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reportagem cultural

- Publicada em 27 de Maio de 2021 às 20:57

A história da música composta para comercial gaúcho que virou LP de sucesso

Quarteto do jingle, formado por Calique Ludwig, Ricardo Garay, Pedro Guisso e Rogério Nitschke

Quarteto do jingle, formado por Calique Ludwig, Ricardo Garay, Pedro Guisso e Rogério Nitschke


ACERVO CALIQUE LUDWIG/DIVULGAÇÃO/JC
Episódio inusitado na história da música em Porto Alegre: uma canção composta para comercial de televisão virou hit radiofônico e disco de sucesso nas lojas no outono de 1989, com linhas cruzadas entre publicidade e cultura pop
Episódio inusitado na história da música em Porto Alegre: uma canção composta para comercial de televisão virou hit radiofônico e disco de sucesso nas lojas no outono de 1989, com linhas cruzadas entre publicidade e cultura pop
Se o pessoal tivesse uma lista de razões para reclamar da vida em Porto Alegre no segundo trimestre de 1989, a falta de assunto certamente não estaria entre elas. O noticiário era farto: prefeitura versus empresas de ônibus, tropeços e sucessos da dupla Grenal, processo judicial sobre a morte do deputado José Antônio Daudt, inflação galopante, pré-candidaturas a presidente, greves dentro e fora do País, massacre de estudantes na China, escândalo militar nos Estados Unidos, o próximo nocaute de Mike Tyson, novo LP da Madonna, a promessa de outro inverno rigoroso na Região Sul.
Nada de celulares ou internet. O mais próximo de uma rede social era a conversa por telefone (com prefixo 0512 e números de apenas seis dígitos), fetiche nem sempre acessível à classe média, que chegava a esperar anos a fio por uma linha da estatal CRT, a Companhia Riograndense de Telecomunicações.
Em compensação, a capital gaúcha oferecia mais de 30 cinemas, quase 10 teatros e uma vida boêmia com dezenas de boates e centenas de bares, distribuídos por vários bairros. E havia os onipresentes e nada interativos televisores, ainda praticamente sem canais por assinatura.
E foi nesse clima de pré-saideira de década que, no dia 28 de maio, um domingo, olhos e ouvidos gaúchos acabaram fisgados durante o intervalo publicitário do programa Fantástico, da Rede Globo. Na tela, 1 minuto de jovens modelos, roupas aconchegantes, cenários retrô, tratamento visual caprichado, situações envolvendo telefonemas e o toque especial: uma balada arrebatadora, gravada em inglês e capaz de aquecer mais corações que a própria coleção de vestuário para o inverno anunciada pelo patrocinador, a cadeia de magazines Imcosul (1935-1994).
Se a campanha Dangerous Liaisons/ Ligações perigosas já era inspiradora por si só, a trilha sonora agasalharia paixões e amassos de jovens e adolescentes da época, muitos deles congestionando as linhas de rádios FM. Todos querendo ouvir a canção romântica, e até então desconhecida, na voz de seu coautor Calique Ludwig, que logo passaria de mão a mão em cópias de fita-cassete.
Embalando até reuniões dançantes, em poucas semanas o tema acabou gerando um disco de sucesso, com venda em parte das 62 lojas da empresa - 27 delas na Capital e Região Metropolitana. Não por acaso, ainda hoje há quem guarde carinhosamente um exemplar. 
"Eu não tenho como esquecer aquela propaganda linda e moderna, com uma música mágica", emociona-se a escritora Anna Saint-Braz, 50 anos. "Em uma época de muitas descobertas e início da vida adulta, eu cursava teatro, inglês e o pré-vestibular para Artes Cênicas, então aquela combinação de letra e melodia me chamaram tanto a atenção que corri em busca de uma tradução.
O irmão mais velho rodava o disco nas festas e meu namorado [hoje marido] ainda cantava para mim! É tipo um roteiro de filme, com uma vibração tão positiva e envolvente que influenciou até mesmo a minha maneira de escrever poesia."
Mas os exatos 3 minutos e 30 segundos da composição - literalmente - comercial não contêm somente essa melancólica doçura feita sob medida em letra e música para persuadir jovens consumidores de classe média a colocarem em dia os seus guarda-roupas com o último grito da moda para a chegada da época mais fria do ano. São numerosas as histórias paralelas, linhas cruzadas e outros adereços para que o episódio permaneça na pauta, com status de peça cult, exatos 32 anos desde a sua gravação em um pequeno, porém movimentado, estúdio no Centro da capital gaúcha.

