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Reportagem Cultural

- Publicada em 08 de Abril de 2021 às 21:11

Do Pasquim a Passo Fundo, as incríveis histórias de Tarso de Castro

Fundador de 'O Pasquim', jornalista passo-fundense teve história retratada em documentário e livros

Fundador de 'O Pasquim', jornalista passo-fundense teve história retratada em documentário e livros


PAULO GARCEZ/DIVULGAÇÃO/JC
Tarso de Castro estaria hoje irremediavelmente cancelado. Não haveria espaço para tais idiossincrasias. Como evitar que Tarso fosse perseguido por tantas minorias tão bem organizadas e que o condenariam por machismo, misoginia, homofobia e por simbolizar um tipo de jornalismo tão inventivo quanto tão violentamente escrachado?
Tarso de Castro estaria hoje irremediavelmente cancelado. Não haveria espaço para tais idiossincrasias. Como evitar que Tarso fosse perseguido por tantas minorias tão bem organizadas e que o condenariam por machismo, misoginia, homofobia e por simbolizar um tipo de jornalismo tão inventivo quanto tão violentamente escrachado?
Embora Tarso tenha falado e escrito tantas palavras que hoje soariam mal a espíritos mais sensíveis, ele hoje faz muita falta. Na pasmaceira atual, Tarso poderia servir como inspiração. Mais: deveria despertar em todos pelo menos dois sentimentos que ele sempre demonstrou em larga escala: coragem e indignação.
No caso de Tarso, a coragem e a indignação vinham acompanhadas de uma alta dose de irresponsabilidade. Quem conceberia hoje um colunista chamando o governador de São Paulo de Dama de Ferro? Quem imaginaria um jornalista usar o espaço de sua coluna para cantar explicitamente uma apresentadora de um programa infantil?
"Dá pra mim", implorava ele - sem subterfúgios, sem meias-palavras - atirando seu petardo por escrito, seu torpedo público, em direção à musa em meio a um texto que fazia uma análise do Brasil da Nova República e do governo Sarney. Quem ainda faria - sem temer os processos ou a condenação atual pelos tribunais da internet - uma capa do então jornal de maior circulação nacional com uma manchete ridicularizando a masculinidade dos paulistas?
Tarso fez tudo isso. O governador que ele ridicularizava era o então poderoso Orestes Quércia. Tarso implicava por implicar. Aparentemente, não tinha nenhuma raiva maior de Quércia, como teve de Carlos Lacerda, Paulo Maluf e de Jânio Quadros, três dos políticos que mais atacou em suas páginas.
A musa televisiva era Xuxa, então na flor de seus 20 e poucos anos. Não se sabe se Tarso foi bem-sucedido em sua tentativa de conquista, mas a declaração está lá, impressa em diversas páginas da revista Afinal, semanário de vida efêmera para o qual Tarso emprestou seu talento já quase no final da vida.
Por fim, o jornal era O Pasquim, mais delirante e exitosa experiência jornalística de sua carreira. Durante o período que esteve à frente do hebdomadário (que era como a patota se referia ao jornal), Tarso imprimiu seu estilo anárquico e desaforado.
Nos poucos anos em que o jornal esteve sobre seu comando, Tarso protagonizou um frenesi de loucuras. O Pasquim foi um fenômeno e Tarso - inchado por este sucesso - bebeu hectolitros de uísque, cantou centenas de mulheres, fez grandes entrevistas e arrumou muitos inimigos - dentro e fora da redação. Enfim, viveu. Em sintonia com seu tempo e bem diferente dos dias atuais.
E como Tarso se comportaria nos dias atuais? Seu único filho, o ator João Vicente de Castro, acredita que "Tarso teria que se adaptar aos novos 'acordos sociais', se adequar, entender que 'viado' não deve ser usado para ofender". E arrisca: "Ele teria dificuldade, mas se adaptaria. Meu pai discutia as pautas identitárias naquela época. Com algum ajuste nas palavras que usava em suas críticas ele faria o que sempre fez: um jornalismo sério, espirituoso, furioso e cheio de charme".
Encarando de igual para igual patrulheiros, empresários, barões da imprensa, políticos, jornalistas, partidos, grupos organizados e quem se atravessasse à sua frente, o Tarso 2021 possivelmente seria assim. Mas todos continuariam sendo impiedosamente atacados.
Pau neles, Tarso!

