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Meio ambiente

- Publicada em 10 de Setembro de 2018 às 22:15

Incertezas marcam 60 anos do Jardim Botânico

Exemplares ameaçados podem ser perdidos, dizem funcionários

Exemplares ameaçados podem ser perdidos, dizem funcionários


MARCO QUINTANA/JC
Considerado um dos cinco maiores do País, o Jardim Botânico de Porto Alegre chegou, ontem, aos 60 anos de existência, oscilando entre o reconhecimento de sua importância para a biodiversidade gaúcha e as incertezas sobre seu futuro. A Fundação Zoobotânica (FZB) - responsável também pelo Museu de Ciências Naturais e pelo Zoológico de Sapucaia do Sul - é uma das entidades alvo do processo de extinções aprovado no governo de José Ivo Sartori, e a Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Sema) pretende assumir ela mesma a gestão do espaço. Atualmente, a continuidade de boa parte das atividades da FZB está assegurada por força de decisão judicial.
Considerado um dos cinco maiores do País, o Jardim Botânico de Porto Alegre chegou, ontem, aos 60 anos de existência, oscilando entre o reconhecimento de sua importância para a biodiversidade gaúcha e as incertezas sobre seu futuro. A Fundação Zoobotânica (FZB) - responsável também pelo Museu de Ciências Naturais e pelo Zoológico de Sapucaia do Sul - é uma das entidades alvo do processo de extinções aprovado no governo de José Ivo Sartori, e a Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Sema) pretende assumir ela mesma a gestão do espaço. Atualmente, a continuidade de boa parte das atividades da FZB está assegurada por força de decisão judicial.
Aberto ao público em 10 de setembro de 1958, o espaço de 36 hectares é Patrimônio Cultural e Ambiental do Rio Grande do Sul, e tem papel fundamental na preservação da flora nativa, incluindo muitas plantas raras e ameaçadas de extinção. Abriga, também, coleções de sementes, plantas e animais, além de promover cultivo de mudas (que podem ser adquiridas no local), serpentário (único no Estado) e gerenciamento de planos de manejo para unidades de conservação, entre outras atividades.
Em janeiro deste ano, o juiz Eugênio Couto Terra, da 10ª Vara da Fazenda Pública do Foro Central, concedeu liminar requerida pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP-RS) impedindo que o governo se desfaça do patrimônio material do Jardim e do Museu, incluindo seu acervo. A decisão também impede que o Estado assine contratos com instituições terceiras até que a Sema apresente um plano detalhado para assumir as tarefas hoje exercidas pela FZB. Em abril, uma nova decisão proibiu o afastamento de técnicos e a extinção do CNPJ da fundação antes de o plano governamental ser divulgado e aprovado.
Uma das principais exigências do MP-RS envolve os critérios que colocam o espaço na Categoria A junto à Comissão Nacional de Jardins Botânicos. Entre eles está a preservação de um banco de sementes ativo, bem como a continuidade de atividades de pesquisa e divulgação científica. Caso essas exigências não sejam cumpridas, o Jardim Botânico da Capital pode perder a certificação, passando a ser um parque como qualquer outro, sem contribuição à preservação da biodiversidade e do patrimônio genético - justamente o cenário que o MP-RS deseja evitar.
De acordo com a titular da Sema, Ana Pellini, a ideia de passar a gestão à secretaria segue inalterada, mas "sem qualquer hipótese" de mudança no caráter do Jardim, incluindo sua extensão territorial. "Isso não pode e não vai acontecer", garante ela. "O Jardim Botânico vai continuar como sempre foi. O que estamos fazendo, no momento, é abrir novas possibilidades de visitação."
Entre essas mudanças, Ana cita uma parceria com a Quinta da Estância Grande, entidade ligada à educação ambiental, que promove visitas guiadas e aulas a céu aberto no local. Há, também, uma parceria em andamento com a Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (Pucrs), voltada a atividades de voluntariado. A ideia de buscar acordos com universidades para a manutenção de pesquisas hoje coordenadas pela FZB segue valendo, e o plano é que a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado (Fapergs) promova os editais, dentro das necessidades delimitadas pela Sema e com verba proveniente de medidas compensatórias.
"Muito da pesquisa que era produzida não estava exatamente vinculado à secretaria, o que a gente quer saber para aplicar na proteção ambiental", diz Ana. "Ninguém tem uma fundação de pesquisa no resto do País, e não quer dizer que (esses estados) não tenham pesquisa ambiental. Quem faz as pesquisas são as universidades. Isso aumenta a rede, as universidades ganham um fôlego financeiro, e garante que a pesquisa seja realizada para algo realmente necessário e útil para a questão ambiental."
 

