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reportagem cultural

- Publicada em 02 de Junho de 2022 às 18:06

Eleonora Rizzo, uma mulher das massas, marcou época na gastronomia da Capital

Responsável por espaços icônicos como Birra &Pasta, Al Dente e Il Gattopardo, Eleonora Rizzo transformou o lazer em meio de vida

Responsável por espaços icônicos como Birra &Pasta, Al Dente e Il Gattopardo, Eleonora Rizzo transformou o lazer em meio de vida


LUIZA PRADO/JC
Durante anos, Eleonora Rizzo foi sinônimo de restaurante italiano em Porto Alegre. Em determinado momento, lá pela segunda metade dos anos 90, três das cantinas mais importantes da cidade - Birra & Pasta, Il Gattopardo e Al Dente - estavam sob o seu comando. Nada mais natural para essa gringa de Caxias do Sul, criada entre spaghettis, tortéis, raviolis e galetos, e que na idade adulta conseguiu transformar o lazer em meio de vida.
Durante anos, Eleonora Rizzo foi sinônimo de restaurante italiano em Porto Alegre. Em determinado momento, lá pela segunda metade dos anos 90, três das cantinas mais importantes da cidade - Birra & Pasta, Il Gattopardo e Al Dente - estavam sob o seu comando. Nada mais natural para essa gringa de Caxias do Sul, criada entre spaghettis, tortéis, raviolis e galetos, e que na idade adulta conseguiu transformar o lazer em meio de vida.
Filha do empresário Nestor Rizzo - homem de vários talentos, entre eles o de colocar no ar a primeira emissora de TV na cidade serrana e de ter sido um dos primeiros sócios de Maurício Sirotsky Sobrinho - Eleonora é a filha temporona, nascida em setembro de 1957. Criada entre câmeras e microfones, Eleonora enveredou pela comunicação. Veio para Porto Alegre no final dos anos 1970, entrou na faculdade de Jornalismo e começou a se enturmar com um pessoal que incluía a futura apresentadora Cláudia Nocchi e o ator Zeca Kiechaloski.
Formada, o caminho seria a RBS, rede de comunicação comandada pelo amigo do pai. Porém, antes disso, Eleonora fez uma parada na Rádio Continental, então a emissora jovem mais importante do Rio Grande do Sul. Ali, Eleonora foi repórter do Opinião Jovem, programa que tinha à frente os comunicadores Clóvis Duarte e José Fogaça. Cobrindo da cena artística às coletivas de imprensa na prefeitura, Eleonora ficou na emissora por um curto tempo até ser demitida. Arrasada, tentou se recuperar em Caxias, porém, não deu certo: sentia saudade de Porto Alegre. Foi salva por um telefonema de Carlos Fehlberg, então editor-chefe de Zero Hora, que a convidou para vir trabalhar na empresa. Aceitou na hora, sem saber muito ao certo qual seria a função. Embarcou no seu Fiat e desceu a Serra para nunca mais deixar a cidade que escolheu como sua. Em dezembro de 1979, Eleonora Rizzo já podia dizer: "Virei uma porto-alegrense apaixonada".
Os dez anos na redação de jornal foram seu curso de pós-graduação em convívio com as mais diferentes turmas e no gosto pela noite. Circulando entre as editorias, Eleonora era a "chamadinha", apelido dado pelo jornalista Flávio Dutra pelo fato de ela ficar zanzando pelas mesas em busca de manchetes que pudessem ser usadas na rádio e na TV. Eleonora era chefiada pelo chargista Marco Aurélio e, além dos contemporâneos que já conhecia de faculdade, ela ficou próxima de veteranos como Lauro Schirmer, Célia Ribeiro - "eles me adotaram desde o primeiro momento" -, Carlos Nobre, Pilla Vares, Roberto Gigante, Paulo Sant'Ana, Marcos Dvoskin, Fernando Ernesto Corrêa e uma figura importantíssima na vida de Eleonora pelos próximos anos: Tatata Pimentel.
O jornal era uma festa. No fim da tarde, a redação ficava quase vazia. Muitos iam para o Porta Larga, bar grudado ao prédio da empresa onde se davam as primeiras reuniões de pauta. Apesar do clima efervescente, Eleonora foi cansando e, ao completar dez anos na empresa, concluiu que deveria mudar. Precisava de algo mais calmo. Em 1988, sua irmã Ana, então proprietária de uma agência de turismo, e o amigo Pedro Hoffmann, também ligado à área, envolveram-se num projeto para criar um restaurante italiano em Porto Alegre. Eleonora se juntou a eles e começou a escrever seu nome na gastronomia e na noite da capital gaúcha.

