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semana de porto alegre

- Publicada em 25 de Março de 2021 às 21:14

Fernando Corona, o arquiteto das obras modernas de Porto Alegre

Fernando Corona assinou importantes obras arquitetônicas da capital gaúcha

Fernando Corona assinou importantes obras arquitetônicas da capital gaúcha


ACERVO FAMILIAR /DIVULGAÇÃO/JC
Marco zero no mapa de Porto Alegre, a Fonte Talavera de La Reina está há mais de 85 anos na Praça Montevidéu, em frente ao Paço Municipal, graças à iniciativa de um espanhol que contribuiu para modernizar a paisagem e o ambiente cultural da cidade na primeira metade do século XX. Em 1935, em meio às comemorações do centenário da Revolução Farroupilha, o arquiteto Fernando Corona liderou uma mobilização da comunidade espanhola para presentear a capital gaúcha com o chafariz de azulejos nas cores azul cobalto e amarelo ocre, enfeitado com composições florais e ornamentos em forma de golfinhos. Cartão de visitas de Porto Alegre, a fonte passa, atualmente, por processo de revitalização.
Marco zero no mapa de Porto Alegre, a Fonte Talavera de La Reina está há mais de 85 anos na Praça Montevidéu, em frente ao Paço Municipal, graças à iniciativa de um espanhol que contribuiu para modernizar a paisagem e o ambiente cultural da cidade na primeira metade do século XX. Em 1935, em meio às comemorações do centenário da Revolução Farroupilha, o arquiteto Fernando Corona liderou uma mobilização da comunidade espanhola para presentear a capital gaúcha com o chafariz de azulejos nas cores azul cobalto e amarelo ocre, enfeitado com composições florais e ornamentos em forma de golfinhos. Cartão de visitas de Porto Alegre, a fonte passa, atualmente, por processo de revitalização.
Além de conseguir transporte gratuito junto à embaixada da Espanha e isenção de taxas aduaneiras com o presidente Getúlio Vargas, Corona montou as peças encomendadas ao ceramista Juan Ruiz de Luna, que chegaram separadas da região da Catalunha. Talento não lhe faltava para isso. Homem de múltiplas facetas, ele não foi apenas arquiteto autodidata (na educação formal, não passou da 4ª série primária), mas também escultor e professor de arte, além de ensaísta e memorialista. "Como agitador cultural, é um personagem que deveria ser mais reconhecido e valorizado", afirma José Francisco Alves, pesquisador de história da arte e professor do Atelier Livre Xico Stockinger, da prefeitura de Porto Alegre. 
Fernando Corona nasceu em 26 de novembro de 1895, em Santander, na costa norte da Espanha. O pai, Jesus Maria, também escultor e "arquiteto prático", se viu forçado a deixar a família para se refugiar na Argentina, após participar de movimentos políticos contra a monarquia espanhola, em 1909. Em Buenos Aires, conheceu o empreiteiro gaúcho João Vicente Friederichs, que lhe ofereceu contrato de trabalho com prazo de três anos em Porto Alegre.
Aos 16 anos, em 4 de março de 1912, Fernando desembarcou na capital do Rio Grande do Sul com a missão dada pela mãe de conduzir Jesus Maria de volta para a Espanha, só que não cumpriu a vontade materna. Ao invés disso, permaneceu no Sul do Brasil com o pai, que havia se tornado sócio da empresa Corona e Guiringuelli. Ali, Fernando deu seus primeiros passos profissionais. "Enquanto o pai desenhava primeiro a lápis, eu passava a nanquim linha por linha. Foi uma escola", contou em seus diários, principal fonte de registros de sua vida e obra.
Em 1916, a Corona e Guiringuelli ganhou o edital para projetar a nova Catedral Metropolitana, tarefa à qual Jesus Maria se dedicou com afinco nos dois anos seguintes (a ideia era usar a remuneração para buscar a mulher e os outros filhos na Espanha). Mas o projeto neogótico com cinco naves e torres de 72 metros de altura foi rejeitado pela Cúria Metropolitana, após críticas da Escola de Engenharia. "Perdeu no VAR", diz José Francisco Alves, citando o ponto eletrônico que define lances polêmicos no futebol. Naquele período, eram comuns desistências desse tipo - o Palácio Piratini também registrou projetos contratados e depois descartados. No caso da Catedral, como havia apenas um contrato oral entre as partes, o espanhol nem chegou a receber honorários. Decepcionado, Jesus Maria ainda tentou a sorte em Pelotas por algum tempo, antes de retornar, em 1922, para a Espanha.
Já Fernando Corona ficou. Ele havia criado raízes em solo gaúcho desde 1917, quando viajara para a Região Central do Estado a fim de esculpir duas estátuas e um baixo relevo na fachada da igreja-matriz de Tupanciretã. Lá, tivera contato com intelectuais como o poeta Raul Bopp, que lhe disponibilizou acervo de obras da literatura universal. "Foi em Tupanciretã que aprendi a amar o povo gaúcho. Talvez seja, sem dar-me conta, a pedra angular que modificou aquela ânsia de voltar à Espanha. Hoje, mais do que nunca, creio que a pátria do homem é onde consolida seu caráter, sua posição profissional e encontra o amor."

