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reportagem cultural

- Publicada em 27 de Agosto de 2020 às 20:41

Casas noturnas enfrentam ameaça inédita de extinção em Porto Alegre

Derso "Rafa" Júnior acumula perdas na Dale, casa noturna 
da Cidade Baixa

Derso "Rafa" Júnior acumula perdas na Dale, casa noturna da Cidade Baixa


/MARCELLO CAMPOS/DIVULGAÇÃO/JC
Balada, point, danceteria, night club, dance house, discoteca, boate, dancing. Diversos são os sinônimos na linha do tempo e escorregadia a fórmula - a própria legislação não ajuda muito. Na falta de melhor conceito, é possível definir uma casa noturna como caixa de concreto com nome, letreiro (luminoso, de preferência), bar, pista de dança ou shows, muita música, pouca luz, alvará na parede, um ou mais proprietários e, sobretudo, gente à procura de diversão, romance ou um simples bate-papo. Pois esse tipo de ambiente corre, pela primeira vez, sério risco de extinção em Porto Alegre.
Balada, point, danceteria, night club, dance house, discoteca, boate, dancing. Diversos são os sinônimos na linha do tempo e escorregadia a fórmula - a própria legislação não ajuda muito. Na falta de melhor conceito, é possível definir uma casa noturna como caixa de concreto com nome, letreiro (luminoso, de preferência), bar, pista de dança ou shows, muita música, pouca luz, alvará na parede, um ou mais proprietários e, sobretudo, gente à procura de diversão, romance ou um simples bate-papo. Pois esse tipo de ambiente corre, pela primeira vez, sério risco de extinção em Porto Alegre.
A mesma cidade que nas últimas seis décadas catalogou centenas desses pontos (alguns deles vitais no imaginário local, como Encouraçado Butikin, Água na Boca, Looking Glass, Crocodillo's, Cord e Fim de Século) hoje abriga pouco mais de 20 endereços com tal perfil, a maioria nos bairros Cidade Baixa, Centro Histórico, Auxiliadora, Floresta e Moinhos de Vento. Essa retração, que não é recente, pode ser atribuída a transformações no comportamento do público e a exigências mais severas pela legislação, dentre outros tantos itens na comanda. Mas nada se compara ao impacto da pandemia do novo coronavírus.
Um dos mais atingidos pelos decretos de prevenção ao contágio pela Covid-19, o ramo ainda não tem perspectivas de retomada das atividades, paralisadas desde meados de março. A situação é de penumbra. Já tem ponto em obras para reposicionamento de negócio e até um novo que sequer foi inaugurado. Os "donos da noite" resistem e, mesmo que nenhum admita abertamente jogar a toalha no curto prazo, há certo consenso de que só uma guinada positiva no cenário epidemiológico - de preferência a chegada da tão aguardada vacina - poderá salvar o segmento, que já amarga perdas individuais de até R$ 2 milhões.
Alguns aproveitam para colocar tudo em ordem, providenciando reparos, melhorias e vistorias pendentes. Mas a maioria tateia no escuro à procura de uma saída de emergência. Para amenizar a crise, o jeito tem sido recorrer a linhas de crédito, renegociação de alugéeis, desligamento de colaboradores, queima de reservas, venda de estoques, festas on-line e vaquinhas virtuais, além de alternativas como a tele-entrega de alimentos. "Já precisei me desfazer de bens pessoais e estou fazendo bico em outra área", desabafa um dos 20 entrevistados para esta reportagem - produzida de acordo com diretrizes de distanciamento.
E se faltam dados mais precisos por parte da prefeitura ou de entidades representativas, há o testemunho abalizado pela experiência. "Nunca vi algo assim", endossa o consultor Dudu Alvarez, 74 anos, que durante cinco décadas fez girar o globo espelhado de ícones como Encouraçado Butikin (1965-1992) e Cord (1990-2012).
"Antes, se uma danceteria fechasse, os clientes passavam a frequentar outra, pois havia opções de sobra, de segunda a domingo. Agora, o problema é com todas e pode chegar uma hora em que a reabertura não seja viável para algumas. Por outro lado, as que sobreviverem receberão um público ansioso em se reencontrar com a noite, principalmente os jovens."

