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reportagem cultural

- Publicada em 23 de Dezembro de 2020 às 20:14

O impacto da Revolução de 1930 na cultura

Getúlio Vargas (centro) e seus apoiadores deram fim à República Velha e levaram País à modernidade

Getúlio Vargas (centro) e seus apoiadores deram fim à República Velha e levaram País à modernidade


PREFEITURA DE OURO PRETO/REPRODUÇÃO/JC
A passagem está no primeiro volume de Solo de clarineta, único publicado em vida de Erico Verissimo. Em fins de 1930, o pai do escritor, Sebastião Verissimo, já separado da mulher, Abegahy Lopes Verissimo, e dos filhos, decidira unir sua sorte à revolução. De Norte a Sul, o País estava em pé de guerra desde 26 de julho, quando um atirador abatera com quatro tiros o governador da Paraíba, João Pessoa, numa confeitaria de Recife.
A passagem está no primeiro volume de Solo de clarineta, único publicado em vida de Erico Verissimo. Em fins de 1930, o pai do escritor, Sebastião Verissimo, já separado da mulher, Abegahy Lopes Verissimo, e dos filhos, decidira unir sua sorte à revolução. De Norte a Sul, o País estava em pé de guerra desde 26 de julho, quando um atirador abatera com quatro tiros o governador da Paraíba, João Pessoa, numa confeitaria de Recife.
O político paraibano havia sido candidato a vice-presidente na chapa oposicionista da Aliança Liberal, encabeçada pelo governador do Rio Grande do Sul, Getúlio Vargas, em março daquele ano. A Aliança havia sido derrotada nas urnas por Júlio Prestes e Vital Soares, respectivamente candidatos a presidente e vice apoiados pelo Palácio do Catete, sede do governo federal no Rio de Janeiro.
O assassinato de João Pessoa não tinha motivação política, mas veio a calhar para uma oposição que já se preparava para pegar em armas - recurso que, aliás, não havia abandonado desde que, em 1924, um capitão de 25 anos de nome Luiz Carlos Prestes sublevara o Batalhão Ferroviário de Santo Ângelo e dera início à mítica marcha da coluna batizada com seu nome. O presidente Washington Luís elegera o sucessor, mas não conseguiria empossá-lo nem concluir o próprio mandato.
O movimento ao qual Sebastião Verissimo aderira ainda não tinha nome, nem precisava: como todos os anteriores, autodenominava-se "revolução". Mesmo revolucionários têm maiores chances de êxito se não estiverem de estômago vazio, e o pai de Erico preparara uma linguiça para enganar a fome durante a longa viagem de trem até Santa Catarina.
Na barafunda da partida, o embrulho de jornal com a iguaria improvisada foi esquecido em casa, e coube ao filho mais velho correr para buscá-la antes da partida da composição. Quando retornou à estação, o trem já dera a partida, e Sebastião acenava-lhe da plataforma do último vagão.
Ofegante com a corrida, Erico mal conseguiu alcançar-lhe o embrulho e apertar-lhe a mão. "Fiquei parado, vendo a figura paterna ir aos poucos diminuindo, à medida que o trem se afastava. Com uma das mãos o velho Sebastião me acenava, e com a outra apertava contra o peito a linguiça frita. Por fim o comboio desapareceu numa curva. Nunca mais tornei a ver meu pai", escreveu o futuro autor de O tempo e o vento.
A Revolução de 1930, como passou à história como o movimento que depôs Washington Luís, não se limitou a colocar fim à chamada República Velha. Marcou a efetiva passagem do País à modernidade por meio da centralização administrativa, do estabelecimento de legislação eleitoral, social e trabalhista nacional, da reforma das Forças Armadas, da consolidação da indústria pesada, dos transportes e das comunicações. Em um único terreno, o da cultura, o primado moderno parece ter sido estabelecido antes de os partidários de Getúlio Vargas amarrarem os cavalos no obelisco da Avenida Rio Branco.
O marco inaugural do modernismo no País costuma ser identificado com a Semana de Arte Moderna promovida por Paulo Prado, Mario de Andrade, Oswald de Andrade, Menotti del Picchia, Anita Malfatti, Heitor Villa-Lobos e outros no Teatro Municipal de São Paulo, em 1922. Se é verdade, porém, que o modernismo brasileiro já era crescido em 1930, foi com a Revolução que chegou ao poder.
"A Revolução de 1930 é um marco da história brasileira porque, embora você não tenha uma mudança brusca de uma classe por outra, você tem um rearranjo das classes sociais e transformações importantes da sociedade brasileira. Era uma sociedade profundamente vinculada apenas ao café, controlada por aquela burguesia cafeeira agroexportadora, com um País centralizado que girava em torno de Rio e São Paulo, com Estados de primeira e segunda grandeza", afirma a historiadora Dulce Pandolfi, coorganizadora de A República no Brasil (2002).