Uma vida retratada em livros e até no cinema

2021 marca duas datas redondas que tem a ver com Tarso de Castro. Uma, em setembro, quando ele poderia estar comemorando 80 anos - embora quase nenhum dos seus amigos acreditem que isso fosse possível. "Se ele controlasse os problemas de saúde, em especial os relacionados ao alcoolismo, acredito que ele pudesse chegar aos 80 com o mesmo jeito: inquieto, perspicaz e irreverente", calcula Múcio de Castro Filho, seu irmão mais jovem. Menos otimista é Barbara Oppenheimer, a Baby (pronuncia-se "Babí", não "Beibe"), que esteve casada com ele entre 1968 e 1972. "Ele não teria chegado aos 80 de jeito nenhum e nosso casamento de maneira alguma teria durado muitos anos. O Tarso não era um homem para a vida inteira". Igualmente pessimista é o jornalista Tom Cardoso, autor do livro Tarso de Castro - 75kg de Músculos e Fúria. "Impossível fazer esta projeção. Ele só chegaria aos 80, se tivesse feito um esforço imenso para parar de beber. Mas se parasse de beber, será que conseguiria manter a essência tarsista?".
A outra data, em maio, assinala os 30 anos de sua morte. E, em certo sentido, a posteridade foi generosa com ele. Tarso foi homenageado com livros, estudos acadêmicos, reportagens, documentário e até com a inauguração de um Ciep no Rio de Janeiro com o seu nome. "Ele é lembrado, até mais do que em vida. Embora ainda com relação ao Pasquim muitas vezes ele não receba ainda o crédito merecido", explica Tom. "O Tarso se transformou num ícone. Um jornalista admirado. Acredito que as novas gerações não tenham noção de quem é o Tarso, mas quem é da área jornalística sabe da importância dele. Ele deixou uma bela imagem", acrescenta Múcio.
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BOULEVARD FILMES/DIVULGAÇÃO/JC
"Sempre me faço essa pergunta: o que meu pai faria num momento como esse? Mas nunca me respondi de maneira satisfatória. O que posso cravar é que ele estaria contrariado. Meu pai lutou contra a ditadura. Ver a militarização do governo federal seria um golpe duro. Mas tenho certeza que a presença dele, hoje, nesse cenário político seria necessária. Tarso era inteligente, talentoso, empático, forte e não se acovardava. Todas as características que se vê pouco hoje em dia, sobretudo numa pessoa só", avalia João Vicente.
Filho de Múcio de Castro, dono do jornal O Nacional e líder político em Passo Fundo, Tarso desde criança circulava pelo jornal comandado pelo pai. Nascido em Passo Fundo em setembro de 1941, Tarso passou a infância na cidade natal, mudando-se a Porto Alegre em meados dos anos 1950, quando foi morar no internato do Colégio Rosário. Nessa época, Tarso foi colega de Sergio Faraco e do ilustrador Fernando Jorge Uberti. Faraco lembra: "Não fui seu amigo, mas apreciaria ter sido. Minto: fui. Mas era outro Tarso. Tinha 14 anos e era meu colega no internato. Não era um guri bonito, mas tinha charme e uma simpatia de ação fulminante". Faraco segue traçando o perfil do jornalista enquanto jovem: "Tarso era arrumadinho. Não era bom nos esportes, como a maioria, e era único, também, no seu humor. O internato era um poço de melancolia e éramos todos nostálgicos, amargos, quietos. Tarso, não. Parecia divertir-se com a prisão e sempre trazia no rosto um sorriso galhofeiro". E conclui: "Farraco. Era como me chamava pelos corredores e presumo que não aceitava as coisas como são ou parecem ser. Presumo que continuou a acrescentar erres pela vida afora e já não sei se, com a idade, chegou a ser outro Tarso. Pode ter sido mais de um, Tarso-Metatarso-e-Dedos, como o chamava eu, por vingança, ou pode ter sido sempre o mesmo, mas isto já não importa agora".
Na capital gaúcha, Tarso continuaria envolvido com jornalismo e política. Foi um dos integrantes da primeira redação da Última Hora gaúcha, experiência bem-sucedida de Samuel Wainer de criar edições regionais do diário que havia fundado no Rio. No jornal, Tarso passaria a exercitar o tipo de jornalismo que seria sua marca pelos próximos 30 anos. Ele partia para a briga muitas vezes sem se importar quem sairia mais ferido - o adversário ou ele próprio. "Ele sempre foi cáustico, agressivo e inventivo", reconhece o jornalista Carlos Bastos, seu amigo dessa época. "Hoje estaria ainda mais indignado."
Tarso sempre viveu nessa dualidade: um, o profissional inventivo, criador de publicações, rato de redação. O outro, boêmio que tomava vodca com limão no café da manhã, brigava com amigos e inimigos e não tinha controle.
No Rio desde o final de 1962, Tarso trabalhava no Panfleto, jornal lançado fevereiro de 1964 com uma redação que reunia José Silveira, Neiva Moreira, Fernando Gabeira e Sérgio Magalhães. Panfleto duraria pouco, sendo empastelado pela ditadura. Com o golpe, Tarso voltou a Porto Alegre, onde trabalhou na editoria de variedades de Zero Hora. Ficou três anos na cidade.