A boemia em calmaria

Sócios do In Sano investiram em nova configuração com quatro ambientes para happy-hour

Sócios do In Sano investiram em nova configuração com quatro ambientes para happy-hour


/MARCELLO CAMPOS/DIVULGAÇÃO/JC
Balões verdes da festa de Saint Patrick ainda pendurados no mezanino congelaram no tempo a noite de sábado, 14 de março, quando a casa noturna Margot abriu as portas ao público pela última vez, três dias antes de a prefeitura de Porto Alegre decretar estado de emergência por causa da pandemia de coronavírus. Com duas pistas de dança e vários ambientes em quatro casas alugadas na rua João Alfredo, a mais boêmia da Cidade Baixa, o local que até março de 2015 abrigava a Voodoo Lounge acumula perdas de R$ 500 mil em cinco meses de uma paralisação que parece não ter fim.
"A gente não tem planos de fechar, mas as coisas nunca estiveram tão difíceis", avalia o gerente operacional Eduardo Ribeiro, 41 anos. "Já havíamos investido R$ 100 mil em melhorias, após dois meses de interdição por questões relacionadas ao PPCI [Plano de Prevenção e Combate a Incêndio]." Ele conta que os 16 empregados foram desligados e a casa, habituada a receber, de quarta-feira a sábado, um público entre 18 e 30 anos e em busca de um som eclético (música brasileira, funk, ritmos latinos etc.), já tem planos para um quadro pós-Covid, abrindo inicialmente como pub para menos gente.
Situação semelhante vive a Nuvem, a menos de 100 metros dali. Ocupando também quatro casas contíguas, o estabelecimento inaugurado em agosto de 2017 vinha oferecendo doses generosas de funk, pop, reggaeton e sertanejo para uma clientela de 18 a 24 anos, até que tudo fosse desplugado. "O prejuízo é enorme", sublinha o sócio-proprietário Lucas Lucena, 29 anos, sem abrir valores. "Demitimos 14 funcionários, renegociamos o pagamento dos aluguéis e tivemos que interromper as obras de um segundo empreendimento que já estava 90% concluído e com abertura prevista para maio."
Na calçada em frente, a falta de perspectivas se mistura a um senso de oportunidade no Espaço Cultural 512, em atividade desde outubro de 2006 e que preenche três imóveis. "Antes de março, já planejávamos uma remodelação, então a pausa acabou oportunizando mudanças, em ritmo menos acelerado", explicam os donos Guilherme Carlin, 37 anos, e Rafael Corte, 39. Além de um upgrade nos equipamentos e no tamanho da pista, eles se preparam para retomar o serviço diurno de restaurante - desativado em 2019 - e usar a infraestrutura da produtora Outros 500, na sobreloja, para "lives" e outros eventos virtuais.
Na última quadra da João Alfredo, o Bate (ex-Batemacumba) comemoraria em julho os seus três anos de refundação, sob a batuta de Carolina Pizzato, Diego Dresch e Kátia Azambuja, de 33, 40 e 32 anos. Ficou para a próxima vez. Um dos mais despojados da modalidade na Capital (um andar com 116 m2) trabalha exclusivamente com free-lancers, dos quais ficou só a encarregada de redes sociais: nos últimos meses, foram duas festas on-line com ingresso pago e uma campanha de financiamento coletivo. "Em junho, porém, tivemos que tirar do próprio bolso para pagar os boletos", expõe Kátia.
Outra artéria da boemia no bairro, a rua Lima e Silva vive dias de calmaria. Mas não da porta para dentro. Na Dale, aberta em março do ano passado no mesmo endereço que já acomodou outras duas congêneres desde 2002, o proprietário Derso "Rafa" Júnior, 49 anos, desabafa: "É o pior momento de minha vida como empreendedor. Dispensei 16 colaboradores, renegociei aluguéis e, para manter as despesas em dia, já comecei a vender bens e estou fazendo bico em outra atividade". Não bastasse a crise, recentemente o imóvel de dois andares já foi alvo de duas investidas de arrombadores, sem sucesso.
Já o In Sano radicalizou. O bar inaugurado em 2002 e que virou danceteria retrocederá às suas origens, fazendo jus ao selo "pub" que sempre ostentou na fachada do prédio de três andares e que na década de 1980 acolhia o bar Pulsação. Em plena pandemia, os sócios Álvaro Lisot, 45 anos, e Ubirajara Gutierrez, 43, investiram R$ 50 mil em nova configuração com quatro ambientes para happy-hour com música ao vivo, sem a pista de dança que servia fartas doses de pop-rock, reggae, salsa e outros. "Era hora de mudar, pois a noite anda saturada", explica Lisot, que para isso vendeu o carro e alguns equipamentos.
 

