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reportagem cultural

- Publicada em 05 de Março de 2020 às 19:11

Colecionador de livros e goleiro da dupla Grenal, Júlio Petersen deixou legado

Falecido em 2002, ex-jogador e árbitro de futebol chegou a possuir coleção com mais de 20 mil itens

Falecido em 2002, ex-jogador e árbitro de futebol chegou a possuir coleção com mais de 20 mil itens


PAULO RUBENS/DIVULGAÇÃO/JC
A rua Lobo da Costa, no bairro Cidade Baixa, abrigou um sobrado que, por muito tempo, foi um verdadeiro ponto de pesquisa e de afeto para todos aqueles interessados em buscar conhecimento. Era a residência de Júlio Petersen que, entre tantas coisas, foi um bibliófilo apaixonado por esse objeto único que é o livro. Falecido no dia 9 de dezembro de 2002, ele chegou a possuir mais de 20 mil obras em sua coleção, catalogadas seguindo uma organização própria, espalhadas por diversas estantes instaladas em cômodos do segundo andar de sua residência. Por lá, curiosos, pesquisadores universitários e qualquer pessoa que tivesse algum interesse no acervo poderia contar com toda a disponibilidade de seu detentor em ajudar.
A rua Lobo da Costa, no bairro Cidade Baixa, abrigou um sobrado que, por muito tempo, foi um verdadeiro ponto de pesquisa e de afeto para todos aqueles interessados em buscar conhecimento. Era a residência de Júlio Petersen que, entre tantas coisas, foi um bibliófilo apaixonado por esse objeto único que é o livro. Falecido no dia 9 de dezembro de 2002, ele chegou a possuir mais de 20 mil obras em sua coleção, catalogadas seguindo uma organização própria, espalhadas por diversas estantes instaladas em cômodos do segundo andar de sua residência. Por lá, curiosos, pesquisadores universitários e qualquer pessoa que tivesse algum interesse no acervo poderia contar com toda a disponibilidade de seu detentor em ajudar.
Sua filha, Sílvia Petersen, professora aposentada de História da Ufrgs, conta que, antes de um grande colecionador, ele era um grande leitor. "Realmente lia todos os livros e tinha uma memória fantástica, fazia anotações e comentários. Por ser uma pessoa muito solidária, cedia empréstimos com a condição de que os livros tinham de estar de volta para passar o final de ano", conta. Para isso, costumava anotar em uma caderneta o nome, a data e o telefone de quem os retirava. Segundo a professora e pesquisadora da área da Letras da Pucrs Maria Eunice Moreira, ele era generoso ao extremo. "Entendia o que era ser pesquisador e as dificuldades que se tem para obter o material necessário", diz. Maria o conheceu em 1978, quando foi consultar o acervo para a sua dissertação de mestrado. "Até sua morte, fui muitas vezes à casa dele e posso dizer que ficamos muito amigos", afirma. Em 2005, quando o acervo foi transferido para a Biblioteca Irmão José Otão, da Pucrs, ela foi uma das responsáveis pela negociação, juntamente com Sílvia.
Obviamente, toda coleção tem um estopim e, no caso da de Petersen, foi o livro Voluntários do martírio, de Ângelo Dourado, que fala sobre a Revolução de 1893, também conhecida como Revolução Federalista, ocorrida no Rio Grande do Sul após a proclamação da República. "A partir daí ele começou a se voltar a entender a Revolução, e acabou formando uma coleção espetacular sobre a história do Rio Grande do Sul", diz Sílvia. A obra Antônio Chimango, de Ramiro Barcellos, era uma de suas favoritas, chegando a ter todas as edições. A coleção de Petersen foi de muita ajuda, inclusive, para o escritor Luiz Antonio de Assis Brasil. "O material é quase exclusivamente de publicações do Rio Grande do Sul, primeiras edições, edições de só restar um exemplar... Quero dizer, só raridades. Particularmente, chama a atenção uma coletânea de crônicas de meados do século XIX, que alguém juntou num único volume. É o que de mais completo existe sobre a vida de Porto Alegre daquele tempo. Me foi muito útil para o Cães da Província", explica.