A Porto Alegre de Fernando Corona

Corona montou a Fonte Talavera de La Reina, na Praça Montevidéu

Corona montou a Fonte Talavera de La Reina, na Praça Montevidéu


/Alex Rocha/PMPA/JC
  • Fonte Talavera de la Reina
    - (1935) Montada pelo arquiteto
    - Praça Montevidéu, em frente ao Paço Municipal
  • Hospital São Francisco (1925)
    - Complexo da Santa Casa
  • Edifício João Ibañez (1930)
    - Rua 24 de Outubro
    - esquina Jardim Cristofel
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Edifício João Ibañez é inspirado no Grande Hotel de Ouro Preto (MG)
  • Galeria Chaves (1930)
    - Participação com outros arquitetos
    - Rua da Praia, Centro
  • Instituto de Educação
    - General Flores da Cunha (1935)
    - Avenida Osvaldo Aranha
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Instituto de Educação foi feito para o centenário da Revolução Farroupilha. Foto Mariana Alves/JC
  • Edifício Guaspari (1936)
    - Avenida Borges de Medeiros, Centro
  • Instituto de Belas Artes (1943)
    - Rua Senhor dos Passos, Centro
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Além de professor da universidade, idealizou o prédio do Instituto de Artes
  • Edifício Jaguaribe (1951)
    - Avenida Salgado Filho, Centro   
     
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Edifício Jaguaribe é relevante exemplar da arquitetura moderna na cidade
  • Palácio da Justiça (1953)
    - Participação com outros arquitetos
    - Praça da Matriz

