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reportagem cultural

- Publicada em 19 de Março de 2020 às 20:50

Abertura da Bienal do Mercosul é adiada

Para driblar novo coronavírus, direção da Fundação Bienal do Mercosul investe em meios digitais na edição que traz maioria de artistas mulheres

Para driblar novo coronavírus, direção da Fundação Bienal do Mercosul investe em meios digitais na edição que traz maioria de artistas mulheres


FILIPE CONDE/DIVULGAÇÃO/JC
Diante da ameaça do novo coronavírus, a 12ª Bienal do Mercosul adiou a abertura da mostra por tempo indeterminado. O evento internacional de artes visuais já havia passado por alterações em função da pandemia - a ideia anterior era apostar no virtual.
Diante da ameaça do novo coronavírus, a 12ª Bienal do Mercosul adiou a abertura da mostra por tempo indeterminado. O evento internacional de artes visuais já havia passado por alterações em função da pandemia - a ideia anterior era apostar no virtual.
"Neste momento, a curadoria e as equipes administrativas e de produção seguem trabalhando remotamente e dirigem seus esforços para pensar ações que viabilizem o acesso do público a conteúdos e ferramentas digitais vinculados à Bienal 12. Gilberto Schwartsmann, diretor-presidente da instituição, comunicará novas informações à medida que houver atualizações", informou, em nota divulgada nesta quinta-feira, a assessoria da Fundação Bienal, que organiza a mostra.
A direção da instituição cultural já havia cancelado todos os eventos públicos, incluindo a abertura solene, prevista para o dia 15 de abril (a exposição começaria no dia seguinte e seguiria até 5 de julho).
Também suspendeu as viagens de artistas brasileiros e estrangeiros a Porto Alegre. Os organizadores estudam formas de levar as obras expostas ao público por meio digital, com visitas virtuais, vídeos e outros recursos.
Os espaços expositivos estavam sendo preparados para o evento, mas agora a visitação aos locais que sediariam a mostra - Margs, Memorial do Rio Grande do Sul, Praça da Alfândega, Fundação Iberê Camargo e Centro Histórico Cultural Santa Casa - não estarão abertos ao público por tempo indeterminado.
Inicialmente, estava prevista a vinda a Porto Alegre de cerca de 60 dos 75 artistas que participam da mostra - mais de 80% são mulheres. "Seria a edição com maior número de artistas presentes", diz Schwartsmann.
A circunstância abre a possibilidade de que a Bienal explore novos formatos de interação entre criadores, obras e público. "Nós, amigos das artes, falamos sempre em aproximação. Agora, teremos de nos aproximar apenas virtualmente, distanciando-nos fisicamente", ressalta.
Mesmo em dimensões enxutas, se comparadas a edições anteriores, a 12ª Bienal propõe-se a abraçar a amplidão do continente da arte das mulheres. O tema Feminino(s). Visualidades, ações, afetos segue de perto o foco na diversidade adotado na edição anterior, de 2018, que se abriu para a produção artística afro-americana.
A ênfase no feminino coloca a Bienal na linha de frente da valorização da presença de mulheres artistas em coleções públicas e privadas. O manifesto curatorial, lançado no ano passado, aponta como fio condutor da Bienal "propostas de artistas mulheres e de todas as sensibilidades não binárias, fluidas, não normativas".
Segundo a curadora-geral, Andrea Giunta, a intenção é disponibilizar ao público expressões culturais que "ainda não têm uma presença equivalente nos círculos da arte latino-americana contemporânea".
A equipe curatorial trabalhava, desde o ano passado, no desenho da programação, que incluiu atividades como o Território Kehinde, série de debates realizada em outubro e novembro em Porto Alegre, Caxias do Sul e Pelotas.
Além de Andrea, fazem parte do grupo dois professores de arte (a polonesa Dorota Biczel, da Universidade de Houston, nos Estados Unidos, e o brasileiro Igor Simões, da Universidade do Estado do Rio Grande do Sul) e uma curadora independente (Fabiana Lopes, brasileira residente em Nova York).