Primo piatto

Eleonora Rizzo deixou de lado o jornalismo para capitanear restaurantes de sucesso na gastronomia da Capital

Eleonora Rizzo deixou de lado o jornalismo para capitanear restaurantes de sucesso na gastronomia da Capital


/LUIZA PRADO/JC
O primeiro passo de Eleonora Rizzo na nova atividade foi alugar uma casa na Rua Mata Bacelar, no bairro Auxiliadora. No local seria montada uma cantina com onze mesas e - a grande atração da casa - uma vitrine onde se via a massa ser produzida. Era uma butique gastronômica. O Al Dente surgiu timidamente, tanto que seus sócios mantiveram os antigos empregos. "Tínhamos perspectivas modestas. Era preciso começar devagarinho e ver no que resultaria. E foi uma loucura. No terceiro ou quarto mês, o restaurante bombava. Eu corria do jornal para o restaurante e vice-versa". A solução foi, em março de 1989, abandonar a Zero Hora e se dedicar com exclusividade ao novo projeto.
Na nova função, Eleonora teve de aprender tudo sobre o negócio. Questões burocráticas como compras de alimentos, negociações com fornecedores, administração do caixa, acertos de horários com os garçons, limpeza do salão e organização da cozinha se misturavam com aspectos mais mundanos: toda noite era preciso estar a postos, com alegria e animação, para receber os clientes. Como o Al Dente estava indo muito bem, os sócios resolveram explorar um novo endereço, a meia quadra dali, e montar uma delicatessen chamada Magazino Al Dente. A proposta não vingou e, poucos dias depois, o lugar foi transformado num bar, o Red Point que logo seria rebatizado de 720.
Foi no 720 que o empresário Marcos Dvoskin propôs à Eleonora: ela aceitaria abrir um restaurante no novo shopping que seria inaugurado naquele ano de 1992, o Praia de Belas? Começava a nascer o maior empreendimento de Eleonora: o Birra & Pasta. "Trabalhar em um restaurante tem muito a ver com trabalhar em um jornal: todo dia começa tudo de novo. Não tem trabalho finalizado. Tem que ser bom - ou pelo menos na média - sempre".
 

Cerveja e massas

Eleonora Rizzo, Felicinho Santos, Tânia Carvalho e Zeca Kiechaloski

Eleonora Rizzo, Felicinho Santos, Tânia Carvalho e Zeca Kiechaloski


/ACERVO PESSOAL ELEONORA RIZZO/REPRODUÇÃO/JC
O espaço tinha 400 metros quadrados, com vários níveis e enormes janelas. "Ficou super Nova York", dizia Tatata, o mais presente e o mais conhecido entre os clientes. Tatata era uma entre as centenas de pessoas que passavam diariamente pelo local, tanto para almoçar, quanto para jantar - ou simplesmente para ver o que acontecia. Eleonora saía do acanhamento e do intimismo das 11 mesas para um megaespaço quase seis vezes maior. À frente de um time maior, formado depois de exigente seleção, Eleonora deveria comandar agora um projeto bem mais audacioso. Não teve tempo de se preparar muito, tendo que aprender à medida que os fatos iam se acumulando. Foi uma loucura desde o dia da inauguração, em abril de 1993, e um sucesso instantâneo. "Me candidatei a uma vaga quando o restaurante nem tinha aberto", conta Maria Alice Cirne Lima. "Fui selecionada e tudo foi tão veloz que em dois meses eu passei de atendente a gerente. Foi tudo muito rápido". Desde então, exceto por pequenos intervalos, Maria Alice e Eleonora não mais se separaram profissionalmente.
O Birra foi daqueles fenômenos quase inexplicáveis. "É engraçado como funciona a empatia das pessoas com uma proposta. Por vezes a ideia é ótima, mas não é o momento, ou as pessoas estão noutra. Mas quando dá a liga é incrível", reflete Eleonora sobre o maior de seus êxitos. "Agora, ninguém, nem o Deus dos Negócios, sabe garantir se algum lugar terá sucesso. No máximo, você pode reduzir as possibilidades de dar errado".
O Birra foi tomando corpo com a presença de muitos. Rapidamente se consolidou como um dos points mais animados da cidade. Era frequentado por artistas, políticos, empresários, jornalistas publicitários, turistas ou simplesmente curiosos. "Com ideias que trouxe de uma viagem aos Estados Unidos, sugeri novidades como velas nas mesas, toalhinhas para desenhar com canetinhas à disposição e muitas fotos dos clientes em painéis espalhados pelo salão", conta Eleonora. "Ela foi fundamental em alterar alguns aspectos da noite de Porto Alegre. Se tornou uma bela empreendedora que saiu do jornalismo porque acreditou num projeto inovador e que deu certo", avalia Marcos Dvoskin, que a partir do Birra & Pasta também se transformou em sócio de Eleonora. "O Birra virou uma referência da cidade".
"O Birra reunia o pessoal mais boêmio, como Tatata Pimentel, que tinha mesa cativa logo na entrada, e outros como Marco Aurélio, Zeca Kiechaloski, Tânia Carvalho e Felicinho Santos. Para os artistas e escritores, o lugar se tornava um palco para exposições e noites de autógrafos, performances comandadas por Denize Barella ou Elcio Rossini, sem falar nas noites de aniversário da casa, em que as mais variadas personalidades locais assumiam aventais e bandejas para atender as mesas lotadas", lembra Ivan Mattos, colunista do Jornal do Comércio.
O período foi intenso, mas relativamente curto. Depois de mais de uma década de boa performance, o Birra mudou de endereço. Saiu do Praia de Belas e foi para o Shopping Total, num espaço menor, sem a mesma tradição, onde não conseguiu repetir o sucesso. Manteve-se por mais cinco anos no novo local até fechar as portas definitivamente em 2009. "Fenômenos gastronômicos são raros. Normalmente vivemos ciclos", reconhece Eleonora.

