quase R$ 3 milhões. Não temos esse valor, tem que vir de algum lugar", diz ele, que acredita na busca de parcerias com a iniciativa privada para tentar devolver a Casa Elétrica aos porto-alegrenses.