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reportagem cultural

- Publicada em 04 de Fevereiro de 2021 às 21:19

A história dos mercados públicos mais antigos do Rio Grande do Sul

Localizados em Pelotas (foto) e Rio Grande, prédios emergem como pontos para a cultura

Localizados em Pelotas (foto) e Rio Grande, prédios emergem como pontos para a cultura


MARCEL AVILA/TURISMO PELOTAS/DIVULGAÇÃO/JC
Patrícia Lima*
Patrícia Lima*
As primeiras horas do dia são de movimento intenso nos mais antigos templos de comércio e cultura do Estado. Às margens da Lagoa dos Patos, no Centro Histórico de Rio Grande, barcos atracam na doca para abastecer de peixe fresco os vendedores do tradicional entreposto de pescado, em um ritual que se repete há mais de 150 anos.
A algumas dezenas de quilômetros dali, no Centro de Pelotas, as portas dos açougues, peixarias e lancherias também se abrem no majestoso mercado, tão velho quanto seu vizinho, para repetir a rotina de comércio e socialização protagonizada ali desde meados do século XIX. É mais um dia que amanhece nessas centenárias edificações, que já sobreviveram ao tempo, ao desleixo, às ameaças. Hoje, lutam para continuar sendo o coração que pulsa no centro urbano das cidades, irradiando cultura e história.
Com a ordem de construção assinada em 1841 pelo então presidente da província, Saturnino de Souza Oliveira, o primeiro Mercado Público do Estado já estava em funcionamento em 1846, apesar de ainda não ter sido completamente concluído. Muitas ampliações, reformas e uma restauração depois, o prédio à margem da Lagoa dos Patos, em Rio Grande, segue altivo, com a velha banca de peixe ao seu lado.
Por ali o movimento começa cedinho, justamente nas peixarias e na banca onde os pescadores descarregam seu produto fresquinho. Vladimir Castro é assíduo: há 33 anos trabalha limpando peixe e camarão e atendendo o público que, dependendo do dia, se acotovela em busca dos melhores filés ou do camarão mais graúdo. Castro é parte de um ecossistema que integra, além das garças e gaivotas que aguardam com paciência um resto de peixe, trabalhadores do centro da cidade e moradores das ilhas, em especial a Ilha dos Marinheiros. Todos se encontram no entorno do mercado para começar o dia. Por ali não falta conversa, café preto com recheada (o nome que os rio-grandinos dão ao sanduíche de presunto e queijo) e a espetacular vista da Lagoa e do Centro Histórico da cidade mais antiga do Estado.
Alguns poucos anos mais jovem, com sua ordem de construção tendo sido assinada em 1846, o mercado de Pelotas renasce depois ser restaurado e requalificado. Os açougues, que oferecem cortes variados para todos os gostos e bolsos, são os legítimos herdeiros do comércio da carne verde, o produto das charqueadas que era vendido in natura no Centro e acabou impulsionando a construção do entreposto. As peixarias ganharam seu espaço mais recentemente, mas já são tradicionais e ficam abarrotadas de gente, especialmente em épocas festivas, como a Semana Santa.
No interior do prédio que abriga comércio pelo menos desde 1851, antes de sua inauguração oficial, a oferta é variada: produtos naturais, artesanato, artigos tradicionalistas, restaurantes e, claro, os irresistíveis doces de Pelotas. Ao cair da tarde e aos sábados, os bares são palco para manifestações variadas de cultura popular: música ao vivo, roda de samba e exposições artísticas eram frequentes antes da pandemia. Hoje, comerciantes, prefeitura e o povo de Pelotas aguardam com ansiedade o fim das restrições para voltar a curtir a vida em volta de seu velho mercado.
Os mercados públicos são reflexo de um período histórico que, no Estado, mistura fatores locais e nacionais. No livro que conta a história do Mercado Central de Pelotas, o jornalista Klécio Santos comenta o surgimento do primeiro mercado no Rio de Janeiro, o Mercado da Candelária, cuja ordem de construção foi assinada em 1834. A obra, concluída em 1841, representou a intenção de modernizar o comércio no Centro da cidade, que passara a abrigar a corte de Dom João IV e não poderia mais ter a venda desordenada de alimentos pelas ruas.
Por aqui, o fim da Revolução Farroupilha deixou combalida a economia das cidades gaúchas envolvidas no conflito, em especial Pelotas e Rio Grande - uma era a produtora do charque, estopim da guerra; outra tinha o porto através do qual entravam e saíam mercadorias, que foi alvo de disputa entre o império e os farrapos ao longo dos dez anos de conflito. Ambas precisavam recuperar seu comércio, além de ordenar o fluxo urbano das áreas centrais, dando um ar de modernidade e prosperidade ao futuro que o pós-guerra prometia.
Não é coincidência que o processo de construção dos mercados das duas cidades tenha acontecido mais ou menos ao mesmo tempo. Apesar da ordem para a construção do prédio de Rio Grande ter sido dada em 1841, as obras foram efetivadas em 1846, mesmo ano da liberação dos recursos para a compra do terreno onde se edificaria o mercado de Pelotas.
O mercado primitivo de Porto Alegre, que foi demolido para dar lugar ao atual, é de 1844. O que foi idealizado para organizar o comércio nas cidades no momento posterior ao forte abalo provocado pela Guerra dos Farrapos acabou se tornando um elemento aglutinador. Gerações se encontraram, venderam, compraram e se socializaram nos arredores dos seus mercados. Com o passar dos anos, foram se degradando, sofreram ameaças de demolição, incêndios, viraram alvo da especulação imobiliária. Mas as leis de proteção patrimonial chegaram a tempo de salvar os dois mercados, que seguem pulsando, cada um ao seu modo, como testemunhos vivos da história e da identidade de cada cidade.