Obra Antônio Chimango, de Ramiro Barcellos, era uma das favoritas do colecionador

Obra Antônio Chimango, de Ramiro Barcellos, era uma das favoritas do colecionador


LUIZA PRADO/JC
Apesar do vasto conhecimento e do amor pelos livros, Petersen nunca se considerou um intelectual. Trabalhou por muito tempo no futebol e também na IBM, do Rio Grande do Sul, onde se aposentou. "Ele não tinha o perfil do intelectual de gabinete, era mais uma parte da vida dele. Não era fechado. Saía com a família, ia aos bailes do Carnaval, viajava, adorava pegar a caminhonete e, no fim de semana, botar os filhos dentro, e só ia por caminhos desconhecidos, diferentes", diz Sílvia. Além de colecionar livros, também colecionou amigos e parceiros de empreitada, entre eles o Círculo de Pesquisas Literária (Cipel), do qual foi um dos fundadores, em 1966, ao lado de outros amantes e profissionais da literatura. Em vida, Petersen recebeu diversas homenagens, como o título de Cidadão Honorário de Porto Alegre e Amigo do Livro, pela Câmara Rio-Grandense do Livro.
Uma história conhecida é que, durante anos, os aficionados e colecionadores de livro - entre eles, Petersen - procuraram a primeira edição de A divina pastora, de Caldre Fião escrito em 1847, oficialmente o primeiro romance do Rio Grande do Sul. Depois de muito tempo, foi encontrado um exemplar em Montevidéu, no Uruguai, pelo pesquisador Adão Monquelat. E Petersen ficou muito feliz, como se ele tivesse achado. Não escreveu livros, mas adorava fazer bibliografias, e dava algumas palestras quando convidado também. "Já no fim da vida, ele começou a ditar para o meu irmão alguns escritos que tinha feito, uma espécie de casos curiosos de um colecionador de livros, histórias com quatro ou cinco páginas", revela Sílvia. Uma memória que ainda tem muita história para contar.

Mãos de goleiro

Como jogador, integrou a equipe do Grêmio nos anos 1940; também atuou no Inter

Como jogador, integrou a equipe do Grêmio nos anos 1940; também atuou no Inter


ARQUIVO GRÊMIO/DIVULGAÇÃO/JC
As mesmas mãos que folheavam tantos livros também foram responsáveis por defesas importantes para o futebol gaúcho. Júlio Petersen foi jogador de futebol e começou no esporte na equipe juvenil do Sport Club Taquarense, em sua cidade natal. Como ele mesmo contava, não ia muito bem com os pés, logo, só o deixavam participar dos treinos e dos jogos como goleiro - e, assim, nascia sua vocação para os gramados. Depois, já em Porto Alegre, enquanto estudava no Colégio Rosário, inscreveu-se como juvenil do Internacional. Com o passar dos anos, assumiu a titularidade, fazendo parte da formação inicial do lendário Rolo Compressor, conquistando cinco títulos gaúchos. Engana-se, porém, quem pensa que se vivia apenas de futebol naquela época. Tanto que, paralelamente, Petersen começou uma carreira na IBM Brasil, que começava a se instalar no Estado. Era julho de 1937, e, a partir daí, conseguiu conciliar futebol e trabalho.
Em 1942, pediu a liberação do Inter para cuidar da doença de sua primeira esposa. No ano seguinte, transferiu-se para o Grêmio - em uma época em que era ainda mais complicado ir para o rival. No Tricolor, Júlio Petersen conquistou os Campeonatos Gaúchos de 1946 e 1949. Em 1949, recebeu o Prêmio Belfort Duarte, entregue pela Confederação Brasileira de Desportos, tornando-se o primeiro atleta gaúcho a receber a distinção dada àqueles que, durante cinco anos, não tinham sofrido nenhuma punição disciplinar. No mesmo ano, também foi autor da publicação Álbum gremista, com o histórico do clube, biografia dos atletas e diretorias e resenhas dos jogos. Ao se aposentar, em 1950, tornou-se treinador dos juvenis do clube. "Ele sempre fazia questão, quando se perguntava daquela época, de citar os companheiros, dizia que o futebol era um esporte coletivo", diz Sílvia Petersen.
Durante o período, também chegou à seleção gaúcha da época, tendo jogado contra algumas das maiores estrelas da história do futebol brasileiro, como Leônidas da Silva. Lá pelo início da década de 1950, abandonou as chuteiras, mas permaneceu ligado ao futebol como árbitro. Durante seus anos no apito, sobretudo no interior do Estado, colecionou histórias. Uma delas, relatou à Revista Momento, da IBM, de abril de 1989. Na cidade de Rio Grande, jogavam o Riograndense e o Brasil de Pelotas, e, lá pelas tantas, o time da casa marcou um gol de fora da área. Como havia um jogador impedido, o gol foi anulado, e o Riograndense acabou perdendo. E o então juiz teve que sair protegido pela polícia, com a torcida atirando pedaços de tijolos em sua direção.
Nas suas viagens pelo Interior, também aproveitava para caçar livros que comporiam a sua extensa biblioteca. Em 1975, foi nomeado sócio honorário da Associação Gaúcha de Árbitros e, no mesmo ano, foi laureado pela Federação Riograndense de Futebol, ambas distinções conferidas por relevantes serviços prestados ao futebol gaúcho.
Mesmo depois de se aposentar, Petersen nunca deixou de acompanhar o futebol. Sílvia conta que ele sempre ouvia os jogos em um radinho de pilha. "Sou de uma época em que o meu pai estava no Grêmio, então fiquei gremista. Já os meus irmãos são de uma fase em que ele não jogava mais futebol e se tornaram colorados. Ele falava que era Grenal, torcia para os dois, e eu acredito mesmo, porque ambos foram importantes para ele", diz.