Thais Gomes, da Cucko, subestimou o potencial de estrago da pandemia e agora faz baladas on-line e tele-entrega

Thais Gomes, da Cucko, subestimou o potencial de estrago da pandemia e agora faz baladas on-line e tele-entrega


MARCELLO CAMPOS/DIVULGAÇÃO/JC
Chamada de "Ninho" por uma clientela jovem e com maioria de "minas", a Cucko tinha 34 colaboradores - nove fixos - quando cancelou os agitos iniciados em 2013 no sobrado da até então Dhomba. A proprietária Thais Gomes, 34 anos, subestimou o potencial de estrago da pandemia, que custaria três demissões e seis desligamentos, além do caixa e do estoque de bebidas zerados. "Achei que as restrições seriam temporárias, mas depois bateu o desespero", assume. O jeito foi recorrer a baladas on-line, venda de vouchers futuros e uma novidade: o "Xis do Cucko", com 14 opções e tele-entrega.
A poucos passos, o nome Liberty nas janelas do casarão da esquina com a avenida Venâncio Aires envolve um caso inusitado: as restrições de atividades por causa do novo coronavírus chegaram dias antes da inauguração. "Fiz um investimento enorme, tudo ficou pronto e o pessoal eufórico para conhecer o espaço, direcionado ao público gay", suspira o empresário Leo Beone, 38 anos e que também é o coordenador de Diversidade Sexual da Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos (SJCDH) do Estado. "Mas o fato de ainda não ter contratado funcionários acabou me deixando um pouco mais tranquilo."
Foi mais ou menos o que ocorreu em seu anexo lateral, a Uptown, instalada desde 2015 no imóvel do antigo Clube da Saudade. Ali, a pandemia deu de cara na porta, fechada havia dois meses para ajustes cobrados pelos Bombeiros. Faltava pouco para que o proprietário José Norberto Lara, 60 anos, religasse as luzes da danceteria, que escapou de perdas maiores porque se dedica basicamente a festas, quase sem funcionários fixos. "Por outro lado, ao menos três tentativas de arrombamento desde abril acabaram por danificar o registro hidráulico, exigindo uma nova vistoria", ressalva.
A experiência de ter superado etapas difíceis com o Opinião não impede a sensação de incerteza por parte do sócio Cláudio "Magrão" Fávero, que divide com Alexandre "Alemão" Lopes, ambos de 57 anos, o comando de uma das veteranas de Porto Alegre - começou como bar em 1983 e evoluiu para casa noturna em menos de uma década. "Já atravessamos planos econômicos, interdição pela prefeitura e outros desafios, mas nada como agora", reitera. "Somos a parte mais afetada, junto com agências de turismo, cinemas etc. No nosso caso, não há como fazer festas com lugares marcados e outras formas de distanciamento."
Na Divina Comédia (ex-Cabo Horn), uma recém-concluída reforma estava pronta para abril, mas o sempre sorridente Marcelo "Seco" Correa, 52 anos, e o filho William, 28, terão que esperar a poeira baixar. A meca do rock no bairro já deixou de faturar pelo menos R$ 350 mil em quase um semestre na tecla stop.
"Tenho conciliado minha rotina com o trabalho em uma indústria na Região Metropolitana", revela Marcelo. "Tenho conseguido pagar mais ou menos as contas, tentando financiamentos, descontos e tal. Acho que já não há mais chance de normalidade antes de 2021. Antes disso, só como bar."

Pista central

Dupla de sócios do Cabaret precisou de empréstimos e se desfazer de bens para segurar as pontas do sobrado

Dupla de sócios do Cabaret precisou de empréstimos e se desfazer de bens para segurar as pontas do sobrado