Propaganda para os ouvidos

Calique Ludwig, 65 anos, cofundador da produtora Jinga, que já integrava o grupo Canto Livre

Calique Ludwig, 65 anos, cofundador da produtora Jinga, que já integrava o grupo Canto Livre


/ACERVO CALIQUE LUDWIG/DIVULGAÇÃO/JC
Mesmo que não saiba, quem hoje ouve a balada Dangerous Liaisons é transportado no tempo-espaço para as então modestas instalações da produtora de áudio Jinga, no nono andar do prédio nº 1.118 da rua Washington Luiz, pertinho da avenida Borges de Medeiros e com janela para o Monumento aos Açorianos. Nada mal para um empreendimento iniciado em abril de 1981 por quatro amigos e que rapidamente conquistara a confiança de algumas das principais agências de propaganda da cidade, concorrendo com a Plug (do pianista Geraldo Flach), Versus (do jornalista Bira Valdez) e Via Brasil.
O quarteto formado pelos amigos de colégio Carlos Henrique "Calique" Ludwig e Ricardo Garay (Farroupilha), Pedro Guisso e Rogério Nitschke (Israelita) mexia com música desde a década de 1970. Integrando bandas como a Mercado Livre (1975-1977), chegaram a se apresentar na segunda edição do festival Vivendo a Vida de Lee (produzido pelo radialista Júlio Fürst no Auditório Araújo Vianna) e a registrar faixas - jamais lançadas - na gravadora Isaec. Abortada a carreira artística, o grupo se manteve coeso em torno de um filão promissor: a criação e produção de spots, jingles e afins.
"Tudo começou com um anúncio de rádio para o cursinho pré-vestibular Urbs 70, do professor Julien Ferreira", conta Ricardo Garay, 64 anos. "Em seguida, já trabalhávamos a mil na garagem da casa da minha mãe, no bairro Higienópolis, depois no meu apartamento em Petrópolis". Além do sustento financeiro, aquela era também uma forma de dar vazão aos talentos da turma: "Um jingle de 30 segundos e uma canção de 3 minutos envolvem basicamente a mesma fórmula de estrofe-refrão-ponte, mudando somente o tema".
Em tempos de pura correria (quase todos cursavam faculdade, sem que nenhum viesse a obter o diploma), o portfólio seria encorpado por trabalhos memoráveis: os temas Nós somos campeões da América (Grêmio), Vida (RBS) e jingles para Zaffari, Gaúcha Car, Brasil Nativo, Lojas Colombo etc. A Jinga também teria envolvimento decisivo em lances bacanas do cancioneiro local: foi o caso de Horizontes (Flávio Bicca), que saltou da peça Bailei na curva (1983) para um LP do projeto Unimúsica da Ufrgs, na interpretação de Elaine Geissler, tornando-se um dos hinos informais da cidade.
A cantora, aliás, era um dos pilares da casa, emprestando sua voz a diversas produções. E não seria diferente em 1989, com o desafio do time em criar a peça sonora de uma campanha bolada pela Escala, agência de publicidade que chegava ao 16º ano. Como cliente a Imcosul, gigante gaúcha do varejo fundada pelo caiense Werner Hunsche (1909-2000) e que, depois de passar ao controle acionário do banco Maisonnave, havia superado dois anos de concordata e seguia investindo pesado também no nicho de vestuário (a chamada "linha-mole" do segmento), tendo como concorrentes Renner, C&A e outros hoje catalogados dentre as espécies extintas do comércio - Manlec, Grazziotin, Guaspari, Mesbla, Escosteguy, Kras, Casa Lu, Marinha Magazine.