Arte luta pela sobrevivência

Em 2018, Bienal do Mercosul foi dedica à cultura afro; em 2020, o foco é feminino

Em 2018, Bienal do Mercosul foi dedica à cultura afro; em 2020, o foco é feminino


THIÉLI ELISSA/DIVULGAÇÃO/JC
Uma das inspirações dos curadores Andrea Giunta, Dorota Biczel, Igor Simões e Fabiana Lopes para a 12ª Bienal do Mercosul foi a obra da escritora Carolina de Jesus (1914-1977), que teve seu primeiro livro, Quarto de despejo, publicado em 1958 e traduzido para 14 línguas enquanto sobrevivia como catadora de papéis numa favela de São Paulo. "Ela (Carolina) escrevia na riqueza da favela e apesar das limitações impostas por violências raciais (pós) coloniais. Escrevia 'até passar a chuva'. As palavras e as imagens se depositaram em seus papéis desenhando territórios que apontam para uma liberdade possível", afirma o manifesto.
Para a Bienal, a chuva ainda não passou. A Bienal do Mercosul lutou pela vida em meio à crise que varreu o Brasil desde meados da década. Por vezes, pareceu que o evento não sobreviveria.
A recessão que assolou o País entre 2014 e 2016, seguida da mais fraca recuperação econômica da história, e o corte de patrocínios tiveram impacto dramático sobre a mostra, que teve de adiar a 11ª edição, programada para 2017, por um ano. Quando finalmente abriu as portas, a Bienal de 2018 estava reduzida a cerca da metade da anterior, com orçamento reduzido em 50% dos R$ 7,5 milhões investidos em 2014.
Para este ano, os valores previstos são praticamente os mesmos da edição passada. "Posso garantir que estamos fazendo o melhor que podemos", afirma o presidente da Fundação Bienal do Mercosul, Gilberto Schwartsmann.
Ele reconhece, porém, que o cenário é adverso. Entre as dificuldades, cita a escassez de verbas destinadas ao incentivo à cultura por empresas públicas e privadas, o acirramento da competição por patrocínios e a desvalorização do real ante o dólar. "O simples transporte de obras do exterior para Porto Alegre exige recursos", explica.
Fechar as contas tornou-se um desafio. Em fevereiro, a fundação ainda lutava para obter patrocínio equivalente a 25% dos custos. Enquanto não dispõe de recursos, a Bienal esbanja criatividade.
Um dos trunfos da 12ª edição foram os Territórios Kehinde, encontros gratuitos para debater arte, cultura e femininos realizados em três municípios (Porto Alegre, Caxias do Sul e Pelotas). Além da equipe curatorial, a lista de debatedores incluiu artistas, ativistas, professores e historiadores da arte.
Além do dinheiro curto, a arte brasileira enfrenta a incompreensão grossa. Em fevereiro, a prefeitura do Rio de Janeiro censurou uma obra exposta no Centro de Cultura Hélio Oiticica por "vilipêndio à fé cristã". A colagem Virgem Maria Trans, de Órion Lalli, mostrava a Virgem com seio à mostra e pênis, e continha a inscrição "Deus acima de tudo, gozando acima de todos".
Em 2017, grupos conservadores e religiosos mobilizaram-se pelo fechamento da exposição Queermuseu - Cartografias da diferença na arte brasileira, que valorizava o não normativo em matéria de gênero. O episódio teve repercussão mundial, e a mostra foi reaberta no ano seguinte no Parque Lage, atraindo mais de 10 mil visitantes.
A curadora-geral da Bienal nega, porém, que a edição deste ano seja uma resposta a manifestações pontuais de censura e obscurantismo. "Comecei a investigar esses temas nos anos 1990. Ao mesmo tempo, o presidente da Fundação, Gilberto Schwartsmann, que é um médico e um humanista extraordinário, desde 2017, teve a visão de um programa cultural dedicado, em 2018, à cultura afro-latino-americana, afro-atlântica, e, em 2020, às mulheres e aos femininos. Obviamente, que uma exposição se feche é muito preocupante", afirma Andrea Giunta.
Apesar das dificuldades, os números da Bienal impressionam. Em 22 anos e 11 edições, foram 6 milhões de visitas em 615 dias de exposições com entrada franca. Foram apresentadas 4,8 mil obras de 1,7 mil artistas, além de 16 monumentos públicos doados à Capital. Algumas dessas peças tornaram-se ícones da paisagem porto-alegrense, como Supercuia, de Saint Clair Cemin, que fez parte da 4ª Bienal, em 2003, e hoje ornamenta a Rótula das Cuias, na orla do Guaíba.