/MARCELLO CAMPOS/DIVULGAÇÃO/JC
Região que nas últimas décadas vem sediando um número relativamente menor de boates (os "inferninhos" ficaram de fora da reportagem), o Centro Histórico também é lugar de persistência. Que o digam Carlos Beust, 70 anos, e Jeremy Crawshaw, 47, sócios do Cabaret e para quem o hiato forçado não é novidade. Na ativa desde 1992, a casa funcionou na Independência até 2013, quando um incêndio interrompeu tudo até a migração para a avenida Sete de Setembro, em 2015. A dupla precisou agora tomar empréstimos e se desfazer de bens para segurar as pontas no sobrado, destino semanal de uma clientela 70% LGBTQI e na faixa de 20 a 30 anos.
Para Beust, a estagnação não deve acabar tão cedo: "A bola-de-neve está crescendo e pode ficar interminável. Sem uma vacina contra a Covid-19 e alguma forma de incentivo econômico por parte das autoridades, as coisas ficarão bem complicadas ou mesmo insustentáveis para quem depende do negócio. Ainda é difícil falar em extinção, mas o baque nunca foi tão grande." Seu colega Jeremy faz a ressalva: "Por pior que seja a conjuntura atual, a nossa atividade sempre foi dura e desistir no atual contexto pode ser ainda pior, até por que nem todo mundo dispõe de uma segunda atividade para se sustentar".
"Pé-no-chão", parcerias e gestão de crise embalam o ritmo de espera no Club 688, ativo desde 2011 em um discreto prédio de três pavimentos que se mistura à paisagem de concreto das imediações do Cais Mauá. "Tínhamos recursos em caixa e os patrocinadores mantiveram a verba anual, o que permitiu enfrentarmos esse momento de insegurança", ameniza o dono Roberto Huwwari, 43 anos. "Estamos de olho no desenrolar dos fatos, econômica e sanitariamente. A projeção atual é realista, de reabertura só em março, pós-verão. Enquanto isso, negociamos com fornecedores e cortamos passivos desnecessários."
E se o Bom Fim também nunca primou pela quantidade de casas noturnas, compensa em tempo de serviço, com o Ocidente. Estalecido desde 1980 em uma das esquinas de maior fluxo no bairro, o atual decano do gênero na Capital tem bala na agulha para suportar a barra ao menos até dezembro. "Só agora estou começando a buscar soluções para o ano que vem", admite o proprietário Antônio "Fiapo" Barth, 67 anos. Enquanto seguem de molho as festas que atraíam até 700 pessoas por noite, ele mantém o já tradicional serviço de almoço no restaurante, incluindo opções de tele-entrega e pegue-e-leve.
Os 15 empregados com carteira assinada e 20 free-lancers envolvidos nas operações noturnas, por sua vez, tiveram contratos suspensos ou rescindidos. "Se vier uma vacina, eu banco do próprio bolso para eles se reapresentarem", assegura Barth, que diz não ter um cálculo das perdas somadas desde março. Há um valor, porém, que ele não esquece: R$ 7 mil, custo do estrago causado durante um dos quatro arrombamentos do imóvel nesse período. Interessado em duas torneiras automáticas, o invasor acabou arrebentando a tubulação e o resultado foi uma cascata que alagou os três andares com 4 mil litros de água.
Um pulo até o Moinhos de Vento e Edson Dutra, 58 anos, tira o cadeado da Fever. Aberto em 2018 no local da efêmera Notredame (1999), o mais imponente das instalações percorridas pela reportagem vem suportando um saldo negativo que ele complexa dimensionar. "De 40 funcionários, mantive apenas um décimo, para dar continuidade aos serviços de conservação", explica Dutra, cujo currículo inclui a danceteria Santa Mônica (1998-2017). Sua pró-atividade o motivou a produzir um estudo de protocolos sanitários para reativação segura das boates - o documento aguarda resposta das autoridades.
Na vizinha Auxiliadora, a pandemia mantém no vácuo os frequentadores do 72 New York, que evoluiu de bar para casa noturna em 2000. "A gente sempre soube se reinventar e sobreviver às crises, afinal até nas piores fases havia trabalho", compara o dono Horizonte Venzon, 61 anos. Exceto pelo restaurante, reaberto em agosto após novo decreto municipal de flexibilização do comércio, o esquema noturno permanece no aguardo do "OK". "Manter uma casa aberta porém inoperante custa caro, mas não vou desistir", avisa o empresário, que já precisou quebrar o cofrinho de um fundo pessoal de investimento.
Já para a Coolture, o tempo é de mudança - literalmente. Última inquilina do imóvel que fez história com a Crocodillo's (1978-1995), a balada aberta em 2017 finaliza o processo de saída para um novo ponto, em terreno da rua Dom Pedro II (bairro São João) que antigamente acolhia o casarão da danceteria Santa Mônica (1998-2017). A exemplo de outros concorrentes, o fato de ter apenas equipes terceirizadas evitou demissões. "Após um início de ano promissor, hoje nos incomoda a falta total de previsão", sublinha o sócio Daniel Macedo, 35 anos, que encontrou dificuldades para lucrar com festas virtuais.
 