O centro nada aristocrático da Princesa do Sul

Edificação do Mercado Público de Pelotas conta com relógio e portões importados da Bélgica

Edificação do Mercado Público de Pelotas conta com relógio e portões importados da Bélgica


MICHEL CORVELLO/DIVULGAÇÃO/JC
"O mercado passou por várias fases. Na época em que foi construído, a arte voltada para a elite pelotense ocorria na Biblioteca Pública e no Theatro Sete de Abril, mas as manifestações artísticas populares, acessíveis a todos, rolavam no mercado. Hoje o local voltou a ser um ponto de encontro, palco para o entretenimento e para a cultura popular". A análise é do jornalista Klécio Santos, autor do livro Mercado Central de Pelotas - 1846-2014, publicado pela editora Fructos do Paiz. Na obra, Santos sintetiza longa pesquisa sobre a trajetória de um dos prédios mais emblemáticos do Centro Histórico, que ajuda a contar a história da Princesa do Sul, apelido dado à cidade pela opulência e refinamento que ostentou no auge do ciclo do charque.
Mesmo antes de ser concluído, o prédio já abrigava, em seus arredores, o comércio de alimentos como hortigranjeiros e, principalmente, de carne verde procedente das muitas charqueadas estabelecidas na zona rural. A carne bovina que não virava charque era vendida in natura ali mesmo, em condições de higiene bastante duvidosas. Até o final do século XIX, o mercado foi um centro comercial de grande diversidade cultural. Apresentações de músicos e artistas circenses e até sessões de cinema ocorriam ali. É memorável a passagem da equilibrista italiana Maria Spelterini, famosa mundialmente por ter atravessado as cataratas do Niágara sobre uma corda. Os jornais de agosto de 1877, recuperados no livro de Santos, noticiaram que cerca de 5 mil pessoas assistiram Maria erguer uma taça de champanhe enquanto se balançava sobre o Mercado Central.
A chegada do século XX veio com reformas no prédio que já estava apertado, degradado e obsoleto. Em crônica publicada em 1912, o escritor Simões Lopes Neto menciona as obras no mercado, que empregaram temporariamente muitos dos pobres, ex-escravizados e peões de estância desempregados que perambulavam por Pelotas nesse período. Em 1914 se concluem as obras que deixaram o prédio com as feições que tem atualmente, com a estrutura metálica que imita a Torre Eiffel, 44 quartos e 40 bancas internas, o relógio e os portões importados da Bélgica.
No entanto, o passar dos anos não foi gentil com o Mercado Central. Em 1969, um grande incêndio destruiu boa parte do prédio, deixando intacta apenas a estrutura de ferro. Por ser um dos únicos no País a se localizar no Centro e não na região portuária, a especulação imobiliária representou tensão extra: o fogo foi forte argumento para demolir o mercado e erguer um supermercado em seu lugar. Felizmente, a prefeitura decidiu reconstruir o prédio, especialmente em função das cerca de 200 famílias cujo sustento dependia do entreposto. Em 1985, o então prefeito Bernardo de Souza, tido por muitos como um dos maiores incentivadores da preservação do patrimônio edificado de Pelotas, decretou o tombamento do prédio.
Pontos de ônibus e bancas de comércio informal tomaram o entorno do mercado nas décadas seguintes, tornando o local pouco amistoso e escondendo a beleza da edificação. A virada veio em 2001, quando Pelotas aderiu ao programa Monumenta, iniciativa do governo federal que financiou a restauração de sítios históricos em todo o País. A primeira etapa contemplou a restauração e requalificação da área central, com obras na Praça Coronel Pedro Osório e no Mercado.
Junto com a longa restauração veio a redescoberta do valor afetivo e histórico do velho prédio. "Hoje não há pelotense que não se orgulhe do Mercado. É mais do que um ponto turístico, é um local de encontro da comunidade, que voltou a sentir que o Mercado faz parte da sua história", afirma a prefeita Paula Mascarenhas, que ainda era vice do atual governador Eduardo Leite quando a prefeitura começou o processo de constituição do mercado já restaurado. "Não queríamos que fosse elitista, mas precisávamos de um mix que qualificasse o espaço e lembrasse as atividades tradicionais. E assim o mercado foi adquirindo a feição atual, com grande apelo cultural e turístico", destaca Paula.
Diferentes tipos de empreendimentos como bares, restaurantes, docerias, lojas de artesanato e souvenirs, comércio de produtos naturais e coloniais, barbearias, peixarias e açougues estão entre as atrações do Mercado Central de Pelotas. Na Banca 75, fica o Centro de Atenção ao Turista e o Memorial do Mercado, que conta em detalhes a história do prédio e do seu entorno - em função da pandemia, este Centro está fechado e as demais bancas funcionam conforme as regras impostas pelas bandeiras no modelo de distanciamento controlado. Apresentações musicais, eventos do Dia do Patrimônio e até um Mercado de Pulgas, semelhante às tradicionais feiras de antiguidades populares em Montevidéu, ocorriam regularmente no pátio interno e no Largo Edmar Fetter.
Em fevereiro devem começar as obras de uma cozinha-show, na qual o público poderá acompanhar a fabricação dos doces coloniais e finos de Pelotas. Segundo o secretário de Turismo, Gilmar Bazanella, o espaço também vai receber as escolas de Gastronomia das universidades e do Senac para aulas e demonstrações da culinária típica da região. "O Mercado Central é o segundo ponto turístico mais visitado de Pelotas. Com esse projeto, vamos qualificar ainda mais o espaço como um atrativo do Centro Histórico", ressalta.
Mesmo com os corredores mais vazios e silenciosos em função da pandemia, o coração do mercado pulsa. E a alma de Pelotas bate dentro dele. A estrutura interna em ferro, o sino central, a torre do relógio e a estátua do Deus Mercúrio permanecem ali, observado a cidade que cresce e se transforma, sem nunca perder a própria história de vista.
 

Raízes à beira da Lagoa

Em 1853, foi construída a banca do peixe, ao lado do prédio do Mercado de Rio Grande

Em 1853, foi construída a banca do peixe, ao lado do prédio do Mercado de Rio Grande