Fim da Zoobotânica traria 'perda de memória', diz professor da Botânica da Ufrgs

A posição de Ana Pellini diverge do ponto de vista de boa fatia dos pesquisadores e nomes ligados à questão ambiental no Rio Grande do Sul. O processo de extinção da Fundação Zoobotânica é, para essas pessoas, um equívoco que pode comprometer pesquisas importantes para o Estado e o País, além de inviabilizar a manutenção do Jardim Botânico a médio prazo. No local, é feito o cultivo de vegetais estratégicos para o Estado, como erva-mate, além de espécies raras ou ameaçadas de araucárias, bromélias e cactáceas, entre outras.
Grupos ligados à defesa do meio ambiente e favoráveis à permanência da FZB promoveram, ontem, um ato na entrada do Jardim Botânico, denunciando problemas que podem levar, entre outras coisas, à perda de dez coleções, com 2.094 espécies raras. A extinção da FZB, segundo eles, também pode acarretar o encerramento definitivo de pesquisas, colocando em risco a certificação como Categoria A e a própria definição do espaço como jardim botânico.
Segundo funcionários da FZB ouvidos pela reportagem, há um processo de precarização em andamento, dificultando atividades como a coleta de sementes e a preservação de espécimes. Um programa de demissão voluntária teria reduzido o quadro, prejudicando, em especial, setores como o viveiro de plantas. "É o viveiro mais completo do Estado, com papel fundamental para fins de conservação. Hoje, são apenas dois funcionários cuidando dele", afirma Fernando Vargas, da seção de Educação Ambiental do Jardim Botânico.
"As nossas coleções eram consideradas as melhores do Brasil, mas estamos perdendo qualidade, pois não há manutenção de estruturas nem autorização para expedições a campo", afirma Andréia Maranhão Carneiro, curadora das coleções do Jardim Botânico de Porto Alegre. Segundo ela, a área onde ficam os cactus está sem telhado há anos, e as poucas manutenções são financiadas pelo MP-RS, e não pelos responsáveis pela FZB. "Vários exemplares de espécies raras e ameaçadas de extinção estão bastante atingidos por fungos - o que já imaginávamos, pois não temos mais agrônomo responsável pelas coleções. Muito provavelmente, vamos perder esses espécimes", lamenta.
A saída de profissionais antigos, muitos envolvidos há décadas com a área, acarreta uma "perda de memória", argumenta Paulo Brack, professor do Departamento de Botânica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) e defensor da continuidade da FZB. "Um terceirizado não tem a memória de onde buscar as sementes, por exemplo, o que dificulta muito as atividades de campo. É um conhecimento que não se ganha com um mero treinamento, e que se perde. Com o tempo, a Sema não vai ter funcionários capazes de absorver essas atividades e tocar o Jardim Botânico para frente", argumenta.
Ele lamenta o que descreve como uma "preocupação imediatista" do governo, e vê uma possível extinção como reflexo de uma visão que não enxerga o Jardim Botânico a partir de seu significado científico. "O governo não conhece, não tem dimensão do que o Jardim representa. Eles veem isso aqui apenas como um espaço bonito", dispara. "Isso aqui é um museu vivo, com uma importância estratégica. Precisa de técnicos e de investimento."