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Educação

- Publicada em 30 de Julho de 2018 às 22:30

Para professores, mudança na rotina prejudicou alunos

Projeto de robótica na Heitor Villa Lobos esteve perto de fechar este ano

Projeto de robótica na Heitor Villa Lobos esteve perto de fechar este ano


MARCELO G. RIBEIRO/JC
Em junho deste ano, alunos da Escola Municipal da Escola Fundamental (Emef) Heitor Villa Lobos, de Porto Alegre, conquistaram um prêmio na RoboCup, campeonato mundial de robótica educacional, disputado no Canadá. Uma alegria especial para uma escola localizada na Vila Mapa, no bairro Lomba do Pinheiro, uma das áreas mais carentes da cidade. Em funcionamento há 11 anos, o projeto esteve perto de fechar no começo de 2018 - uma situação que a professora Cristiane Pelisolli Cabral, que ministra as aulas, atribui à "imposição" de mudanças na dinâmica das aulas, promovida pela Secretaria Municipal de Educação (Smed).
Em junho deste ano, alunos da Escola Municipal da Escola Fundamental (Emef) Heitor Villa Lobos, de Porto Alegre, conquistaram um prêmio na RoboCup, campeonato mundial de robótica educacional, disputado no Canadá. Uma alegria especial para uma escola localizada na Vila Mapa, no bairro Lomba do Pinheiro, uma das áreas mais carentes da cidade. Em funcionamento há 11 anos, o projeto esteve perto de fechar no começo de 2018 - uma situação que a professora Cristiane Pelisolli Cabral, que ministra as aulas, atribui à "imposição" de mudanças na dinâmica das aulas, promovida pela Secretaria Municipal de Educação (Smed).
Até o ano passado, os estudantes podiam participar das aulas de robótica no contraturno, de forma opcional. Todos os alunos, a partir do quinto ano, podiam se inscrever nas atividades. A partir de 2018, a decisão da Smed foi de integrar os projetos ao currículo, fazendo com que fossem oferecidos a todos os estudantes matriculados no sétimo ano. "Se não forem integrados, os projetos vão fechar. Essa era a frase (da Smed)", garante Cristiane. O problema passou a ser gerenciar as limitações de espaço físico e de equipamento, já sensíveis quando as turmas eram menores - tudo dentro das limitações de tempo da própria professora, que reveza as atividades em sala de aula com um curso de doutorado.
A solução para que a oferta não fosse interrompida foi atender às quatro turmas em revezamento com a disciplina de Filosofia, que acontece no mesmo dia e horário. Isso permitiu dividir as turmas de 30 alunos em dois grupos de 15, que acabam fazendo as atividades de robótica de forma quinzenal. Assim, a mesma aula acaba sendo ministrada oito vezes, no período de duas semanas. "Deu meio certo", diz Cristiane, conformada. Alguns alunos de robótica, porém, acabaram tendo o aprendizado descontinuado: estudantes do quinto ano vão precisar esperar chegar até a sétima série para voltarem às lições.
As mudanças no modelo de oficinas e projetos sofrem influência das novas rotinas nas escolas municipais, que vêm sendo implementadas pela Smed desde o começo do ano passado. Na visão estratégica da pasta, o aumento na frequência da relação entre aluno e professor é visto como fundamental, bem como a presença do professor na mesma instituição de ensino pelo máximo de tempo possível. Isso acarretou mudanças, por exemplo, na chamada hora-atividade externa, quando docentes deixam de ir às escolas para preparar aulas ou dedicar-se a atividades de formação.
A partir do início do ano letivo de 2018, a Smed decidiu intensificar a fiscalização sobre as mudanças, e o período externo passou a ser exclusivo para professores em efetivo exercício da docência e com 40 horas semanais na mesma escola. Os demais precisam estar presentes cinco dias por semana, exercendo suas horas-atividade no próprio local de trabalho. Um ofício, de abril deste ano, reforça aos diretores que "a prioridade da alocação de professores é para o efetivo exercício da docência no ensino regular".
"Em nome de uma visão cartesiana, criou-se um caos desnecessário nas escolas, sem qualquer justificativa pedagógica", afirma Sinthia Santos Mayer, diretora da Associação dos Trabalhadores em Educação de Porto Alegre (Atempa). Segundo a visão da entidade, a alteração interfere diretamente no trabalho pedagógico, na medida em que o período semanal para discussão entre os professores, horário no qual os alunos eram dispensados, não é mais possível. "O currículo exige que a professora encontre suas colegas para planejarem juntas as atividades, de forma integrada. Agora, não sei mais o que a outra professora está fazendo, pois essa janela se perdeu", lamenta.