/PATRÍCIA LIMA/ESPECIAL/JC
Caminhar pelos escuros corredores do Mercado Público de Rio Grande para preparar esta reportagem foi uma viagem nostálgica para a repórter. Nascida em Rio Grande, cresci tendo o velho entreposto comercial como referência: minha família materna, natural da Ilha dos Marinheiros, orbitou em torno do mercado pelo menos desde o começo do século XX. Ao me apresentar como jornalista aos inquilinos mais idosos, para entrevistá-los, me perguntam se eu sei o que é a Ilha. Respondo que sim, é a maior ilha fluvial da Lagoa dos Patos, um sítio colonizado por portugueses desde o século XVIII, que floresceu como produtor de hortigranjeiros entre a metade do século XIX e começo do XX. E digo também que tenho raízes na Ilha.
Mas eu não te conheço. Quem é a tua família?
Sou Lima. Sou neta do Zé Grande, conheceu?
Ah, claro, o Zé Grande! Sobrinha do Zé Lima? Tu é filha de quem?
Meu avô, o ainda famoso Zé Grande, apesar de ter morrido há mais de 30 anos, foi um dos feirantes mais conhecidos da Ilha dos Marinheiros. O filho de portugueses comercializava flores, verduras, legumes, embutidos e jurupiga que ele mesmo fazia. Jurupiga (ou jeropiga) é um vinho fortificado muito parecido com o Vinho do Porto, de origem portuguesa, até hoje fabricado por algumas famílias não só na Ilha dos Marinheiros, mas nas demais ilhas que fazem parte do território fluvial de Rio Grande. Voltando ao Zé Grande, ele é o personagem ideal para ilustrar a história do mais antigo mercado em atividade do Rio Grande do Sul. Desde a fundação, é o ponto de encontro de gente como ele, que exibia ali a exuberância de seus produtos, abastecendo o centro urbano da cidade que crescia.
Desde sempre, o mercado foi essa espécie de transição entre a terra e a água. Em 1846, quando abriu suas portas, era um pequeno entreposto que não demorou muito para se tornar obsoleto e precisar ser ampliado. Em 1853, foi construída a banca do peixe, ao lado do prédio, que até hoje serve ao mesmo propósito de vender o pescado fresco que chega na doca. Em 1857, a Câmara Municipal emitiu apólices para arrecadar fundos para a ampliação, que custou 3,6 mil réis e foi inaugurada em 1864. O prédio maior foi erguido sobre o primeiro, que só foi demolido quando o novo já estava em funcionamento.
O Mercado Público integra o desenho urbano do Centro Histórico, do qual fazem parte, no mesmo plano, a Biblioteca, a Capela de São Francisco, o antigo quartel e a Alfândega, tudo no entorno da Praça Xavier Ferreira. A arquiteta Jane Borghetti, que elaborou o inventário dos bens de interesse histórico da cidade e também o projeto de restauro do mercado, revela que o prédio teve, desde a sua concepção, o propósito de ser a ligação entre a cidade e o cais: uma linha reta sai da parte central, atravessa a praça e passa por dentro do entreposto para chegar à Lagoa. O estilo urbano neoclássico é inspirado em cidades europeias como Lisboa, reformulada depois do grande terremoto de 1755. "O largo, a doca e as colunatas do mercado formam um espaço de transparência que faz a ligação entre a terra e o mar. Esse planejamento urbano tem um significado importante, pois caracteriza um lugar único. Em nenhuma outra cidade essa ligação é tão evidente", destaca Jane.