Acervo foi comprado pela Pucrs

Universidade adquiriu material em 2005; catalogação dos cerca de 12.500 itens demorou cinco anos

Universidade adquiriu material em 2005; catalogação dos cerca de 12.500 itens demorou cinco anos


LUIZA PRADO/JC
A Pucrs adquiriu o acervo de Petersen em outubro de 2005. Trata-se de um acervo fechado, isto é, não podem ser incluídos novos itens na coleção. Ela é constituída por 9.573 livros, 2.437 folhetos, 442 clippings, 38 teses, 31 mapas, três fascículos de periódicos, duas fotografias, dois cartazes e uma monografia. A bibliotecária Anamaria Ferreira conta que só a catalogação de todos os itens levou cerca de cinco anos.
A Coleção Especial Júlio Petersen tem como base obras sobre o Estado, sendo destacadas as áreas de história, geografia e literatura. Entre esses materiais existem algumas preciosidades, das quais se pode destacar: Viagem ao redor do Brasil, de João Severino Fonseca (1880); Voyage ao Rio Grande do Sul, de Augusto Saint Hillaire (1887); e a obra Antônio Chimango, de Ramiro Barcellos, em todas as suas edições (a primeira é de 1915). Pedro Leite Villas, em seu Dicionário, cita o pesquisador Júlio Petersen como sendo o único a ter o levantamento completo dessas edições. Também fazem parte da coleção três volumes da obra Ensiqlopédia ou Seis meses de uma enfermidade, de Joaquim de Campos Leão, teatrólogo gaúcho conhecido como Qorpo Santo, uma das figuras mais controvertidas da dramaturgia nacional. "É um dos itens mais raros da coleção e está digitalizado, pode ser encontrado no site da biblioteca", avisa Anamaria. Há planos para o futuro de digitalizar outras obras raras deterioradas para evitar o manuseio e, consequentemente, o desgaste.
O acervo faz parte das Coleções Especiais e Obras Raras da Biblioteca da Pucrs, logo, é preciso ter cuidados especiais de preservação e segurança. Anamaria informa que o sexto andar, onde fica a coleção, é um local climatizado, com cortinas para evitar a luz direta no material, com controle da umidade relativa do ar (entre 30% e 50%). Atualmente, para consultar o material é preciso agendar previamente, via e-mail. Dados fornecidos de acesso ao acervo mostram que, em 2017, fora consultado 697 vezes; em 2018, 306; e, em 2019, 91. "Antes, era aberto, mas, em função de mudanças de reformulação do sexto andar no ano passado, talvez por isso tenha havido essa queda. Então, hoje, vem realmente quem está fazendo pesquisa", explica a bibliotecária.
Quem consulta o acervo são estudantes de pós-graduação, pesquisadores e interessados na história do Rio Grande do Sul, um dos focos da coleção. "Em setembro, mês da Revolução Farroupilha, sempre aumentam as consultas", diz Anamaria.