Tarso ruge em O Pasquim

Tarso de Castro entre o irmão Múcio e o ator e amigo Paulo César Pereio

Tarso de Castro entre o irmão Múcio e o ator e amigo Paulo César Pereio


/Múcio de Castro Filho/Acervo Familiar/Arquivo do jornal O Nacional/DIVULGAÇÃO/JC
Lançado em meados de 1969 - no começo do AI-5 - O Pasquim foi um dos maiores fenômenos editoriais do Brasil e um divisor de águas na vida de Tarso. Um não teria existido sem o outro. Foi Tarso o principal catalisador da patota, o homem que se sentia no direito de enquadrar Paulo Francis, Ziraldo, Jaguar, Luiz Carlos Maciel e Millôr. Foi o Pasquim que deu visibilidade a Tarso, criando o mito do jornalista que dava expediente no Antonio's - sem nunca pagar uma conta - e que cultivava suas fontes nas madrugadas do Leblon e nas areias de Ipanema.
"No início de 1969, Tarso um dia me levou para um canto da redação da Última Hora e me contou um segredo: ele estava com a ideia de criar um jornal de humor. Pensava em convidar Jaguar e Sérgio Cabral para sócios, já que os dois trabalhavam com ele na UH. A publicação não tinha nome e ele nem sabia se os dois aceitariam. Entendi que me contava sobre seu projeto porque Sérgio Porto, o Stanislaw Ponte Preta, tinha morrido há poucos meses e deixado órfão o jornal que editava, A Carapuça. Sérgio era meu primo-irmão", lembra a jornalista carioca Maria Lucia Rangel.
Tarso e ela já eram amigos há mais de um ano. "Foi na redação que em 1968 vi Tarso pela primeira vez: um homem bonito, falando ao telefone de pé, levando o fio do aparelho de um lado para outro. Assinava a coluna política Hora H que chegou a ser a mais lida do jornal. Era sedutor, atrevido, irreverente, polêmico, empreendedor e muito, mas muito mulherengo. Ficamos amigos até sua morte".
Tendo como símbolo um pequeno roedor, o Sig, criado por Jaguar, O Pasquim se apresentava como um jornal "corajoso como um rato". Apesar da piada autodepreciativa, o jornal foi inovador, audacioso e revolucionário. Reuniu uma das melhores equipes da imprensa brasileira, mudou não apenas o jornalismo como também influenciou a contracultura e o comportamento.
Depois da prisão de quase toda sua redação - apenas Millôr e Henfil escaparam - O Pasquim nunca mais foi o mesmo. O clima azedou, as brigas tomaram conta e as dívidas ficaram quase impagáveis. Menos de dois anos depois do início, o jornal perderia seu primeiro editor e dínamo de muitas edições históricas. Tarso estava fora do Pasquim.