Influência do movimento na literatura

Primeira fase das obras de Erico Verissimo faz parte da segunda geração modernista (1930-1940)

Primeira fase das obras de Erico Verissimo faz parte da segunda geração modernista (1930-1940)


LEONID STRELIAEV/DIVULGAÇÃO/JC
Sob vários aspectos, o movimento de 1930 e o modernismo estavam irmanados. Na Paraíba, um dos chefes civis da Revolução era o secretário da Segurança de João Pessoa, José Américo de Almeida. Nascido em família influente de Areia, formara-se na Faculdade de Direito de Recife e publicara o primeiro livro em 1921.
Sete anos depois, chegava às livrarias A bagaceira, romance ambientado no interior açucareiro - o título designa o bagaço da cana-de-açúcar, inservível para o lucro dos engenhos e utilizado como alimento para o gado. Embora tenha sido publicado em 1928, o livro passou à história como inaugurador do chamado Romance de 1930, o estilo ficcional fortemente influenciado pelo regionalismo e pelas preocupações sociais que predominariam até o pós-guerra.
Se A bagaceira foi enquadrado no Romance de 1930, seu autor pouco se dedicou às letras. Naquele ano, elegera-se deputado federal pelo Partido Republicano local, mas perdera o mandato na chamada "degola", mecanismo pelo qual uma comissão da Câmara fortemente influenciada pelo Executivo decidia pela posse ou não de uma parte dos eleitos. De volta à Paraíba, mergulhou de cabeça na rebelião. Sob a nova ordem, seria nomeado por Vargas interventor federal no Estado.
A presença de intelectuais como José Américo, Gustavo Capanema, Rodrigo Mello Franco de Andrade e Plínio Salgado nas primeiras fileiras da autoproclamada Revolução não é suficiente para explicar a sensibilidade cultural dos novos donos do poder. Embora fosse antes de tudo uma criatura do reino político, Vargas preocupava-se com as tendências regionalistas e mesmo autonomistas que haviam minado a República Velha. Um de seus propósitos ao chegar ao Rio seria reduzir os poderes de chefes e oligarcas locais. Depois da I Guerra Mundial, a Europa assistira a um fortalecimento de correntes nacionalistas e comunistas, que tinham em comum o recurso às artes e à cultura como ferramentas de mobilização das massas, facilitadas pela emergência de novas tecnologias como o cinema e o rádio. Sob Vargas, o Estado brasileiro seria dotado pela primeira vez de uma política cultural nacional que abarcaria todas as manifestações da arte e do pensamento. Ninguém estava mais habilitado a cavalgar essa montaria do que os modernistas.
Poucos intelectuais encarnam de forma tão significativa o imbricamento entre Revolução de 1930 e cultura do que Erico Verissimo. No caso do escritor cruz-altense, essa relação não se explica pelo perfil anfíbio de homem de letras e de armas como José Américo de Almeida. Tampouco se traduz na vocação burocrático-administrativa de Gustavo Capanema. Mais jovem do que ambos - completara 25 anos em 1930, contra os 33 de José Américo e os 30 de Capanema -, despertou para a escrita de ficção ainda na província.
Quando publicou o primeiro romance - Clarissa, de 1933, pela Livraria do Globo, onde trabalhava como secretário de redação da Revista do Globo e tradutor -, o poder varguista estava consolidado. A posição de executivo da principal casa editorial do Estado e autor de sucesso facilitou-lhe, porém, o acesso a personalidades poderosas do novo universo da política, como Osvaldo Aranha e José Antonio Flores da Cunha, e da cultura, como Augusto Meyer e Guilhermino Cesar.