Visibilidade enganadora

Exposição Gostem ou não: artistas mulheres no acervo do Margs teve obras de 35 artistas

Exposição Gostem ou não: artistas mulheres no acervo do Margs teve obras de 35 artistas


FILIPE CONDE/DIVULGAÇÃO/JC
Onipresença, mais do que presença, é o termo adequado para se avaliar a participação da produção artística feminina na América Latina. O cenário é dominado pela figura imponente e trágica da pintora Frida Kahlo (1907-1954), que atingiu o status de ícone pop antes reservado a mestres europeus. Se não fosse levada em conta a célebre mexicana, ainda assim não existiria modernismo latino-americano sem Tarsila do Amaral e Amelia Pelaez, abstracionismo sem Lygia Clark e Mira Schendel, ou pop art sem Marta Minujín.
Fora das galerias, o peso feminino é ainda mais incontestável, como mostra o virtual monopólio, pelas mulheres, de técnicas como pintura em tecido, renda, bordado e artesanato em muitos países e regiões.
Essa visibilidade, porém, é enganadora. Quando se analisa o sistema das artes, aquele conjunto de saberes, instituições e práticas que organiza o gosto e a política interna dessa atividade, o papel das mulheres é frequentemente diminuído, silenciado ou simplesmente excluído. "A realidade é que muito mais mulheres participaram da formação da arte do século XX do que o número normalmente contabilizado", escreveu Cecilia Fajardo-Hill, cocuradora, com Andrea Giunta, da exposição Mulheres radicais: arte latino-americana, 1960-1985.
A denúncia de Cecilia foi feita por ocasião da chegada da mostra à Pinacoteca de São Paulo, em 2018. Ela identifica, nos anos 1990, por ocasião dos 500 anos da conquista do continente americano, o início de um movimento de ampliação do espaço das artistas mulheres. Parte desse redescobrimento deve-se ao pensamento e à militância feministas, mas uma mudança duradoura de sensibilidades exige tempo.
A tímida participação de mulheres em exposições e acervos é tema dominante no mundo das artes. Em 2019, o Museu de Arte de São Paulo (Masp) realizou uma exposição intitulada Histórias das mulheres: artistas até 1900, e os organizadores com espanto que o acervo mais prestigiado do País contava com apenas duas pinturas de mulheres nesse período.
Em Porto Alegre, em dezembro do ano passado, o Museu de Arte do Rio Grande do Sul (Margs) inaugurou a mostra Gostem ou não: artistas mulheres no acervo do Margs, com obras de 35 artistas. A própria história do museu, porém, evidencia a exposição subalterna das mulheres: em 27 gestões desde a fundação, apenas três mulheres ocuparam o cargo de diretora-geral, embora a equipe técnica do museu seja predominantemente feminina. 
 

As Bienais ao longo da história

Arte bienal - as bienais ao longo da história

Arte bienal - as bienais ao longo da história


Arte/JC
A ideia de uma Bienal do Cone Sul com o propósito de criar um novo espaço para a arte latino-americana amadureceu no início dos anos 1990. Na época, pelo menos dois grupos - um liderado pela produtora cultural Maria Benites Moreno e outro, por artistas como Gustavo Nakle, Maria Tomaselli e Nelson Jungbluth - discutiram propostas que apontavam na direção da mostra.
Em maio de 1995, artistas, colecionadores, produtores e autoridades, incluindo o governador Antonio Britto, reuniram-se na casa do empresário Jorge Gerdau Johannpeter para formalizar o projeto. Dois meses depois, uma comissão técnica com representantes do Estado, da prefeitura, de empresários e de artistas, apresenta uma proposta de Bienal de Artes Visuais do Mercosul. A primeira foi aberta em setembro de 1997.