O briefing detalhava uma campanha de moda para o inverno, com veiculações de mídia impressa e televisiva puxadas por um anúncio de 1 minuto - o dobro do habitual - em horário nobre e com linguagem conceitual, sem descrição de roupas e preços. Apenas cenas internas e externas com pessoas vestindo itens da coleção, ao som de alguma canção em inglês, até a assinatura empresa-slogan-promoção. Algo similar ao soft-rock The Warm Thing ["A coisa quente"], composto no verão para o mesmo cliente por Ricardo Garay, Pedro Guisso e o arranjador uruguaio Carlos Garofali [1948-2007], outra peça-chave nos jobs da Jinga.
"O novo pedido era mais ambicioso, já que o tema deveria soar como faixa de artista estrangeiro, reforçando a ideia de minivideoclipe sutil, que nada tinha a ver com o filme Ligações perigosas", explica Calique Ludwig, 65 anos, cofundador da produtora e que já integrava o grupo vocal Canto Livre. Ele se refere ao longa-metragem norte-americano ganhador de três Oscar em 1989 (melhor figurino, inclusive) e cuja trama se passa na França de 1788. Devidamente pautados, Calique e Garay respectivamente conceberam música e letra, sem imaginar que aquilo chegaria tão longe.
"Peguei discos de artistas que eu gostava, como David Bowie, em busca de referências", menciona Garay. A opção, entretanto, recaiu sobre uma releitura formal da balada Love This Life, lançada no ano anterior pela banda neozelandesa Crowded House. Sobre essa base, novos versos falando de alguém que se oferece para confortar outra pessoa, afetiva ou sexualmente. “Se você ainda precisa de amor, tudo que eu digo é que ligue para o meu número”, diz um dos trechos da canção, com direito a brincadeiras envolvendo o telefone fictício “384-0907”.
Além do cuidado em citar uma sequência de dígitos com padrão norte-americano (para reforçar a ideia de canção “gringa” e evitar confusão com os telefones da Imcosul), o “0907” nada mais era que uma versão de ponta-cabeça da palavra “Logo”, que em breve batizaria o selo fonográfico da Jinga. Definidos os detalhes, restava gravar. Ficha técnica: Calique na voz e um coro formado por ele próprio mais Elaine Geissler, Pedro Guisso, Cynthia Garay e Jorginho Domingues, com o reforço do já colaborador Pedro Tagliani na guitarra e sequenciadores.
Acostumado a instrumentais muitíssimo mais complicados na banda de jazz-fusion Raiz de Pedra, Tagliani criou com a sua guitarra japonesa Ibanez Les Paul Deluxe 59'cr - que empunha até hoje - um dos elementos mais belos de Dangerous Liaisons, desde o riff de abertura. "Foi algo relativamente fácil e, modéstia à parte, minha contribuição está ali do início ao fim", orgulha-se o músico de 59 anos. "Isso foi feito quando eu já estava com um pé na Alemanha [o Raiz de Pedra permaneceria na Europa por mais de 20 anos], então nem cheguei a ficar sabendo da repercussão na época."
E a sessão contou com plateia pequena mas atenta. “Eu tinha 16 anos e, como office-boy da Jinga, acompanhei maravilhado cada detalhe do processo, sentado em um canto do estúdio enquanto a galera virava noites até alcançar a perfeição”, relata Mauro Machado, hoje com 49 e que atua como locutor de rádios e eventos na Região Metropolitana – é dele a voz oficial nos microfones da Expointer, em Esteio. “Quando a faixa foi aprovada pela Escala, embarquei em um táxi com as fitas-rolo para entregar o material nas emissoras. Aliás, experiências como essa me inspiraram a permanecer na área.”