Essas relações constituiriam um capital simbólico valioso que o catapultaria a duas temporadas como professor nos Estados Unidos, nos anos 1940 e 1950. Mais importante do que os laços com o poder, porém, foi a sensibilidade compartilhada por Erico com seus contemporâneos a respeito do que significava ser brasileiro.
O autor de O tempo e o vento crescera num ambiente de classe média e fizera a formação secundária no Colégio Cruzeiro do Sul - uma trajetória que lhe permitiu ter familiaridade com as principais manifestações e tendências da cultura e da arte de seu tempo. Em seu primeiro ano na Livraria do Globo, traduziu do inglês a novela O sineiro, de Edgar Wallace, que receberia adaptações de sucesso para o cinema. A formação cosmopolita - no caso de Erico, com traço fortemente anglo-americano - era um traço comum à maioria dos romancistas da Geração de 1930.
Com a cabeça em Paris, Londres e Berlim, habitavam um universo social ainda marcado pelas relações do campo. Tinham nascido num País recém-saído do Império e da escravidão, com a maioria da população presa à terra, para a qual as grandes cidades - além de Rio e São Paulo, nenhuma mereceria essa denominação nos dias de hoje - eram estranhas e ameaçadoras. Em 1940, passados 10 anos da queda de Washington Luís, apenas 31% dos brasileiros viviam em áreas urbanas. Se os devaneios intelectuais de Erico e de seus companheiros de geração empurravam-nos para Virginia Woolf, Louis Aragon e Henry James, seus pés enlameavam-se no solo denso e fundo da terra natal.
Numa passagem de suas memórias em que tenta divisar a ideia de O tempo e o vento, Erico chega a um momento vivido na sala da família em Cruz Alta, em 1935. O escritor estava ouvindo na vitrola um disco de música clássica. Um de seus tios, que chegara estabanado das lides campeiras, senta-se por descuido sobre os outros discos deixados sobre o sofá, desculpa-se e sai. O contraste entre as aspirações de civilização e cultura encarnados nos LPs amassados e a rudeza do tio faz Erico refletir sobre sua própria condição de artista aprisionado entre dois mundos.
Diferentemente de autores como Marcel Proust e Jorge Luis Borges, para os quais o campo é uma sombra imponente mas quase intangível como uma montanha sagrada, os escritores da Geração de 1930 encontram no espaço rural a própria matéria-prima de sua ficção. A seca para Rachel de Queiroz em O quinze, a saga dos retirantes para Graciliano Ramos em Vidas secas, a economia cacaueira da Bahia para Jorge Amado, a acucarocracia (termo cunhado por Evaldo Cabral de Mello) para José Lins do Rego em Menino de engenho - as lonjuras do Brasil profundo habitam o coração do momento culminante de nossa literatura no século XX.
Mesmo quando o romance da época voltou-se para o universo urbano, como em Os ratos (1935), de Dyonélio Machado, foi para expor os impasses de uma vida envolta em opressão e desespero. O próprio Dyonélio, como Graciliano, Amado e Rachel, compartilhavam convicções comunistas e socialistas que os tornaram inimigos em lugar de interlocutores da modernização varguista.
Coube a Erico, mais uma vez, escrever o requisitório da Era Vargas em O arquipélago (1963), última parte de O tempo e o vento. O doutor Rodrigo Cambará, preso à cama após um infarto e afastado do poder em 1945, faz um balanço amargo de sua trajetória como comensal do Estado Novo. O filho Floriano, herdeiro das convicções democráticas, confronta o pai com o legado pouco edificante de 15 anos de ditadura. No diálogo entre os dois, Erico encena em parte um ajuste de contas com o velho Sebastião. Separados em 1930, pai e filho unem-se num réquiem para a Revolução.
 