Sem um projeto consistente para a preservação do seu patrimônio, Rio Grande sangra, de tempos em tempos, com o desaparecimento de alguns de seus antigos casarões. Nem o inventário dos bens de interesse histórico tem sido capaz de proteger as edificações. Felizmente, o mercado escapou desse destino fatal com sucessivas reformas e com uma restauração concluída em 2006, que devolveu ao prédio a sua feição original. Isso não significou, porém, uma requalificação do espaço. "Falta educação patrimonial, para que a cidade conheça e ame sua história, e faltam estratégias para valorizar o mercado como um ponto de encontro, um atrativo do Centro Histórico", sentencia.
Presidente do Núcleo de Memória da Fundação Universidade Federal do Rio Grande (Furg), o professor Péricles Gonçalves engrossa o coro desse lamento. Para ele, o mercado não é mais referência para as novas gerações, sendo lembrado e frequentado por pequenos grupos. "A comunidade desconhece o que esses prédios históricos representam. Mas o mercado é tão forte, sua presença é tão marcante, que ele segue coexistindo com a desatenção", afirma. A Secretaria de Pesca e Desenvolvimento Rural, responsável pela administração do mercado, informa que realiza obras de manutenção na rede hidráulica e no esgoto, e que atualmente trata com a Secretaria de Cultura possíveis projetos de requalificação do espaço.
Minha nostalgia pelos corredores do mercado não é fruto apenas das raízes familiares. Causa tristeza o pouco apreço que grande parte da cidade parece ter por ele. Caminho e vejo espaços comerciais desocupados, vejo o comércio de hortigranjeiros, antes opulento, se resumir a somente uma tímida banca. Até a deliciosa jeropiga é difícil de encontrar. A vida cultural ficou na promessa: logo depois da última reforma, alguns projetos buscaram fazer do mercado um local de apresentações culturais e mais receptivo aos turistas, mas nenhuma dessas iniciativas vingou.
Nada disso quer dizer, porém, que uma visita ao velho mercado rio-grandino seja um desperdício de tempo. Ao contrário. Os restaurantes e lancherias, em sua simplicidade, oferecem experiência gastronômica inesquecível. No inverno, o melhor mocotó de Rio Grande se come no mercado. Quer o peixe frito mais fresco e delicioso da cidade? O mercado é a resposta. Aliás, um dos entrevistados para esta reportagem, aquele que conheceu meu avô e meus tios, clama para si o título de melhor peixe da cidade. "Aqui é tudo fresco e bem servido. Recebo gente de Porto Alegre que vem para comer peixe", sentencia José Artur Oliveira, proprietário do Restaurante Beira Mar, que há 47 anos funciona por ali. Nascido na Ilha dos Marinheiros, é apaixonado pelo Mercado e pelo seu restaurante. Reclama da administração do entreposto, liderada pela prefeitura, e da manutenção do prédio, mas pretende ficar ali enquanto tiver forças.
Depois de reencontrar aquela gente da Ilha e do mercado, como eu, passo pela velha porta de ferro, atravesso a rua e paro diante do cais do porto velho, a olhar o vaivém dos barcos na colossal lagoa. Basta estar ali para perceber que o velho prédio liga muito mais do que a cidade e a água. É o elo que resiste entre o passado, o presente e, quem sabe, o futuro.
 