Alô, sucesso!

Consultor Jorge Lewis, ex-gerente de Marketing da Imcosul

Consultor Jorge Lewis, ex-gerente de Marketing da Imcosul


ACERVO JORGE LEWIS/DIVULGAÇÃO/JC
“Bah, que música é essa?”, muita gente se perguntou na noite do último domingo de maio, ao deparar com a campanha nos televisores de casa. A resposta seria dada semanas depois, quando o áudio (reconfigurado para um padrão mais radiofônico de 3’30” após um recorta-e-cola de Ricardo Garay no registro original) já rodava até sete vezes por dia na Atlântida e na Universal FM, beliscando o topo da parada de junho, tantos eram os pedidos de ouvintes. Tremenda ironia para um comercial que girava em torno de telefonemas.
O case de publicidade havia fugido de controle – no bom sentido – para ganhar status de capítulo inusitado na micro-história cultural da Porto Alegre que se aproximava da década de 1990. Principalmente quando pintou a ideia de lançar a canção em disco, apesar do pé-atrás de Garay para uma eventual rejeição da audiência ao fato de o “cantor estrangeiro” ser, na verdade, um artista local e desconhecido do grande público. Mas essa fita daria muitas voltas até a bolacha de vinil deitar sobre os aparelhos de som 3-em-1 da rapaziada.
“Achávamos que seria uma barbada, mas não foi bem assim que aconteceu”, confirma Rogério Nitschke, 61 anos, também fundador da Jinga e com participação direta na produção executiva do projeto, bancado pela produtora e que envolveu uma fábrica de LPs em Gravataí – a RGS, incrivelmente a única com essa especialização em mais de 100 anos de fonografia no Estado. “Com as capas já prontas, a prensagem dos discos saiu com diferenças de gramatura e outros problemas. O lance foi meio traumático, mas no final das contas tudo deu certo.”
Escoltado pelo departamento de marketing da Imcosul, Calique – Dangerous Liaisons desembarcou no mercado local em junho, como um single de 12 polegadas (compacto simples mas com tamanho de LP), tendo a já citada The Warm Thing no lado B. “A gente não tinha a menor dúvida sobre a qualidade do nosso trabalho, mas sem imaginar a dimensão que aquela jogada promocional assumiria, então imagine a emoção no primeiro [e único] long-play da Jinga, com seu selo Logo Records”, rememora o músico Pedro Guisso, 65 anos, quarto vértice da equipe original.
O layout elegante na capa branca de 31 x 31 centímetros mostrava apenas o nome do cantor e o título da faixa, junto à foto de um modelo de telefone preto da década de 1950 (fora do gancho em uma das faces), sem ficha técnica ou letras das canções – só uma pequena etiqueta adesivada no canto superior esquerdo, com o lembrete “Contém música-tema do comercial Ligações Perigosas Imcosul”. Tudo muito clean e, apesar da mão da agência Escala no projeto gráfico, quase sem links estéticos com o visual repleto de cores quentes e tons pasteis da propaganda de TV.
Para fazer frente à demanda, um lote generoso passou a ser exposto nas lojas da rede em todo o Estado – há quem mencione 4 mil cópias, algo próximo de álbuns de músicos gaúchos já consagrados. O hoje consultor Jorge Lewis, 64 anos, contribui em minúcias com sua memória de gerente do marketing da empresa (1974-1991): “Os discos ficavam perto da entrada, quase sempre junto a artigos de vestuário e com o emblema “Parada de Sucessos Imcosul Discos” estampado no invólucro plástico de cada unidade. A novidade também era promovida como brinde em compras acima de determinado valor”. Empolgado ao falar da campanha, ele guarda intacta em seu acervo a versão-teste do LP que recebeu para aprovação no escritório-central da avenida Sete de Setembro.
A estratégia dedicada a Dangerous Liaisons alcançava status de tratamento VIP na filial mais transada da rede: o Hipo Imcosul, no Centro de Porto Alegre. Não bastasse contar com departamento especializado em moda jovem (o “Tutti-Frutti”, copiado do “Kanto Kente” da Renner), a megaloja aberta em 1980 na esquina da rua Doutor Flores com Voluntários da Pátria recém havia inaugurado uma rádio interna da Atlântida FM, com Mauri Grando e outros locutores contratados na própria emissora para transmitir notícias, dicas, ofertas e muita música. Adivinhe que faixa ficou por várias semanas entre os hits nas caixas de som dos andares do prédio...

Ligações encerradas

Canção romântica foi ouvida na voz de seu coautor, Calique Ludwig

Canção romântica foi ouvida na voz de seu coautor, Calique Ludwig


ACERVO CALIQUE LUDWIG/DIVULGAÇÃO/JC
Muita coisa mudou nesses 32 anos, não só na moda ou na propaganda. Na música, o vinil deu lugar aos CDs, arquivos de áudio em mp3 e plataformas digitais, antes de ressurgir em grande estilo - artistas consagrados ou mesmo desconhecidos hoje lançam e relançam álbuns em edições caprichadas do "bolachão".
Nas ligações, perigosas ou não, celulares tornaram os aparelhos telefônicos uma opção cada vez mais antiquada frente às mensagens por aplicativos e redes sociais. A Imcosul também é página virada desde 1994, quando um segundo processo de concordata encerrou 59 anos de trajetória da "loja que está do lado da gente", celebrada por seus protagonistas saudosos em duas páginas no Facebook.
Já o disco de Calique ganhou vida própria, disputado nos sebos físicos ou virtuais e com acessos constantes no site de vídeos YouTube - são quase 9 mil visualizações do comercial e quase a mesma quantidade para meia dúzia de diferentes versões da canção, incluindo a original, remixes e até uma performance ao vivo, registrada pelo cantor no palco do pub Sgt Peppers, em Porto Alegre, algum tempo antes de a pandemia de coronavírus causar o fechamento dos bares e casas noturnas por mais de um ano. Em quase todas, não faltam comentários empolgados de internautas que associam a canção a momentos especiais de suas vidas.
A Jinga continua vivíssima, capitaneada por Ricardo Garay sem os outros sócios originais. Instalada desde 1997 no bairro Moinhos de Vento, lançou no ano seguinte o CD Música por encomenda, com trabalhos marcantes da casa – Dangerous Liaisons comparece com duas versões remix.
Calique, por sua vez, segue no grupo Canto Livre e, desde 2007, mantém com a esposa Elaine Geissler a produtora Sound Trek, assinando trilhas para Zaffari e outros clientes. Rogério Nitschke também bifurcou para um negócio próprio no ramo, a Rádio-Frequência (1992-1997), antes de morar na Inglaterra por 18 anos, até pegar o avião de volta em janeiro passado.
E Pedro Guisso trocou em 2008 a propaganda pela dedicação exclusiva à atividade de professor de crianças, jovens e adultos – uma amostra das aulas pode ser conferida no canal do YouTube Músicas do Bem. Call your number!