Um arquiteto no canteiro de obras

Para o arquiteto Fernando Corona, a primeira conquista individual em certames de projetos arquitetônicos, o Hospital Modelo (hoje Hospital São Francisco, no complexo da Santa Casa de Misericórdia), de 1925, é um marco na carreira. "Foi quando se sentiu arquiteto, com trajetória independente do pai", observa Anna Paula Canez, autora de Fernando Corona e os caminhos da arquitetura moderna em Porto Alegre, livro publicado pela Unidade Editorial, em 1998. Na empreitada, recorreu a uma bibliografia de arquitetura hospitalar que lhe permitiu amadurecer conceitos sobre a profissão: "Comprei livros para penetrar na teoria e pude entender que arquitetura não era apenas desenho, eram problemas a resolver".
Outro destaque é o Instituto de Educação General Flores da Cunha, encomenda que recebeu em 1934 com a obrigação de concluí-la já no ano seguinte para que servisse de Pavilhão Cultural da Exposição do Centenário da Revolução Farroupilha. Para ganhar tempo, instalou a mesa de trabalho no canteiro de obra. "Além de autonomia - escolheu, inclusive, o local do prédio, na borda do Parque Farroupilha -, ganhou a oportunidade de fiscalizar diariamente o andamento da construção", diz Anna Paula, professora da Faculdade de Arquitetura e do Programa de Pós-Graduação em Museologia e Patrimônio da Ufrgs.
Fruto da admiração de Corona pela arquitetura clássica, o Instituto de Educação foi projetado nos moldes do Templo de Ártemis (construído no século VI a.C. em Éfeso, cidade da Grécia Antiga, hoje pertencente à Turquia), com pórtico e colunas jônicas. Essa afeição ao neoclassicismo não acompanhava a tendência modernista, prestes a desembarcar no Brasil com a inauguração do Edifício Gustavo Capanema, no Rio de Janeiro, em 1936. A nova sede do Ministério da Educação havia sido concebida por Lucio Costa e Oscar Niemeyer (entre outros arquitetos) com a consultoria de Le Corbusier (pseudônimo do franco-suíço Charles-Edouard Jeanneret-Gris, ícone da arquitetura moderna).
Mas Corona também era admirador do mestre da arquitetura contemporânea, que visitou durante estada em Paris, em 1952, acompanhado de ex-alunos do Instituto de Belas Artes (IBA). É verdade que Le Corbusier não deu muita conversa aos visitantes, alegando estar muito ocupado: "Alguns o acusam de malcriado e outros de petulante. Os grandes homens, os gênios, são difíceis de entender em seu trato íntimo. Entretanto, isso é o que de menos interessa quando sua obra é fora do comum", depôs Corona.
Embora não tenha estendido a permanência no casarão da Rue de Sèvres, foi tempo suficiente para que, mais tarde, de memória, fizesse um croqui do que tinha visto sobre a mesa de Le Corbusier. Era um estudo "pouco ortodoxo, ainda inédito e não definitivo" de uma igreja de concreto armado, "talvez para algum lugar de montanha", com "curvas curiosas, que mais parecem de um quadro abstrato". Tratava-se da Capela Notre-Dame-du-Haut, erguida sobre a colina de Bourlémont em Ronchamp, em 1955.

Um aprendiz perpétuo e incansável

Fernando Corona soube acompanhar a passagem de uma “arquitetura historicista e eclética, em que imperavam os conceitos acadêmicos que poderíamos chamar de tradicional” para uma “arquitetura moderna que se impunha”, diz Anna Paula Canez. Esse momento de ruptura é registrado nos diários do arquiteto: “De repente, deixei de fazer arquitetura do passado e entendi que devia conceber racionalmente as possibilidades do concreto armado”.
A admiração pelas novas linguagens ganhou forma no Edifício Guaspari, de 1936, obra subsequente ao Instituto de Educação. “Em curto intervalo, Corona deu demonstração de flexibilidade ao evoluir do neoclássico para as tendências que seu amigo Oscar Niemeyer estava desenvolvendo no prédio do MEC”, assinala Círio Simon, doutor em História da Arte e professor aposentado da Ufrgs. Por sinal, quando veio a Porto Alegre, em 1948, como paraninfo da primeira turma de urbanistas do IBA, Niemeyer declarou: “A não ser os prédios de Fernando Corona, confesso que nada vi de arquitetura contemporânea em Porto Alegre”.
A bem da verdade, Corona – um “aprendiz perpétuo e incansável”, na expressão de Simon – buscou se atualizar ao longo de toda a vida. Para isso, além de apoiar-se em viagens e pesquisas bibliográficas, se valia da convivência com as gerações mais jovens, representadas pelos alunos do IBA e, principalmente, os filhos Eduardo e Luís Fernando. O primeiro fez carreira acadêmica na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, na USP, em São Paulo, o que lhe permitiu estar sintonizado com as tendências de vanguarda. Já Luís Fernando, o Coroninha, talentoso arquiteto, seguiu os passos do pai – além de também dar aulas no IBA, projetou construções a quatro mãos com Fernando Corona.
Uma delas, o Edifício Jaguaribe, na avenida Salgado Filho, de 1951, constitui “relevante exemplar da arquitetura moderna da cidade”, atesta o Guia de Arquitetura de Porto Alegre, de Rodrigo Poltosi e Vlademir Roman (Escritos Editora, 2017). O prédio de 26 andares (a obra ganhou autorização especial para ultrapassar o limite de altura permitido à época), com cinema e confeitaria no térreo, reservou o nono andar para atividades de uso comum dos moradores, com sala de conferência, biblioteca, área de estar, bar e restaurante, em semelhança às Unidades de Habitação propostas por Le Corbusier. Outra parceria entre pai e filho (junto com Carlos Maximiliano Fayet) é o Palácio da Justiça, de 1953, que “apresenta configuração clássica da arquitetura moderna, com uma barra elevada sobre pilotis”, conforme o Guia de Arquitetura de Porto Alegre.
Tendências de arquitetura à parte, Fernando Corona demonstrou estar alinhado às modalidades inovadoras de consumo que se abriam em seu tempo. Além de projetar o edifício da Casa Sloper (icônica loja de departamento da Rua da Praia), de 1938, participou (em colaboração com Agnelo de Lucca e Egon Weindoerfer) da construção da Galeria Chaves, primeira galeria de Porto Alegre, de 1930. Há que se destacar também a fase neocolonial de Corona, ilustrada por obras como o Edifício João Ibañez, na Rua 24 de Outubro, de 1930, inspirado no Grande Hotel de Ouro Preto (MG), de Niemeyer, além de residências particulares, como a do crítico literário Guilhermino Cesar, na escadaria da Rua 24 de Maio. Uma das vertentes do modernismo brasileiro (anterior à adesão aos princípios racionalistas de Le Corbusier), o neocolonialismo simbolizava a busca de uma tomada de consciência nacional por meio da valorização de elementos originais da arquitetura do País.