Educação, propaganda, censura e patrimônio histórico

Palácio Gustavo Capanema é um dos marcos da arquitetura modernista brasileira e mundial

Palácio Gustavo Capanema é um dos marcos da arquitetura modernista brasileira e mundial


IPHAN/DIVULGAÇÃO/JC
Primeiro presidente da República a colocar em prática uma genuína política cultural nacional, Getúlio Vargas colocou esse instrumento a serviço de seu projeto modernizante, centralista, industrial e com fortes traços paternalistas. Desconfiado das oligarquias regionais, que haviam se unido contra o Governo Provisório na malfadada Revolução Constitucionalista de 1932, tratou de esvaziar de poder não apenas político mas também simbólico os Estados em favor de uma centralização férrea.
Em 1937, no Centro do Rio, promoveu uma cerimônia de queima de bandeiras estaduais, enquanto a legislação do Estado Novo proibia a execução dos hinos das unidades federativas. Das fornalhas do regime varguista emergiria um Brasil uno e indivisível, caracterizado pela contemplação das belezas pátrias, pelo amor à ordem e à disciplina e pela promoção da harmonia social.
Dois foram os instrumentos principais dessa política: o Ministério da Educação e o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP). A pasta, pioneira na história republicana, que recebeu em 1930 a denominação de Ministério da Educação e Saúde Pública, tinha por meta a formação de gerações habilitadas a fornecer força de trabalho educada para a indústria e o setor de serviços em expansão crescente. O primeiro ministro da Educação foi o jurista mineiro Francisco Campos, que seria em 1937 o solitário autor da Constituição do Estado Novo. As simpatias autoritárias e mesmo fascistas de Campos foram consagradas no apelido dado à Carta de 1937, “Polaca”, em razão de sua inspiração na Constituição polonesa outorgada pelo ditador anticomunista Jozef Pilsudski.
Apesar do viés totalitário, foi de Campos a diretriz para que o sistema de ensino superior fosse moldado em universidades e não em faculdades isoladas. Embora a educação universitária permanecesse até os anos 1960 voltada predominantemente para a formação da elite política e burocrática, excluindo a imensa maioria da população, o enfoque resultou em impulso ao setor, com a criação da Universidade do Brasil, hoje Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Em 1932, Campos deixou o ministério. A pasta estava fadada a cair nas mãos de um de seus amigos próximos, o então interventor federal em Minas Gerais Gustavo Capanema. Ele se envolvera numa disputa pelo Palácio da Liberdade com outro partidário da Revolução de 30, Virgilio de Melo Franco. Num lance típico, Vargas livrou-se dos dois, promovendo ao Executivo mineiro o obscuro prefeito de Pará de Minas, Benedito Valadares. Chutado para cima, Capanema caiu em 1934 na prestigiada pasta da Educação. Valeu-lhe a ligação pessoal com Alceu Amoroso Lima, influente intelectual católico, num momento em que interessava a Vargas apaziguar as relações com a Igreja em torno da organização do ensino e de outros temas nos quais a disputa entre laicos e religiosos era acirrada.
O novo ministro recrutou para sua equipe uma parte dos intelectuais que, como ele, haviam pertencido ao Grupo da Rua da Bahia, em Belo Horizonte. Eram jovens talentosos e leais ao chefe. Entre os colaboradores, estavam Carlos Drummond de Andrade, poeta e jornalista que serviria como seu chefe de gabinete, e Rodrigo Melo Franco de Andrade, que organizaria o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN). Era um segundo escalão com vocação de primeiro.
Uma das primeiras iniciativas da equipe é o concurso para construção da sede do ministério, vencido por um projeto de inspiração indígena dos arquitetos Archimedes Memória e Francisque Cuchet. Capanema decide engavetar a ideia e convoca Lúcio Costa para apresentar outra proposta. Dessa iniciativa, da qual participaram Le Corbusier, Oscar Niemeyer, Carlos Leão, Jorge Moreira e Ernani Vasconcellos, resultou o edifício do Ministério da Educação e Saúde, atual Palácio Gustavo Capanema, um dos marcos da arquitetura modernista brasileira e mundial. Inaugurado por Vargas em 1945, no final do Estado Novo, o prédio integra um conjunto de dezenas de edificações modernistas erguidas no Rio de Janeiro ao longo dos 15 anos de seu primeiro governo.
A gestão Capanema não deixou área intocada no terreno da educação e da cultura. Na literatura, criou e fortaleceu o Instituto Nacional do Livro, entregue inicialmente ao gaúcho Augusto Meyer, por onde também passaram Sergio Buarque de Holanda e Mario de Andrade. O INL foi responsável pela edição de obras consideradas de interesse nacional e impulsionou a criação de bibliotecas públicas em todo o País. À frente do SPHAN, Rodrigo Melo Franco de Andrade promoveu tombamentos de monumentos históricos e artísticos, especialmente de arte sacra barroca em Minas Gerais. Durante a guerra, o ministério nacionalizou dezenas de escolas mantidas por comunidades migrantes europeias na Região Sul.
Enquanto o Ministério da Educação atraía e dialogava com intelectuais, o DIP, sob o comando de Lourival Fontes, exercia vigilância sobre eventuais manifestações de desconformidade com o regime. Letras de músicas, espetáculos, filmes e outras manifestações eram submetidas à rigorosa censura, instituição que datava dos tempos coloniais.
Nem mesmo compositores populares escapavam do olhar atento do regime. Um dos casos mais emblemáticos foi o do samba O Bonde de São Januário (1940), de Wilson Batista, gravado por Ataulfo Alves. Na letra original, o autor, autêntico exemplar de malandro carioca, dizia: “O Bonde de São Januário / leva mais um sócio otário / só eu não vou trabalhar”. Sob pressão das autoridades, o samba tornou-se politicamente correto em termos estado-novistas: “O Bonde de São Januário / leva mais um operário / sou eu que vou trabalhar”.

