Corrigir texto

Se você encontrou algum erro nesta notícia, por favor preencha o formulário abaixo e clique em enviar. Este formulário destina-se somente à comunicação de erros.

Esportes

- Publicada em 20 de Novembro de 2019 às 11:26

'É preciso colocar o debate do racismo em campo e que não saia mais', diz defensora sobre ação no futebol

'Enxergamos no futebol espaço para fazer enfrentamento e ampliar a comunicação sobre o racismo'

'Enxergamos no futebol espaço para fazer enfrentamento e ampliar a comunicação sobre o racismo'


RITA DE OLIVEIRA/ARQUIVO PESSOAL/JC
Patrícia Comunello
A cooperação que a Defensoria Pública da União (DPU) está prestes a selar com o Grêmio para implantar um laboratório de práticas antirracistas no futebol atende a um anseio de uma das fomentadoras da iniciativa. A defensora pública e coordenadora do Grupo de Trabalho de Políticas Etnorraciais da DPU, Rita de Oliveira, destaca que a abertura do Tricolor para firmar o protocolo de intenções, que será o documento a ser assinado no começo de dezembro, é um passo importante para "colocar o debate do racismo dentro de campo e que ele não saia mais".
A cooperação que a Defensoria Pública da União (DPU) está prestes a selar com o Grêmio para implantar um laboratório de práticas antirracistas no futebol atende a um anseio de uma das fomentadoras da iniciativa. A defensora pública e coordenadora do Grupo de Trabalho de Políticas Etnorraciais da DPU, Rita de Oliveira, destaca que a abertura do Tricolor para firmar o protocolo de intenções, que será o documento a ser assinado no começo de dezembro, é um passo importante para "colocar o debate do racismo dentro de campo e que ele não saia mais".
Em entrevista ao Jornal do Comércio, Rita, que atua na sede da DPU em Curitiba, no Paraná, falou que as ações poderão ser um marco na forma de encarar essa chaga que se acentua, ou por casos ou por falta de efetividade de medidas. Um dos apoiadores na iniciativa será o Observatório da Discriminação Racial no Futebol, que tem sede em Porto Alegre e que monitora os casos nos estádios e em canais como as redes sociais.
A seguir, Rita detalha pontos da cooperação e dá a real de como o tema deve ser escalado no universo do futebol, para servir de eco para outros ambientes extra campo. “A gente enxergou no futebol um espaço para fazer um enfrentamento mais efetivo e para ampliar a comunicação sobre o racismo”.
Jornal do Comércio - O que é o acordo entre a DPU e o Grêmio?
Rita de Oliveira - O termo de cooperação prevê um laboratório experimental no Grêmio de práticas antirracistas no futebol. O clube foi escolhido pelo fato de ter um histórico de casos emblemáticos, seja por ter realmente acontecido casos de racismo ou porque houve algum tipo de incompreensão da situação. No primeiro contato, tivemos uma abertura do clube, que já vinha conversando sobre fazer algo internamente, o que casou com a nossa intenção. O grupo de defensores que atua com o tema não é muito grande. Não queremos fazer campanhas, que são mais efêmeras e que não sedimentam um caminho de práticas antirracistas mais consolidado.
JC - O foco será somente o racismo?
Rita - O foco será o racismo, pois o grupo que vai atuar abrange políticas etno-raciais. Realmente, estamos mais focados no racismo, pois é uma ferida mais antiga, mais exposta, muito difícil de ser resolvida. Temos alguns gargalos que acabam centralizando essa discussão no futebol de uma maneira ineficaz. Mas sabemos que esta ação (com o Grêmio) vai abrir a porta para outras práticas que trabalham intolerâncias correlatas, como homofobia, misogenia e xenofobia.
JC - O que o termo de cooperação vai prever e como vai funcionar o laboratório?
Rita - O termo já está alinhado, já nos reunimos duas vezes para discutir as cláusulas. O documento já foi levado à presidência e ao conselho do clube. Vamos ter um ato de assinatura no começo de dezembro. O termo prevê uma série de práticas que o clube tem de implementar, sinalizando a intenção realmente de se tornar um clube que executa ações antirracistas. A DPU vai atuar não só chancelando o termo, mas auxiliando o clube a executar essas práticas. A primeira ação de capacitação a ser feita é o Fórum de Discussão de Práticas Antirracistas, que faremos no começo de 2020. No final do fórum, faremos um relatório para encaminhar outras práticas que estarão previstas na cooperação. No dia da assinatura do protocolo, vamos anunciar a data do fórum.
JC - Quem poderá participar do fórum e já há nomes que devem participar?
Rita - A gente quer fazer o mais aberto possível. O ideal é que congregue pessoas do mundo do futebol, militantes do movimento negro que têm interesse na temática, pesquisadores, área do direito. Todos que estiverem envolvidos na luta antirracista podem participar. Ainda não fizemos convites, mas temos alguns nomes, tanto de atletas, advogados, ativistas e até historiadores.
JC - O Roger Machado, até pela recentes manifestações, será um dos nomes?
Rita - Vou dar um spoiler e, sim, ele está na nossa lista. Ele deu uma declaração muito importante e muito sensorial da questão do racismo estrutural e achamos que é importante que ele repercuta mais.
JC - A ideia é mostrar que o racismo vivenciado dentro dos estádios não é um problema só do futebol?
Rita - Sem dúvida. Uma coisa que deixei bem claro para o clube e, que felizmente, foi bem aceita, é que a gente precisa fazer um trabalho de base. Não pode ser apenas campanhas pontuais ou microações de inclusão. Precisamos abranger o universo de dinâmicas institucionais do clube e também sobre o posicionamento em relação ao racismo estrutural. O clube precisa melhorar a comunicação com o torcedor, para que ele compreenda que tem responsabilidade com essa luta antirracista.
