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DE FRENTE PARA O GUAÍBA

- Publicada em 03 de Agosto de 2018 às 01:00

No meio do caminho, há um muro


MARCO QUINTANA/JC
Imagine uma cheia do Guaíba que deixasse boa parte de Porto Alegre debaixo d'água. Uma enchente que interditasse a avenida Mauá e a da Legalidade e da Democracia, bloqueando importantes vias de acesso e forçando o aeroporto a fechar as portas. Que alagasse a maior parte dos prédios administrativos e fizesse vias do Centro que hoje cruzamos a pé, como a Andradas e a Uruguai, ficarem cobertas de água.
Imagine uma cheia do Guaíba que deixasse boa parte de Porto Alegre debaixo d'água. Uma enchente que interditasse a avenida Mauá e a da Legalidade e da Democracia, bloqueando importantes vias de acesso e forçando o aeroporto a fechar as portas. Que alagasse a maior parte dos prédios administrativos e fizesse vias do Centro que hoje cruzamos a pé, como a Andradas e a Uruguai, ficarem cobertas de água.
Pois essa enchente poderia ter acontecido há poucos anos, durante os alagamentos que assustaram Porto Alegre em outubro de 2015. Na ocasião, as águas do lago inundaram áreas como a praia de Ipanema, exigiram o acionamento de comportas e chegaram a lamber o muro da Mauá - símbolo, para o bem e para o mal, dos mecanismos de proteção da Capital contra situações como essa. Naqueles dias, declara Fernando Dornelles, professor do Núcleo de Estudos em Segurança Hídrica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), a cheia do Guaíba chegou a 2,94 metros - não muito abaixo de 1967, quando a cota de 3,13 metros foi atingida e boa parte da cidade ficou alagada.
O susto de 2015 acabou reforçando o argumento a favor da permanência do muro - que tem sido alvo de críticas praticamente desde a sua conclusão, em 1974. A estrutura, de 2,6 quilômetros de extensão, tem três metros acima do solo e três abaixo, e faz parte do chamado Sistema de Proteção Contra Cheias - um conjunto formado por casas de bombas, comportas e diques que se estendem por quase 70 quilômetros. As elevações de terreno em vias como Beira-Rio e Diário de Notícias, na Zona Sul da cidade, atendem não apenas a questões de mobilidade urbana, mas funcionam também como barreira para uma eventual subida das águas.
Stanley Amaral, chefe da sessão de projetos da Secretaria Municipal de Infraestrutura e Mobilidade, explica que o topo do muro está a 3,23 metros do nível da água - mesma cota de proteção oferecida pelos diques conjugados a algumas das principais avenidas da cidade. "Não havia como elevar uma via (no Centro de Porto Alegre), porque a cidade já estava toda construída ali", descreve.
Embora concluída poucos anos antes da cheia de 1967, o projeto que envolve o muro teve um disparador ainda mais dramático: a enchente de 1941, a maior já registrada na Capital. Na ocasião, a cota chegou a 4,75 metros. Só para comparação, uma pessoa com 1,80 de altura, encostada no muro da Mauá, ficaria com água na testa.

Técnico da prefeitura reforça a importância de preservar o muro

Conforme a prefeitura de Porto Alegre, o sistema do qual o muro faz parte será alvo de investimentos nos próximos meses. Na atual concepção da Secretaria Municipal de Serviços Urbanos, os diques e comportas são parte de um conjunto mais amplo, que inclui também as estruturas que combatem os alagamentos frequentes em algumas áreas da Capital. Recursos do governo federal, oriundos de programas como PAC Prevenção e Avançar Cidades, somam quase R$ 500 milhões. A previsão é que parte do montante seja direcionado a melhorias nas estruturas contra inundações - incluindo o muro, que precisa de reparos periódicos para ser útil na hora da verdade.
Marcos Goulart Machado, chefe do sistema de proteção contra cheias do município, garante que as comportas estão em bom estado e que eventuais problemas não comprometem o sistema. Em caso de mau funcionamento, seria possível fechá-las com uma retroescavadeira. "Mas o que é realmente importante é o muro. Com algum tempo disponível, teria como fazer a vedação de um espaço pequeno, com sacos de areia, mas não há como construir dois quilômetros de muro de uma hora para a outra", diz.
 

Para críticos, barreira deixa cidade feia e tem pouca utilidade

Embora a utilidade do modelo contra cheias de Porto Alegre não seja alvo de maiores críticas, não são poucas as vozes que se erguem, especificamente, contra o muro. As discordâncias têm muito a ver com o impacto estético, uma vez que a proteção bloqueia o acesso e a visualização do Guaíba, isolando a população. Mais do que proteção, a barreira afastaria Porto Alegre do lago, transformando em medo uma relação que deveria ser de proximidade e convivência. Mas há, também, argumentos de ordem técnica, relativos à baixa frequência com que o sistema de proteção é utilizado.
A situação poderia mudar com o projeto do Cais Mauá, que mantém o muro em pé, mas prevê soluções paisagísticas, como uma queda d'água e revestimento de vegetação. Não há, porém, definição sobre quando começarão a ocorrer.
O Sistema de Proteção Contra Cheias foi projetado para oferecer uma margem de segurança de cerca de um metro acima do nível da enchente de 1941 - um evento que, atualmente, conta com taxa de retorno estimada acima dos 300 anos. Maior volume registrado desde o final das obras, a cheia de outubro de 2015 não chegou a atingir de fato a cota do muro: foram as ondulações que fizeram uma fina lâmina de água chegar à barreira. Isso demonstraria, segundo os críticos, que eventos drásticos são pouco frequentes - e uma estrutura permanente não seria, portanto, a mais indicada para preveni-los.
Fernando Dornelles, da Ufrgs, reconhece que a falta de utilidade visível do sistema faz com que o discurso de derrubada ganhe força, mas adverte que o poder público costuma ser negligente com manutenções. "Uma estrutura móvel, por exemplo, teria que ser capaz de funcionar imediatamente. No Brasil, a conservação, infelizmente, não é feita com a seriedade necessária", adverte.