Testemunho da história na Fronteira

Restaurado, Mercado de Jaguarão aguarda fim das restrições para reabrir

Restaurado, Mercado de Jaguarão aguarda fim das restrições para reabrir


/SECULT Jaguarão/DIVULGAÇÃO/JC
Aberto em 1867, o Mercado Público de Jaguarão testemunhou o desenvolvimento da cidade na fronteira com o Uruguai. Nas bancas, a exuberância dos peixes e dos alimentos produzidos localmente, como legumes e carne, se destacava. Pelos corredores do entreposto construído em estilo português, se concretizava a integração entre as gentes fronteiriças, para quem as linhas imaginárias que dividem os países nunca representaram separação.
Deteriorado pelo tempo e pela descentralização do comércio na região, que ganhou supermercados e lojas, o prédio passou cinco anos fechado para uma restauração, possível graças ao tombamento pelo Instituto Histórico e Geográfico do Estado e aos recursos de R$ 5,4 milhões liberados ainda no tempo do PAC Cidades Históricas. Obedecendo a um rígido projeto de recuperação, o prédio voltou a ter a feição original, que estava descaracterizada por reformas ao longo dos anos. A reinauguração ocorreu em 2019. Hoje, conta com espaço para dois restaurantes, um bar e cinco lojas. "A estrutura está pronta para abrir com conforto e segurança. A orla, onde se localiza o mercado, também está requalificada. Esperamos que esse conjunto seja um estímulo ao turismo", afirma a secretária de Desenvolvimento Econômico e Meio Ambiente, Eliane Schranck. De acordo com a prefeitura de Jaguarão, a pandemia interrompeu o processo de concessão dos espaços que estava em curso. Mesmo assim, os projetos para a instalação dos restaurantes estão adiantados. A formação do mix de lojas está sendo coordenada pela secretaria e deve contemplar serviços e produtos atrativos para o turista, como artesanato local. Ainda em fevereiro, devem ocorrer, em caráter experimental, feiras de hortigranjeiros dentro do espaço, para atrair os moradores e recuperar a atividade, que era uma das vocações do mercado na sua fundação. "Também esperamos fomentar a atividade cultural no mercado e entorno, para destacar a relevância desse patrimônio", destaca Schranck.
Restaurado e a caminho da requalificação de suas atividades, o Mercado Público de Jaguarão aguarda o fim das restrições da Covid-19 para reabrir suas portas. Enquanto isso, permanece imponente, à beira do rio que batiza a cidade, contando nas suas paredes parte da história da Fronteira.

* Patrícia Lima é jornalista natural de Rio Grande, formada na Universidade Católica de Pelotas, especialista em Estudos de Jornalismo pela UFSC e mestre em Literatura pela Ufrgs. Lançou, com Luís Augusto Fischer, o livro Inquéritos em contraste: crônicas urbanas de Simões Lopes Neto (Edigal, 2016).