Bibliofilia no Brasil

Colecionador de livros raros, Petersen tinha amor pela história do Estado e suas particularidades

Colecionador de livros raros, Petersen tinha amor pela história do Estado e suas particularidades


LUIZA PRADO/JC
Júlio Petersen acreditava que a palavra "bibliófilo" era uma má definição para o que fazia. Costumava afirmar, em entrevistas, que preferia a expressão "juntador de papéis velhos". O termo pode causar algum estranhamento, mas, de fato, Petersen pode ser considerado um dos grandes bibliófilos que o Rio Grande do Sul já conheceu.
Para o pesquisador Oto Reifschneider, que defendeu a tese A bibliofilia no Brasil, na Universidade de Brasília, o bibliófilo é sempre um colecionador de livros raros. O que é considerado raro, o que merece ser colecionado, é sempre uma questão subjetiva. "A bibliofilia brasileira não é diferente de outros países. Em geral, os bibliófilos têm por interesse temas nacionais, ou locais. Literatura, história, autores, editoras, são muitas as formas de colecionar. Pelo fato de a imprensa ter se instalado de forma tardia no País, temos apenas 200 anos de publicações brasileiras", explica. Para Petersen, sua coleção tinha como norte o amor que ele manteve durante toda sua vida à história do Rio Grande do Sul e suas particularidades.
Segundo José Salles Neto, fundador da Confraria da Bibliófilos do Brasil, um dos principais legados dos bibliófilos para a cultura é justamente esse acervo especializado que suas bibliotecas normalmente compõem. "Várias pesquisas mostram que a maioria das bibliotecas foi montada a partir de coleções privadas. Um bibliófilo coleciona livros geralmente diferenciados, e essa coleção de muitos e muitos anos forma o seu legado", avisa. Para ele, é importante também ressaltar que um cuidado deve ser tomado: livro não é herança e uma biblioteca não deve ser "repartida" entre herdeiros. E reside aí a principal preocupação de Reifschneider: o destino desses acervos. "Infelizmente, nossas instituições públicas, de forma geral, não tratam com o cuidado devido, sequer entendem a importância dessas coleções para a memória do País", complementa o pesquisador.
A Confraria dos Bibliófilos do Brasil foi fundada em 1995, e trata-se de uma associação de bibliófilos e amantes dos livros produzidos com processos utilizados primordialmente na primeira metade do século XX. Salles Neto diz que tem tudo a ver com um objeto: o livro físico. "E o papel dele, hoje e amanhã, sempre será o de encantamento e conhecimento em maior e menor intensidade, dependendo da edição, do conjunto amealhado e disponibilizado", argumenta. O trabalho diferenciado da confraria envolve editar livros de modo quase artesanal; a reprodução das ilustrações é feita por serigrafia e clichês metálicos de alumínio. Até o final de 2017, já se contabilizam 56 livros lançados, em uma razão de até três livros por ano, que inclui, exclusivamente, autores brasileiros, tais como Dalton Trevisan, Machado de Assis, Erico Verissimo, Manuel Bandeira, Clarice Lispector, Mário Quintana e Lygia Fagundes Telles.
Na sua tese, Reifschneider também mapeou alguns dos principais bibliófilos vivos do Brasil e fez entrevistas com eles. Acabou notando que alguns temas acabam sendo mais evidentes nas coleções. "A literatura brasileira é um deles, e talvez o autor com maior interesse seja Machado de Assis. Edições raras, de pequena tiragem, com dedicatórias de autores importantes (Mario de Andrade, José de Alencar), estão entre as mais cobiçadas por bibliófilos brasileiros de forma geral", relata. Ainda há espaço para um pequeno escambo ou comércio entre colecionadores, mas não é a regra. "Alguns colecionadores têm esse veio de negociante mais desenvolvido que outros. Alguns não vendem nada, mesmo que tenham duplicatas. Outros são até generosos, cedendo seus únicos exemplares a colegas interessados", explica.
E com os livros cada vez mais sendo disponibilizados em versões digitais e o armazenamento on-line assumindo um espaço cada vez maior no cotidiano das pessoas, a bibliofilia sumirá? "Nunca, ainda que num futuro distante possa ter um número muito exíguo de aficionados. Eu sempre digo com relação aos e-books e similares: desse mal eu não morro", brinca o aficionado Salles Neto. É fato que a bibliofilia e o colecionismo tem o elemento tátil único. Reifschneider concorda e diz que a memória humana não funciona da mesma forma ao lidar com o impresso e com o digital. "A preservação do que circula na nuvem - nada mais recente - é ainda um tema debatido. Muito já se perdeu, de pesquisas importantes que jamais foram impressas", completa.
 