A Revolução na Capital

Em 3 de outubro de 1930, ataque ao Quartel General da 3ª Região Militar matou 14 homens da guarda

Em 3 de outubro de 1930, ataque ao Quartel General da 3ª Região Militar matou 14 homens da guarda


EXÉRCITO BRASILEIRO/DIVULGAÇÃO/JC
Cidade-chave da Revolução de 1930, Porto Alegre sublevou-se no dia 3 de outubro de 1930, sob o comando do ex-secretário do Interior e Justiça Osvaldo Aranha. Em poucas horas, homens armados tomaram os dois principais objetivos dos rebeldes na Capital: o Quartel General da 3ª Região Militar (hoje Comando Militar do Sul), na Andradas, e o antigo Arsenal de Guerra, na Ponta do Gasômetro. Os dois locais estavam sob a mira de metralhadoras postas nas torres da Igreja das Dores e no Hotel Majestic (hoje Casa de Cultura Mario Quintana). Ao resistir, 14 homens da guarda morreram em 15 minutos de combate, segundo o coronel e historiador Cláudio Moreira Bento.
Em 3 de outubro de 2000, quando a Revolução de 1930 completou 70 anos, foi inaugurada placa de bronze no QG do Comando Militar do Sul, com os seguintes dizeres: "Neste local, na tarde de 3 de outubro de 1930, um ataque ao Quartel General da 3ª Região Militar deflagrou o início da Revolução de 1930, sob a direção de Getúlio Vargas, Osvaldo Aranha, Flores da Cunha, Agenor Barcellos Feio e outros. O movimento denominado Aliança Liberal empolgou o Estado e o País, alcançando a vitória com a deposição de Washington Luís. A Revolução de 1930 encerrou um ciclo de lutas anti-oligárquicas e por eleições limpas, conhecido por Tenentismo, e desencadeou um processo de modernização das estruturas no rumo de uma sociedade urbana e industrial".
O Rio Grande do Sul havia sido um dos epicentros da campanha da Aliança Liberal, coligação dos partidos governistas gaúcho, mineiro e paraibano que disputara as eleições presidenciais em março daquele ano e fora derrotada pela chapa situacionista. Com a derrota, tornara-se um centro de conspiração e trânsito de exilados. Até mesmo o ex-capitão do Exército Luiz Carlos Prestes estivera na Capital, a convite de Getúlio Vargas e Aranha, que tentaram obter, sem sucesso, sua adesão ao movimento pela deposição de Washington Luís. Cético em relação às intenções dos anfitriões em promover uma autêntica revolução social, o chefe da Coluna anunciaria meses depois a conversão ao comunismo.