À moda antiga

Comercial de TV dirigido por Sérgio Amon teve quase 30 microcenas, em uma espécie de videoclipe

Comercial de TV dirigido por Sérgio Amon teve quase 30 microcenas, em uma espécie de videoclipe


/REPRODUÇÃO/JC
Dirigido por Sérgio Amon para a 0512 Filmes sob encomenda da Escala, o comercial Dangerous Liaisons demandou três dias de gravação em cenários improvisados no edifício do Clube do Comércio, na Rua da Praia. Exceto por duas locações externas: um orelhão próximo ao Cine Imperial e uma réplica de cabine britânica especialmente colocada em frente à Secretaria Estadual da Fazenda (avenida Siqueira Campos).
São quase 30 microcenas, todas envolvendo ligações telefônicas, em uma espécie de videoclipe com uma atriz e 22 jovens modelos, incluindo crianças. "Esse comercial-conceito, repleto de referências visuais oitentistas e retrô, foi gravado em película com equipamentos trazidos de São Paulo, causando impacto no mercado local de propaganda", desengaveta Amon, 61 anos, oriundo da Casa de Cinema de Porto Alegre e radicado desde a década de 1990 no Centro do País, onde atua como consultor na área. "Com o material finalizado, alugamos uma das duas salas de exibição da Casa de Cultura Mario Quintana para uma avant-première ao pessoal da Imcosul, Escala e Jinga. É uma pena que os fotogramas não tenham sido preservados."
 
Já a direção de arte tem a assinatura de uma figura conhecida da cidade: Antônio “Fiapo” Barth, dono do Bar Ocidente (fundado em 1980) e que também fazia “hora-extra” como free-lancer na área de publicidade. “A produção descolou duas dúzias de aparelhos telefônicos diferentes [um para cada cena] e um caminhão da Imcosul encostado na porta do clube entregou um vasto figurino de peças vendidas na loja, tudo na correria, sem muito planejamento mas com um clima bacana e um resultado maravilhoso”, relembra Fiapo, 61 anos.
 
“Além das roupas típicas da época, como casacos femininos de ombreiras e jaquetas masculinas em jeans com gola de pele, a gente precisou complementar tudo com boinas, luvas, colares de pérolas e outros acessórios, recorrendo inclusive ao meu acervo pessoal, para garantir essa ambientação que brincava com o antigo e o novo”, conta a figurinista Rô Gonçalves, 59 anos, e que desde 1998 desempenha essa função em novelas da Rede Globo, no Rio de Janeiro. Formada em Publicidade e Propaganda pela Universidade do Vale do Sinos (Unisinos), ela já havia feito estágio na agência Martins & Andrade e adorava trabalhar na área de comerciais. “Inclusive, a minha monografia de conclusão de curso teve como tema a chamada ‘linha-mole’ do varejo.”
 
Em um elenco quase todo de modelos, coube à atriz Pilly Calvin fechar a sequência, como a telefonista que flagra um guri a bagunçar os cabos de uma jurássica central de ramais do tipo PABX. “Eu tinha um Prêmio Açorianos de Teatro por Love Love Love [1981] e atuações em filmes como Beijo ardente e na minissérie global Rabo de saia [1984]”, recorda a artista, que segue na ativa aos 69 anos – recentemente, encarnou uma cabeleireira cega na novela Salve-se quem puder (2020). “Campanhas da Imcosul, aliás, já não eram novidade para mim. Estive até na Espanha, minha terra natal, para um comercial relativo à Copa do Mundo de 1982.”

Letra da famosa balada tema da campanha


ARTE/JC
 

* Marcello Campos é formado em Jornalismo e Publicidade e Propaganda (ambas pela Pucrs) e Artes Plásticas (Ufrgs). Tem cinco livros já publicados, incluindo a biografia de Lupicínio Rodrigues e do Conjunto Melódico Norberto Baldauf. Há mais de uma década, dedica-se ao resgate de fatos, lugares e personagens porto-alegrenses.