Atempa estima em mais de 600 docentes o déficit da rede

A diretora da Atempa, Sinthia Santos Mayer, garante que muitas escolas da rede municipal estão fechando turmas de turno integral, pela incapacidade de conciliar a oferta de oficinas e projetos com as carências no quadro e a necessidade de atender às novas exigências trazidas pela prefeitura. Com a falta de concursos públicos, as aposentadorias acabam não sendo repostas por novas profissionais, o que amplia o déficit. No cálculo da entidade, faltam mais de 600 professores para equilibrar a oferta nas salas de aula do município.
Segundo a Atempa, a escola João Mariano Beck, no Jardim Carvalho, que também oferecia oficina de robótica entre suas atividades, não conseguiu adaptar os recursos disponíveis às novas exigências e não está oferecendo mais as aulas. "Todas as escolas (com aulas de robótica) tiveram perdas de projeto", lamenta Sinthia. O Laboratório de Inteligência do Ambiente Urbano (Liau), projeto que estimula o aprendizado sobre meio ambiente a partir de atividades comunitárias, estaria sendo descontinuado, e a oferta de aulas de música, teatro e voleibol também perdeu força em várias unidades.
A Smed vê a questão de forma distinta. De acordo com o secretário Adriano Naves de Brito, as mudanças buscam garantir que as atividades complementares tenham uma orientação pedagógica condizente e complementar ao turno regular. Assim, o aluno não pode mais atender a aulas esporádicas, precisando frequentar todas as disciplinas ofertadas no turno integral. As escolas, por seu turno, têm obrigação de garantir, ao menos, as atividades no horário regular, com gerenciamento dos recursos ficando a cargo dos diretores de cada unidade.

Concentrar atividades do turno regular é prioridade, diz Smed

"Há várias razões para essa mudança (exigir que o aluno cumpra todas as atividades ofertadas em turno integral)", aponta Adriano Naves de Brito, titular da Smed. Além de tentar garantir que as atividades em turno inverso tragam consequências pedagógicas para o aluno, existe um aspecto financeiro: se aluno faz só uma ou duas atividades, não cumpre as sete horas diárias estabelecidas pelo Ministério da Educação, e o município não recebe os recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb).
Nas escolas onde o turno integral ainda é oferecido, as aulas precisam levar em conta quatro eixos de ensino: numeramento, letramento, iniciação científica e formação do sensível. As atividades em turno inverso estariam ficando, cada vez mais, a cargo de entidades parceiras, que cumpririam diretrizes delimitadas pela Smed. Em escolas como a Villa Lobos, as atividades extras são colocadas dentro do currículo - com os mais destacados compondo, posteriormente, a Equipe Lobóticos, que representa o colégio em competições de robótica. "Todos precisam ter a oportunidade de fazer. Antes, essas horas não entravam no histórico escolar. Não limitamos os projetos, mas a prioridade (na alocação de recursos humanos) tem que ser do turno regular", reforça.
A implementação da nova rotina nas escolas municipais está, segundo Naves, encerrada desde abril deste ano. "Agora, é a prática. O diretor precisa se acostumar a ter os professores à sua disposição, a orientar essa hora-atividade de modo que ela se adapte a alguma necessidade eventual da escola", diz. Segundo ele, quando se compara o número de professores com o de turmas, não faltariam docentes em quase nenhuma disciplina.
"O que ocorria, por exemplo, era termos vários professores dando poucos projetos, para poucos alunos, e uma disciplina de Ciências ou Matemática sem professor nenhum", argumenta. A ausência efetiva de professores, afirma, é influenciada também pelo alto número de licenças por motivos de saúde, além de aposentadorias. Em julho, a prefeitura de Porto Alegre abriu concurso público para professores de Educação Infantil e anos iniciais, com inscrições até o próximo dia 7 de agosto.