"A arte é um laboratório, um espaço no qual a imaginação oferece alternativas"

Andrea Giunta, curadora-geral da 12ª Bienal do Mercosul, considera surpreendente o impacto educativo do evento em Porto Alegre

Andrea Giunta, curadora-geral da 12ª Bienal do Mercosul, considera surpreendente o impacto educativo do evento em Porto Alegre


ROB VERF/DIVULGAÇÃO/JC
Assumir a curadoria-geral da 12ª Bienal do Mercosul é, para a pesquisadora Andrea Giunta, a culminância de um percurso investigativo iniciado nos anos 1990 e intensificado em 2010, quando fez parte da equipe curatorial da exposição Mulheres radicais: arte latino-americana, 1960-1985. Nesta entrevista, a historiadora da arte latino-americana e professora da Faculdade de Filosofia e Letras da Universidade de Buenos Aires fala sobre as propostas da 12ª Bienal, a contribuição feminina à produção artística no continente, a censura e a relação entre arte e educação, entre outros temas. 
JC - Viver – De que maneira a 12ª Bienal do Mercosul pode tensionar o olhar sobre a arte latino-americana contemporânea, na qual o feminino é tão presente?
Andrea Giunta – Mais que tensionar, o que buscamos é aproximar dos públicos uma quantidade de expressões que se produzem em cenas distintas da cultura em geral, mas que ainda não têm uma presença equivalente nos circuitos da arte latino-americana contemporânea. Estamos em um momento em que as mulheres buscam ativamente sua representação em diversos campos. As mulheres, as sensibilidades femininas, as sensibilidades não binárias. Entre essas vozes queremos que tenha uma representação importante a obra de artistas que entendemos que estão produzindo a transformação mais radical na arte latino-americana dos últimos anos: a arte afrolatino-americana. Na Bienal nos interessa muito contribuir com esse processo de expansão da arte.
As curadoras que me acompanham, Fabiana Lopes e Dorota Biczel, muito especialmente Fabiana, me permitiram conhecer debates, ideias, filosofias que desconhecia. Nossas conversas são muito enriquecedoras. Essa riqueza, que tem sua raiz na diversidade, é a que estamos buscando apresentar na Bienal. A diferença entendida como multiplicidade e não como separação, como tão bem expressou Denise Ferreira da Silva. Poder intervir para ampliar os repertórios mais tradicionais da arte é uma oportunidade extraordinária.
Viver – A Bienal incluirá artes e técnicas associadas ao feminino, como tecelagem, tapeçaria e artesanato, que não são comumente apresentados ao público em espaços institucionais. O feminino serve para expandir a noção usual de belas artes?
Andrea – Entendemos o processo do tecido não tanto por seus materiais tradicionalmente vinculados ao têxtil, mas como trama, como textura, como costura, como sutura. O sentido de rede e de inter-relação são conceitos importantes, mais além das técnicas e dos materiais. As costuras reparam, cuidam, unem aquilo que se quebrou, por isso costura e sutura são palavras-chave na Bienal.
E também é importante a beleza da cor das fibras que irrompe nas superfícies bordadas. Teremos enormes tapetes bordados por famílias complexas, contemporâneas, nas quais o humano se vincula ao entorno, aos animais e à natureza. E nessa integração se formula um modo de entender esses universos junto ao humano, não submetidos ao homem/mulher.
Nesses imaginários se alude também ao cuidado do planeta, à preservação dos recursos naturais que estão em estado de emergência. Os feminino(s) estão muito envolvidos em pensar alternativas ante a destruição dos recursos naturais. O bordado e a costura são também tarefas comunitárias, tarefas que foram desenvolvidas por grupos de mulheres como formas de subsistência, de denúncia, de resistência.
E a fibra é, inclusive, o cabelo, a forma idiossincrática e cultural do cabelo trançado ou alisado das mais diversas maneiras. Portanto, o têxtil se expande na Bienal em múltiplos sentidos que vão muito mais além do que tradicionalmente se entende por tecelagem, tapeçaria ou artesanato.
Viver – Ao valorizar o não normativo em matéria de gênero, a Bienal pode ser entendida como uma resposta a episódios de cerceamento da liberdade artística que têm se multiplicado pelo mundo, incluindo a América Latina?
Andrea – Não, a Bienal não se gesta a partir desses fatos. Talvez seja importante explicar, em primeiro lugar, que a arte é um dos cenários em que nos é proposto pensar a vida e o mundo de maneiras alternativas. Com isso quero dizer que o que vemos numa exposição de arte não é sempre o que o senso comum subscreve.