Scriptorium moderno

Chama-se de scriptorium o espaço no qual os livros manuscritos eram produzidos na Europa durante a Idade Média, uma forma de lembrar que também houve luz em uma época conhecida como "Idade das Trevas". Ao longo do período, diferentes usos foram dados para o termo: ele chegou a designar as ferramentas de escrita, o conjunto de uma obra ou ainda mesas de trabalho associadas à atividade escriturária. De qualquer forma, foi graças a uma complexa rede de "copiadores" composta por diferentes tipos de profissionais que os livros puderam circular e se perpetuar em um momento pré-impressão.
Alguns séculos depois, com o avanço da tecnologia e com a internet englobando uma enorme quantidade de informação, ainda estamos tateando no escuro para encontrar a melhor forma de proteger nossa memória em âmbito virtual. O líder do Núcleo de Pesquisa em Arquivamento da Web e Preservação Digital da Ufrgs, Moisés Rockembach, conta que uma das principais pesquisas do momento do Núcleo de Pesquisa em Arquivamento da Web e Preservação Digital do Programa é justamente como manter arquivadas as informações disponibilizadas na web. Um desafio que transcende o tempo, só que, agora, com complexidade totalmente diferente daquela em que se perpetuava o conhecimento a partir de um trabalho braçal. "Esse é um dos principais projetos que nós temos: preservar a web como memória, como patrimônio", diz.
Segundo Rockembach, a maior parte da informação, atualmente, já nasce digital. "Na verdade, a internet é como se fosse água, luz, é um serviço básico. Nós já trabalhamos desde o início pensando na organização da informação digital e também do envolvimento do usuário como centro do planejamento", ressalta. Para ele, a figura do colecionador de livros, do bibliófilo, muda e se assume uma postura de curador digital. A essência, porém, continua a mesma. "Essa pessoa tem que ter a mesma curiosidade que o Petersen tinha, por exemplo. A curiosidade não muda, pois é ela que move", acredita.
Há várias iniciativas de perpetuação da memória da web, sendo uma das mais conhecidas e populares o Internet Archive, uma organização sem fins lucrativos fundada em 1996, nos Estados Unidos, e que "salva" retratos de sites (são cópias arquivadas de páginas da web) em diferentes instantes, sendo possível observar as mudanças ao longo do tempo. O Archive inclui, também, software, filmes, livros e gravações de áudio (inclusive gravações de shows/concertos ao vivo de bandas que o permitem), e pretende manter uma cópia digital desses materiais para consulta histórica.
"Sempre que precisamos buscar um site que não está mais on-line podemos tentar por essa plataforma. A tentativa deles é preservar a internet do mundo inteiro, mas sabemos que é praticamente impossível. Na prática, acabam priorizando os Estados Unidos e a Europa, então, por isso é importante novas iniciativas desse tipo para ter um escopo maior", acredita o professor.
O programa da Ufrgs é o único da área no Estado. O núcleo tem entrado em contato com instituições como o Arquivo Nacional e a Biblioteca Nacional para pesquisas, mas não há uma iniciativa no Brasil como a da Archive. Ainda. "A nossa proposta, aqui, é começar a fazer isso a partir dos estudos de casos que já pesquisamos e ampliar, fazer isso a nível nacional. Provavelmente neste ano, já estará no ar a plataforma, e vai ser a primeira do País."
Entre os estudos de casos que já foram arquivados pelo núcleo estão as campanhas eleitorais de 2018, a preservação institucional da memória da web da própria universidade e também de assuntos relevantes para a sociedade, como meio ambiente. "Apesar de existirem algumas discussões no Legislativo a respeito disso, está se pensando na possibilidade, porque é necessário ter uma preservação de informações na esfera federal. A disponibilização das informações muda muito rápido, coisa de anos ou meses, e muitas dessas informações só estão na web. Elas não estão em outros lugares, deixam de existir praticamente. É uma memória cancelada", completa Rockembach.

* Rafael Gloria é jornalista, mestre em Comunicação pela Ufrgs e editor fundador do Coletivo de Jornalismo Cultural Nonada – Jornalismo Travessia e sócio da agência Riobaldo.