Ninguém está livre

Point da Lov, no bairro Bela Vista, já hospedou Cord, Pixy e Woods

Point da Lov, no bairro Bela Vista, já hospedou Cord, Pixy e Woods


/MARCELLO CAMPOS/DIVULGAÇÃO/JC
A 350 metros dali, a franquia da norte-americana Provocateur (ex-Pink Elephant) deflagrou no Instagram uma série de ações promocionais para evitar a inércia. "Já nos primeiros meses de pandemia, entretanto, deixamos a divulgação de lado ao constatar o desinteresse pelo público e dificuldades para monetizar essa experiência", relata Marcos Paulo Magalhães, 36 anos, um dos seis sócios da boate, desde 2013 um dos raros exemplos de espaço erguido especificamente para tal finalidade em Porto Alegre. Trata-se, também, do único estabelecimento cujo entrevistado mencionou já ter recebido teste positivo para Covid-19.
Na parte mais alta do bairro Bela Vista, por sua vez, o fechamento temporário da Lov em março - após um ano de inauguração - contrasta com a história de um point que já hospedou Cord, Pixy e Woods. A pandemia pegou em pleno andamento um processo de troca de mãos, fazendo o novo empreendedor puxar o freio-de-mão. "Não tive prejuízo, até porque assumi o negócio paralisado e o aluguel não está sendo cobrado", ameniza Wyllian Meller, 35 anos. Os desdobramentos da atual conjuntura ditarão o futuro: não estão descartadas mudança de nome e conversão em pub, tendo como parceiro um aplicativo de serviços, descontos e fidelidade.
Por fim, o empresário Rafael Vearick, 43 anos, define como "um caos" o atual momento da Be.Club (antigas Astória, Nietsche e, por último, Vidigal), desde 2017, a única do gênero em funcionamento no bairro Rio Branco. Com perdas que já atingem mais de R$ 60 mil por semana, ele não sabe o que seria de seus "papagaios" se não mantivesse fonte de renda paralela com uma pequena empreiteira de reformas. "Tenho tudo engatilhado para uma obra na própria boate, mas obviamente não dá para avançar agora nesse plano. Mas a noite tem os seus ciclos e a gente vai voltar. A ideia é essa."

Bandeira vermelha

Pista vazia do Fever Club, aberto em 2018 no bairro Moinhos de Vento

Pista vazia do Fever Club, aberto em 2018 no bairro Moinhos de Vento


MARCELLO CAMPOS/DIVULGAÇÃO/JC
A partir de dados do Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), o movimento setorial Live Marketing cita que 44% dos gestores do ramo de eventos projetavam, já em abril (segundo mês da pandemia), um a dois anos para que tudo retorne ao normal após uma reativação do segmento, que no Rio Grande do Sul movimenta R$ 2 bilhões/ano e emprega 500 mil pessoas em 70 atividades diretas ou indiretas. Mas as coisas são mais complicadas para as boates, cujo fim do “lockdown” segue incompatível com quaisquer bandeiras de risco no distanciamento controlado.
Decretado em maio pelo governo do Estado para condicionar a flexibilização de atividades ao quadro epidemiológico em cada região gaúcha, o sistema mantém Porto Alegre pintada de vermelho (alto risco para coronavírus) há 10 semanas. E ainda não há indicativo de que tal status evolua tão cedo. “Após reuniões com a categoria, estamos tratando o tema no Comitê de Enfrentamento à Covid”, informa o titular da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico (SMDE), Leonardo Hoff. A pauta inclui uma proposta de evento-teste com protocolos logísticos e sanitários que permitam eventos culturais.
Encaminhadas por empresários e produtores, as sugestões incluem medidas como a separação mínima entre poltronas nas plateias de shows – algo totalmente desconexo em relação à dinâmica de uma balada com pista de dança, por exemplo. Hoff corrobora a noção de que ainda está longe a noite em que os neons das casas noturnas brilhem novamente: “A prefeitura mantém canais disponíveis para o diálogo em busca conjunta de soluções, mas o fato é que no atual momento não há como assumir compromissos no sentido de uma retomada desse tipo específico de atividade no curto prazo. Seria suicídio.”


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* Marcello Campos é formado em Jornalismo e Publicidade e Propaganda (ambas pela Pucrs) e Artes Plásticas (Ufrgs). Tem cinco livros já publicados, incluindo a biografia de Lupicínio Rodrigues e do Conjunto Melódico Norberto Baldauf. Há mais de uma década, dedica-se ao resgate de fatos, lugares e personagens porto-alegrenses. Em 2019, obteve o 2º lugar e uma menção honrosa no Prêmio ARI com duas reportagens culturais para o Jornal do Comércio.