Casamento, casos e namoros

Tarso de Castro e o casamento com Baby, em 1968 em Porto Alegre

Tarso de Castro e o casamento com Baby, em 1968 em Porto Alegre


/Múcio de Castro Filho/Acervo Familiar/Arquivo do jornal O Nacional/DIVULGAÇÃO/JC
Na temporada gaúcha, em meados dos anos 1960, sem respeitar o recolhimento que alguém muito procurado pela polícia deveria obedecer, Tarso continuava circulando por bares e boates da feérica noite porto-alegrense. Numa destas incursões, ele conheceu Barbara Oppenheimer, uma das mais belas jovens da sociedade gaúcha. Entre o final de 1966 e o começo de 1967, Barbara seria constantemente assediada por Tarso. A aproximação inicial logo se transformaria em flerte. Daí em namoro, noivado e casamento. Nesse meio tempo, Tarso, no primeiro semestre de 1967, foi chamado por Samuel Wainer para voltar ao Rio e trabalhar na Última Hora.
Vencida a resistência da família Oppenheimer - "Eu até garanti à minha avó que o Tarso seria 'apenas' o meu primeiro marido" - confessa Baby, Tarso voltou a Porto Alegre para formalizar o pedido de casamento. A cerimônia foi em 22 de março de 1968, véspera do aniversário dela. Passaram a primeira noite de núpcias num hotel de Porto Alegre e, no dia seguinte, embarcaram no fusca de Baby rumo ao apartamento que haviam alugado na Visconde de Pirajá, em Ipanema, no Rio.
Pouco depois, já separado de Baby, Tarso se transformaria num conquistador que teve todas as mulheres que desejou - de Leila Diniz à Danuza Leão, da hoje baronesa Silvia Amélia de Waldner à Candice Bergen. "Lembrando dele hoje em dia, me dou conta de que todo o charme não escondia seu machismo. Quando Leila Diniz deu a famosa entrevista ao Pasquim, na casa dele e de Barbara, nós duas estávamos presentes. Assistimos do princípio ao fim. Leila chegou da praia com a toalha de banho enrolada na cabeça, com a simpatia de sempre, todos tomando uísque, mas eu e Bárbara mudas ficamos. Só hoje, olhando para trás, concluo que caímos na armadilha machista. Não reclamamos. Claro que era divertido e eles respeitavam as amigas. A maneira de viver é que era diferente. Todos machões", recorda Maria Lucia.
Nos anos 1980, prestes a lançar O Nacional, Tarso viveria um relacionamento mais longo com a fotógrafa Gilda Barbosa. Com ela teria o filho João Vicente (hoje ator de novelas na Globo e um dos sócios do canal de humor Porta dos Fundos), nascido em março de 1983. A paternidade parecia ter lhe dado uma certa calma - e até tempo para escrever um livro.

O romance do 'ex-guerrilheiro' com Candice Bergen

Tarso de Castro e Candice Bergen, romance registrado no filme sobre o jornalista

Tarso de Castro e Candice Bergen, romance registrado no filme sobre o jornalista


/PAULO GARCEZ/DIVULGAÇÃO/JC
Depois que saiu do Pasquim, Tarso nunca mais se recuperou direito. Com amigos como Chico Buarque, Hugo Carvana e Eric Nepomuceno entrou em aventuras como o Jornal de Amenidades, o Enfim, o Folhetim e, por último, O Nacional, quando quis dar uma dimensão maior ao jornal fundado pelo pai.
Ainda nem havia se recuperado da ressaca de sua saída do Pasquim, Tarso embarcou no JA - Jornal de Amenidades. Mais arrevistado do que o Pasquim, o JA estrearia em junho de 1971 - exatamente dois anos depois do lançamento do Pasquim - com Elis Regina na capa. Como quase todos os projetos bolados por ele, JA também teria as duas características que acompanhariam Tarso em toda sua carreira: sucesso imediato e curta duração. O JA durou só três meses e apenas 11 edições.
Em seguida, Tarso seria chamado por Otávio Frias para trabalhar na Folha de S. Paulo. Estabelecido na capital paulista, Tarso assumiria a edição do Folhetim, ficando no jornal até 1978. A próxima parada seria no Enfim, novo projeto com inegáveis sinais de parentesco com o Pasquim e com o JA. Favorecido pelos ventos que começavam a soprar no Brasil, Tarso sintonizou seu novo jornal com o período de abertura. Seu personagem favorito seria Brizola, talvez o mais aguardado entre os exilados (João Goulart havia morrido no exílio em dezembro de 1976) e com certeza o candidato preferido por Tarso para ocupar a presidência caso se confirmassem a volta das eleições diretas. A capa do número 1 do Enfim trazia a foto de Leonel Brizola ao lado da mulher, Neuza. O mais surpreendente era a autora da foto: Candice Bergen, atriz americana e na época namorada de Tarso, a quem ele mentira ser "um ex-guerrilheiro que entrou em Havana ao lado de Che Guevara". Ela não apenas acreditou como reproduziu a mentira em sua autobiografia. Depois Tarso teria uma passagem curta e conturbada pela Tribuna da Imprensa - jornal de Hélio Fernandes, irmão de seu inimigo Millôr.
No final dos anos 80, Tarso embarcaria em seu último delírio: recriar nacionalmente (com trocadilho, por favor) o jornal inventado por seu pai, O Nacional. Com apoio de Brizola e de Montoro, o jornal teria redações em São Paulo e no Rio, reunindo entre os colaboradores velhos amigos como Eric Nepomuceno, Maria Lúcia Dahl e os ex-Pasquim Luiz Carlos Maciel e Jaguar. Na página 3, Tarso de Castro ocupava o alto da página onde pilotava a coluna em que acertava as contas com seus desafetos, uma lista infindável que ia de José Sarney a Roberto Marinho, de Moreira Franco a Aureliano Chaves, de Jânio Quadros a Delfim Netto. Quando estava na fase "paz & amor" enchia de elogios seus personagens preferidos: Brizola, Paulo César Pereio, Caetano Veloso, Tom Jobim e Chico Buarque.