De escultor a professor de arte

Máscara cubista  Borges de Medeiros

Máscara cubista Borges de Medeiros


/ACERVO DA PINACOTECA BARÃO DE SANTO ÂNGELO/DIVULGAÇÃO/JC
Parte da obra de Fernando Corona como artista visual está exposta a céu aberto em fachadas de prédios, caso do pórtico do atual Farol Santander, de 1926, edifício que, à época, abrigava o Banco do Comércio. Outro exemplo é a estátua de Frédéric Chopin, junto ao Auditório Araújo Vianna, no Parque da Redenção, de 1963. Há também a imagem da Nossa Senhora do Líbano, da igreja maronita localizada na rua Jerônimo Ornellas, que Corona modelou pendurado em andaimes, aos 77 anos, no inverno de 1973. “Ainda carecemos de poder melhor conhecer em extensão e abrangência a sua produção em artes visuais, pois suas obras se encontram dispersas em coleções particulares, fachadas arquitetônicas e monumentos, sendo ainda hoje pouco presentes e representadas em nossos acervos públicos”, diz Francisco Dalcol, diretor-geral do Museu de Arte do Rio Grande do Sul Ado Malagoli (Margs).
Contudo, para Círio Simon, os valores estéticos essenciais do escultor estão expostos justamente em duas obras guardadas em acervos públicos – Borges de Medeiros (na Pinacoteca Barão de Santo Ângelo, da Ufrgs) e O Inca (no Margs), ambas de 1924. A primeira reflete a art decô com raízes no cubismo. Já em O Inca, ele persegue o “arquétipo do ovo”, expressão que – conforme o historiar de arte – significa a tentativa de alcançar “máximo de conteúdo” com “mínimo da forma”. “Com este ideal, ele sintonizava-se com as buscas formais das culturas dos indígenas do Rio Grande do Sul, e, ao mesmo tempo, mantinha-se coerente com as obras mais avançadas dos seus contemporâneos, a exemplo de Victor Brecheret, Constantin Brancusi e Rudolf Belling”, afirma Simon.
A certa altura, Corona passou a se dedicar mais ao ensino do que à produção de arte. “Deixei de ser escultor para formar escultores”, dizia ele. Em 1938, o currículo de self made man do espanhol fascinou Tasso Corrêa, diretor do IBA. Como o candidato à docência não tinha formação acadêmica, Corrêa ganhou tempo ao obter aprovação ad referendum (sujeita à aceitação posterior) dos órgãos universitários para contratá-lo. “Vencida esta etapa, Tasso concedeu carta branca para ele criar e implantar a disciplina de Escultura”, relata Simon. Corona deu aulas também de Modelagem, Arte Decorativa e Geometria Analítica de 1938 a 1965, quando foi compulsoriamente aposentado pela Ufrgs por força da idade, ao completar 70 anos.
Mas ficou inscrito na história do Instituto de Belas Artes, e não apenas como professor. Como arquiteto, idealizou o prédio da escola inaugurado em 1943, na Rua Senhor dos Passos. O projeto original previa a construção de um centro cultural, que se prolongava até a esquina da Praça Dom Feliciano, mas faltou verba para a aquisição das residências do quarteirão, que viabilizaria a obra completa. Mais que isso, em 1939, Corona (junto com outros professores) hipotecou a própria casa para angariar fundos para a construção do novo edifício. E, apesar de não ocupar cargo administrativo, foi peça fundamental na reintegração do IBA à Ufrgs, em 1962 (quando passou a ser denominado Instituto de Artes). “Lutou brava e pessoalmente, em Brasília, com gestões junto ao primeiro-ministro Hermes Lima e ao presidente João Goulart, durante o breve período do parlamentarismo brasileiro”, salienta Simon.
Corona também chegou a lecionar no curso de Arquitetura do IBA, que ajudou a fundar, em 1947, mas, por não possuir diploma de curso superior, foi afastado da formação dos futuros arquitetos com a criação da Faculdade de Arquitetura da Ufrgs, em 1952. “Há burocracias que a universidade poderia contornar, mas, neste caso, ela não quis. Não custa lembrar que, caso a lógica da oligarquia corporativa imperasse na França, Le Corbusier também não poderia ter lecionado, já que, igualmente, não tinha diploma”, diz José Francisco Alves. Para compensar essa frustração, em 1975, Corona recebeu o título de professor emérito da Ufrgs, conferido aos docentes que se destacam no exercício da atividade acadêmica, junto com o velho amigo Tasso Corrêa.