Comida é cultura

Célia Ribeiro, colunista de Zero Hora e que, no começo dos anos 1990, fez sucesso com uma série de livros sobre etiqueta, pediu para fazer no Birra a sua sessão de autógrafos. Deu certo. A partir de então, outros nomes se seguiram e o Birra foi consolidando sua vocação para estimular eventos culturais, com intervenções teatrais e promoções de todo o tipo, sempre apoiando teatro, cinema, música, literatura. "Eleonora teve uma importância fundamental naqueles anos, dando apoio a festivais de teatro e de dança, peças teatrais, mostras de arte. Se tornou uma mecenas das artes, com muito charme e simpatia. Ela trouxe um sopro de renovação. Suas casas viraram um point social. Todo mundo queria ver e ser visto em uma mesa", lembra Ivan.
"Sua participação na vida cultural de Porto Alegre é de suma importância, como reconhece toda a classe teatral, abrigada que foi durante anos de modo especial no seu original Birra & Pasta", acrescenta o marchand Renato Rosa. Até hoje envolvida com projetos culturais, Eleonora se diz orgulhosa de poder ter aberto portas para tantas manifestações culturais.

Com Tatata e um Passaporte para o Inferno

Ao lado de Tatata Pimentel, grande amigo e habitué do Birra & Pasta

Ao lado de Tatata Pimentel, grande amigo e habitué do Birra & Pasta


/ACERVO PESSOAL ELEONORA RIZZO/REPRODUÇÃO/JC
Tatata Pimentel e Eleonora ficaram amigos na redação de Zero Hora, no final da década de 1970, mas ficaram íntimos a partir da criação do Birra & Pasta. Durante anos, o comunicador e o restaurante - e, por tabela, Eleonora - estiveram grudados. Era quase impossível entrar à noite no ambiente e não dar de cara, logo numa das primeiras mesas, com Tatata. Foi no restaurante que Tatata recebeu de Marcos Dvoskin, então vice-presidente da RBS, o convite para que voltasse à televisão e apresentasse o programa Gente da Noite. Convite, diga-se, imediatamente aceito.
Tatata quase sempre chegava saudando a todos e perguntando onde estava a 'Dona da Casa'. Quando Eleonora despontava, pedia a ela um Passaporte para o Inferno - sua opção etílica preferida. "Ele optava por um uísque nacional, embora eu argumentasse que um scotch seria muito melhor", resigna-se Eleonora. A partir de então, Tatata tinha hora para chegar, não para sair. Ali era seu escritório e sua sala de estar. Recebia pessoas, fazia contatos, circulava entre as mesas e conversava com todos. "Nunca vi ninguém com talento como ele para falar bem e mal de todos, inclusive dele mesmo".
Nem o fechamento do Birra & Pasta afastou os dois amigos. Continuaram convivendo ("fui ao velório da mãe dele e atravessamos a madrugada no cemitério, tomando champanhe e conversando") e se falando quase todos os dias até a morte do comunicador, em outubro de 2012. "Foi uma amizade incrível, da qual tenho muita saudade".