O mundo vai se transformando, e a arte, como parte das humanidades, é um laboratório, um espaço no qual a imaginação oferece alternativas, antecipações, diferenças em relação ao que está instituído. O segundo aspecto que se deve considerar é que as pessoas vão voluntariamente às exposições. Elas não invadem tua vida cotidiana com ideias que não queres conhecer. O público vai às exposições porque quer conhecer essas formas distintas de entender o mundo, com as quais pode estar de acordo ou não, mas vai justamente por isso, para conhecer algo que é diferente do que já conhece, que provoca um pensamento e emoções novas.
É preciso destacar que a censura que proíbe uma exibição cumpre o desejo dos que não querem vê-la, mas impede que os que querem vê-la a visitem. Quem não quer conhecer ideias diferentes das que já tem simplesmente não deve ir. Mas deve-se permitir que os que querem ver uma exposição, estejam ou não de acordo com o que veem, possam fazê-lo. A censura impede todos.
Por outro lado, a arte não é uma provocação gratuita. A linguagem pode ser sutil, metafórica ou profunda. O público que visitou Mulheres radicais não se sentiu confrontado nem agredido pelas obras. Pelo contrário, predominou o afeto, uma emoção diante dessas obras que expressavam aspectos tão profundos do humano feminino pouco conhecidos, pouco vistos nas exposições. O público cuidou da exposição. Queremos chegar a uma Bienal comparável nesse aspecto, com obras que nos ponham em contato com aspectos pouco conhecidos de nossa sociedade. Uma exposição de arte não é doutrina, não é dogma. É uma proposta, não uma imposição.
Viver – Como a senhora avalia o fenômeno da censura no momento atual?
Andrea – A censura é a impossibilidade do pensamento, da existência de um conhecimento que se proíbe. Queremos um mundo mais rico, no qual os cidadãos possam pensar, possam conhecer.
É preciso levar em conta que a censura, por outro lado, contrariamente ao que tenta fazer, dá grande visibilidade às obras que tenta eliminar. Uma obra censurada é reproduzida em toda a mídia, escapa ao espaço de exibição. Produz o efeito contrário ao que os censores buscam.
Nada é mais desejável do que o intercâmbio com os que pensam de maneira diferente. A conversação, o diálogo, são centrais. E uma exposição, que é um tornado de ideias e de sensibilidades, propõe justamente isso. Uma imensa conversação.
Viver – Uma das preocupações tradicionais da Bienal é a dimensão educacional. Grande parte do público das mostras e eventos é composta por estudantes de educação fundamental e secundária. É possível medir o resultado desse engajamento das escolas com a Bienal?
Andrea – Para um curador que vem de fora do contexto de Porto Alegre, é surpreendente o impacto educativo da Bienal. O edital aos orientadores do programa pedagógico foi aberto e, imediatamente, todas as vagas foram preenchidas e foi preciso oferecer mais.
O curador educativo é Igor Simões, professor e acadêmico de Porto Alegre, que realizou uma proposta incrível, com conceitos como o de Território Kehinde, que provém da literatura da escritora brasileira Ana Maria Gonçalves, em seu livro Um defeito de cor.
Não sei qual é o comportamento do público de Porto Alegre, mas a história e a consistência do programa educativo me permitem pensar que é um público ávido. É muito importante o papel do educador em relação com a arte. Porque uma obra é como uma crisálida, possui uma vida interna envolta por muitas camadas sutis. Uma obra tem infinitas interpretações. Convida a pensar coisas diferentes. E o educador colabora com esse processo.
Muitos dos que trabalhamos com a arte começamos a nos interessar quando escutamos a palavra dos educadores. Não porque eles proporcionem uma interpretação única nem correta da obra. Mas porque convidam a pensar em muitos sentidos possíveis. Uma obra de arte se desmarca em relação com o pensamento unificado. Quando escutamos propostas interpretativas começamos a nos interessar sobre essas imagens, pinturas, esculturas ou vídeos, que podem expressar tantas coisas.

* Luiz Antônio Araujo é jornalista e colabora com BBC Brasil, The Intercept Brasil, Folha de S.Paulo e O Estado de S.Paulo. Professor de Jornalismo na Pucrs desde 2015, é mestre em Comunicação e Informação e doutorando em Estudos Estratégicos Internacionais pela Ufrgs.