JC - A abertura de clubes é maior, pois se tem o negro como um protagonista, ao menos dentro das quatro linhas, ou ainda se encara o tema de forma limitada mesmo neste ambiente?
Rita - Tem uma confluência de fatores que não podemos ignorar. Tem o aspecto punitivista da Fifa, que está muito mais evidenciada e é uma medida importante, pois não podemos abrir mão de sanções para enfrentar o racismo. Mas o fato de a federação internacional ter se posicionado é efeito de um movimento social que cobra uma postura mais rígida. De alguma forma, ecoa na sociedade, neste momento, uma cobrança maior de diversos setores para que se tenha posicionamentos mais firmes. O fato de o negro ser um protagonista do futebol e ser um componente na relação capital-trabalho também influencia bastante. Tudo isso favorece para que o debate seja pautado. Outra razão também é que os clubes sabem que estas ações representam um investimento que precisa ser feito. Pelo rumo que as coisas estão tomando, o clube que não encarar essa responsabilidade assume riscos de ter prejuízos, não só financeiros, mas sociais, que são muito grandes. Outro aspecto que coloca em pauta as ações é que há um crescimento do movimento negro, e o tema também ganha adesão em redes sociais, que expõem os casos. O trabalho do Observatório cresce e, quando os fatos de racismo chegam às redes, ganham uma dimensão muito maior, o que prejudica todo mundo. Os clubes historicamente não estão preparados para lidar com isso. Por isso, a fala do Roger ecoa de uma forma tão positiva, pois ele deu uma demonstração de compreensão da dinâmica estrutural do racismo que não se vê praticamente em lugar nenhum lugar no universo do futebol. O que domina é enxergar como uma manifestação comportamental, de preconceito, de discriminação individual. Não se observa a responsabilidade coletiva do universo do futebol em relação a uma dinâmica que é de toda a sociedade e que se reflete, de uma maneira muito violenta e dissimulada, no ambiente do futebol.
JC - Um aspecto que o Roger citou é que existem apenas dois treinadores negros na divisão principal do futebol brasileiro. Se olharmos os níveis de direção dos clubes, há pouca presença também. Esse aspecto também deve ser enfrentado para se ter mais eficácia das práticas?
Rita - Esse é um tema que precisa ser colocado, mas vamos ter de entender melhor como se dá a dinâmica de acesso a esses espaços dentro dos clubes, talvez discutindo normas que democratizem o acesso, inclusive instrumentos como as cotas. É um ponto a ser discutido, mas não é o que vamos colocar em debate nesse momento. Estamos entrando em um universo que sempre encarou as manifestações de racismo como situações individuais, como de brincadeira ou exaltação natural do ambiente esportivo. Para irmos fissurando essas estruturas que se forjaram no futebol, permitindo que essas práticas fossem naturalizadas, precisamos negociar espaços de discussão para ir pontuando essas mudanças de dinâmicas e estruturas, mas sabemos que é um passo de cada vez. Não posso ter a pretensão de que é assinando um protocolo com um clube que vou resolver um problema histórico como esse. Essa abertura e este passo com o Grêmio é importante para realmente colocar o debate dentro de campo e que ele não saia mais. Queremos passar da fase de campanhas, que geram mobilização e repercussão nas redes sociais e, depois de alguns dias, ninguém fala mais, até que surja um novo caso de racismo.
JC - Quais são as medidas que o protocolo vai prever?
Rita - Estamos basicamente propondo ações que envolvam uma colaboração maior do clube na vigilância dos estádios, que já é uma medida adotada pela Fifa, para identificar agressores. Há o compromisso de prever dispositivos no estatuto que mudem a dinâmica do clube, buscando ser mais inclusivo, contemplando mais a diversidade, para que seja um promotor de políticas internas antirracistas. Também vai buscar comunicações mais eficientes com os torcedores.
JC - O Grêmio se compromete a inserir mudança no estatuto?
Rita - Uma das cláusulas preveem que o clube vai implementar no estatuto medidas mais claras, incluindo punições, atividades e abertura para ter composição mais diversa.
JC - Há mais clubes adotando medidas como essa?
Rita - Esse laboratório é inédito para a defensoria no Brasil. Defensores tiveram um preparo para ingressar nesse universo. A gente enxergou no futebol um espaço para fazer um enfrentamento mais efetivo e para ampliar a comunicação sobre o racismo. Da mesma forma que o futebol pode ser visto como um ambiente onde práticas racistas podem ser dissimuladas e com dificuldades de enfrentamento, porque as atitudes acabam se dissipando na torcida, no ambiente esportivo, se a gente conseguir um comprometimento dos atores deste universo, vamos comunicar com muito mais pessoas e, de uma maneira mais positiva, para agregar na luta contra o racismo.
JC - Se outros clubes se interessarem em adotar as medidas, é possível ampliar a ação?
Rita - Se tiver mais clubes interessados, temos todo o interesse em ampliar o debate e a luta com o maior número de parceiros possíveis. Mas vamos agregar outros participantes de maneira responsável para se ter uma prática efetiva e não apenas uma ação de marketing para alguém dizer que está fazendo algo.
Conteúdo Publicitário
Leia também
Comentários CORRIGIR TEXTO