Longe do restaurante, perto da cozinha

Ao lado de Maria Alice Cirne Lima, Eleonora Rizzo segue na cozinha, com projetos de comida personalizada

Ao lado de Maria Alice Cirne Lima, Eleonora Rizzo segue na cozinha, com projetos de comida personalizada


/LUIZA PRADO/JC
Eleonora pendurou as panelas, mas não se afastou da cozinha. Depois de circular por locais como o Santander Cultural e o City Hotel, optou por não ficar mais à frente de nenhum estabelecimento. "Ter restaurante é um negócio do século passado", constata, para em seguida enumerar as razões do desânimo. "As pessoas cada vez mais ficam em casa. Cozinhar virou um ato social e as cozinhas estão mais integradas. Para piorar, quem sai fica com medo da violência ou não pode beber, para não ser pego numa blitz".
Como diz que não pode ser dar ao luxo de parar de trabalhar, até porque gosta muito do que faz, Eleonora ao lado de Maria Alice criou um novo projeto. "Resolvemos fazer comida personalizada, com base em tudo que aprendemos nos restaurantes. Um projeto bem caseiro para atender os clientes que sentem saudades dos pratos do Al Dente e do Birra", explica Eleonora. "Fazemos jantares e almoços todo fim de semana, com cardápios muito especiais, e agora também entramos na linha fitness, fazendo marmitas gourmet", completa a amiga e sócia Maria Alice.
Aos 64 anos, solteira, sem filhos e morando com a irmã, Eleonora trabalha todos os dias, inclusive finais de semana. Fora da cozinha, seu maior prazer está em ler, em especial livros policiais de Raymond Chandler, Dashiell Hammett e Dennis Lehane. Longe dos agitos, ela e Maria Alice concordam em mais um ponto: a noite dá prazer, mas exige demais. "Às vezes até tenho saudade, mas não tenho mais pique".

Dez perguntas gastronômicas para Eleonora Rizzo

Eleonora Rizzo, em foto de 2013:  "Fenômenos gastronômicos são raros. Normalmente vivemos ciclos"

Eleonora Rizzo, em foto de 2013: "Fenômenos gastronômicos são raros. Normalmente vivemos ciclos"


MARIANA FONTOURA/ARQUIVO/JC
1. Um restaurante inesquecível?
La Tour D'Argent. Uma mesa na janela, a lua cheia refletida no Sena e um Pato maravilhoso.
2. Um restaurante que você gostaria de conhecer?
A Osteria Francescana, um três estrelas da Michelin considerado o melhor restaurante do mundo. E mais: é em Modena.
3. Um prato inesquecível?
O tortei da minha mãe. Impossível resistir.
4. Um sabor inesquecível?
O suflê de laranja do Massimo, em São Paulo. Vinha quentinho, fofinho, não desandava e o garçon colocava Cointreau para finalizar. Um sonho.
5. O melhor prato que você já preparou?
O nhoque com molho de carne de panela. Modéstia à parte, peguei o jeito e fica demais.
6. Um prato que você levaria para uma ilha deserta?
Uma feijoada. Porque é a comida mais aconchegante que conheço. Alimenta mesmo. Um antídoto contra a solidão.
7. O maior de todos os chefs?
Marie-Antoine Carême. Mudou a culinária francesa. Inventou a alta gastronomia e foi o chef dos Reis no século 18.
8. O pior prato que já comeu?
Uma ovelha mal carneada. Bah, quando a glândula é mal tirada o gosto é horrível. Com agravante de o Grêmio ter sido campeão naquela noite.
9. O que você não come em hipótese alguma?
Coentro. Um tempero exibido. Só dá ele. Me desculpem os apaixonados. Odeio.
10. O que não pode faltar à mesa?
Sal e azeite de oliva. O sal desperta os sabores mais profundos. E tudo fica bom com um azeite de oliva, menos coentro.

* Márcio Pinheiro é porto-alegrense e jornalista. Trabalhou em diversos veículos da Capital, de São Paulo e do Rio de Janeiro.