Centro conta a História

Grande Hotel na Praça da Alfândega serviu de Quartel General para os revoltosos

Grande Hotel na Praça da Alfândega serviu de Quartel General para os revoltosos


/REPRODUÇÃO/JC
Veja a seguir outros locais históricos da Capital ligados à história da Revolução de 1930:
PRAÇA DA ALFÂNDEGA - O Grande Hotel, antigo Hotel Brasil, funcionou no prédio que hoje é o Clube do Comércio, na Praça da Alfândega, de 1908 a 1918. A partir de então, o proprietário, Cristino Cuervo, transferiu o estabelecimento para prédio novo, especialmente construído para uso em hotelaria, na esquina das ruas dos Andradas e Paysandú (hoje Caldas Júnior). Em 1930, o Grande Hotel foi utilizado como quartel-general pelos revoltosos. Em estilo eclético, com fachada ricamente adornada e um saguão luxuoso dotado de dois elevadores de frente para a Praça da Alfândega, era ponto de encontro e hospedagem de políticos como Osvaldo Aranha, Flores da Cunha e Maurício Cardoso. "Sede não oficial de todos os partidos políticos", segundo o historiador Dante de Laytano, o local abrigou o general e futuro marechal Cândido Mariano Rondon, preso em Marcelino Ramos pelos rebeldes.
PALÁCIO PIRATINI - Sede do governo do Estado, ocupado por Getúlio Vargas em 1930, o palácio guarda relíquias do período, como mobiliário e objetos utilizados pelo ex-presidente. Situado na Praça Marechal Deodoro, a popular Praça da Matriz, no Centro da Capital, o palácio teve sua construção iniciada em 1896, no governo de Julio de Castilhos. Depois de inúmeras paralisações, as obras foram concluídas em 1921. Em razão da pandemia do novo coronavírus, visitas a passeio ao palácio estão suspensas.
CORREIO DO POVO - Jornal fundado em 1898 por Francisco Caldas, o Correio do Povo foi o principal e mais prestigioso veículo jornalístico do Estado até o final do século passado. O atual prédio-sede do jornal, na esquina das ruas dos Andradas e Caldas Júnior, é o Edifício Hudson, um dos pontos históricos da Capital, inaugurado em 1946. Em 1930, o jornal ocupava instalações alugadas na Rua dos Andradas.
CARTA-TESTAMENTO - Na Praça da Alfândega encontra-se uma cópia em bronze da Carta-testamento, documento que é considerado o testamento político de Getúlio Vargas. A peça, que já foi furtada por várias vezes, serve de ponto de referência para manifestações em memória do ex-presidente, que se suicidou com um tiro no coração em 24 de agosto de 1954.
RUA ANDRADE NEVES - A rua do Centro da Capital abrigava uma das mais famosas casas noturnas do Estado, o Club dos Caçadores. Misto de cassino e cabaré, era ponto de encontro de políticos, artistas e personalidades - um dos frequentadores mais famosos, José Antonio Flores da Cunha, era facilmente localizado nas mesas de pôquer. O estabelecimento, que funcionava no nº 24 da rua Andrade Neves, fechou em 1942.

* Luiz Antônio Araujo é jornalista e colabora com BBC Brasil, The Intercept Brasil, Folha de S.Paulo e O Estado de S.Paulo. Professor de Jornalismo na Pucrs desde 2015, é mestre em Comunicação e Informação e doutorando em Estudos Estratégicos Internacionais pela Ufrgs.