Brizolista e idiossincrático até o fim da vida

Jornalista polêmico (às vezes desaforado), parcial (no caso dele, quase sempre ao lado de Brizola) e idiossincrático (embora isso pudesse ser confundido com incoerência), Tarso comprava brigas que, embora não confessasse, poderia se arrepender no momento seguinte. A mais notória das que foi obrigado a voltar atrás, já em meados dos anos 1980, foi com Tancredo Neves. Em artigos, Tarso chegou a sugerir que o ex-governador mineiro deveria ter herdado o revólver e não a caneta de Getúlio Vargas. Depois que se conheceram, Tarso mudou de opinião: havia encontrado alguém mais envolvente do que ele próprio. Entre os ódios, o mais forte foi o que nutriu pelo ex-colega de Pasquim, Millôr Fernandes, na opinião de Tarso, "um homem corroído pela inveja e pela cobiça pelo poder".
Em 1990, Tarso lançou seu primeiro e único livro, Pai Solteiro e Outras Histórias. "O lançamento foi no corredor de entrada do Shopping da Gávea. Só os amigos mais íntimos compareceram. Tarso já estava bem doente. Guardo o meu com uma dedicatória especial, que diz muito do relacionamento entre pais e filhos: 'M. Lucia, és Rangel, graças a Deus e Lucio'". Faraco também lamentou a morte do amigo. "No momento em que soube de sua morte me surpreendi por ter sentido tanto o desaparecimento de alguém que até então não passava de um erre a mais em minha distante adolescência. Creio que isto dá a medida de seu fascínio. Eu ainda gostava dele e não sabia".
Por todos os jornais pelos quais passou, Tarso deixou sua marca de ironia, deboche e humor corrosivo. E numa vida vivida intensamente - "prefiro viver pela metade por uma garrafa de uísque inteira a viver a vida inteira bebendo pela metade" era uma de suas frases preferidas - partiu cedo demais. O suficiente para evitar que seu personagem se transformasse em folclore. "Acredito que em dias atuais, ele estaria vivendo um grande momento. Poderia se expressar, mostrar seu lado ferino. Estaria se sentindo realizado, porque tinha uma capacidade de reciclagem impressionante", aposta Múcio. Embora reconheça: "Tarso era incontrolável. No auge da comemoração, ele ia para o jogo pesado. Se conseguisse - não sei se seria possível - se adaptar a estes tempos politicamente corretos, talvez pudesse encontrar um caminho que o permitisse seguir jogando pesado, mas ao mesmo tempo se resguardando. Ou então sofreria dezenas de processos".
Nos últimos meses de vida, Tarso foi internado dezenas de vezes, a ponto de ninguém mais acreditar na sua recuperação. Na última, não resistiu, morrendo de cirrose hepática em maio de 1991. Tinha 49 anos.

* Márcio Pinheiro é porto-alegrense e jornalista. Trabalhou em diversos veículos da Capital, de São Paulo e do Rio de Janeiro.