Colecionador de garatujas

A influência artística de Fernando Corona sobre os netos se fez sentir desde cedo - ambos filhos de Luís Fernando, Marilice é pintora e professora do Instituto de Artes da Ufrgs e Fernando é pianista e compositor. Quando as crianças vinham visitá-lo, cedia o gabinete de trabalho e entregava-lhes lápis e papel para que se divertissem. "Colecionava as garatujas que eu fazia", relata a neta.
Em meados dos anos 1970, já adolescente, quando estudava no Colégio Júlio de Castilhos, Marilice almoçava uma vez por semana com o avô, que morava na Travessa Miranda e Castro, esquina Ramiro Barcelos. Desde o falecimento da esposa Benvenuta, em 1972, Corona vivia sozinho. Estava habituado a perdas - não bastasse o afastamento de pais e irmãos, que tinham seguido suas vidas no outro lado do Oceano Atlântico, a filha Maria Eletra, nascida em 1923, morrera jovem de tuberculose.
Outra perda marcaria Corona na derradeira etapa de vida. Doente do coração, Luís Fernando tinha orientação médica de estar sempre acompanhado devido ao risco de parada cardíaca. Em fevereiro de 1977, enquanto o restante da família veraneava em Atlântida, ele estava hospedado no apartamento do pai. Certa manhã, ao perceber que Luís Fernando demorava a sair da cama, Corona foi até o quarto e constatou que o filho havia morrido (aos 52 anos) enquanto dormia. Conforme Marilice, além da cardiopatia, estava fragilizado por causa da cassação do cargo de professor da Ufrgs pelo regime militar, após 14 anos de docência. Já Fernando Corona morreria em 22 de junho de 1979, aos 83 anos, de complicações decorrentes de enfisema pulmonar, consequência do persistente hábito de fumar.

Paulo César Teixeira é jornalista com textos publicados em IstoÉ, Veja e Folha de S.Paulo. Escreveu os livros Esquina Maldita e Nega Lu - Uma Dama de Barba Malfeita, além de Rua da Margem - Histórias de Porto Alegre, baseado no portal do autor, www.ruadamargem.com