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reportagem cultural

- Publicada em 30 de Janeiro de 2020 às 18:09

Museu mais antigo do Rio Grande do Sul será restaurado em 2021

Acervo do Museu Julio de Castilhos, localizado na rua Duque de Caxias, foi tombado pelo Iphan ainda em 1937

Acervo do Museu Julio de Castilhos, localizado na rua Duque de Caxias, foi tombado pelo Iphan ainda em 1937


FOTOS MARCO QUINTANA
Visitar o Museu Julio de Castilhos, no Centro de Porto Alegre, é sentir a vivacidade da história do Rio Grande do Sul. No casarão de 1887, estão guardadas peças que remetem a mulheres e homens farroupilhas, chimangos, maragatos, negros, indígenas e imigrantes de diversas origens, todos formadores desse mosaico de identidades da cultura gaúcha. A casa onde morou o governador gaúcho pioneiro da defesa da República é o equipamento cultural mais antigo do Estado, transformado em museu em 30 de janeiro de 1903.
Visitar o Museu Julio de Castilhos, no Centro de Porto Alegre, é sentir a vivacidade da história do Rio Grande do Sul. No casarão de 1887, estão guardadas peças que remetem a mulheres e homens farroupilhas, chimangos, maragatos, negros, indígenas e imigrantes de diversas origens, todos formadores desse mosaico de identidades da cultura gaúcha. A casa onde morou o governador gaúcho pioneiro da defesa da República é o equipamento cultural mais antigo do Estado, transformado em museu em 30 de janeiro de 1903.
Rumo ao futuro, o museu vem adotando uma série de medidas para que toda essa carga histórica permaneça pulsante. A principal é a restauração completa dos dois prédios (a casa ao lado foi incorporada pelo museu em 1975), prevista para iniciar em 2021. O restauro será possível devido ao aporte financeiro de R$ 10,5 milhões que a Secretaria de Estado da Cultura conseguiu em 2019 via edital do Fundo de Defesa de Direitos Difusos do Ministério da Justiça e Segurança Pública.
A conquista é significativa, na medida em que o projeto prevê a construção de um terceiro prédio anexo, para onde serão realocadas as reservas técnicas do museu. É lá que ficará a maior parte do acervo de 10 mil peças, formado por instrumentos bélicos e musicais, veículos, fotografias, documentos, indumentária e objetos, alguns datados de centenas de anos.
O estado atual do prédio preocupa a equipe do museu, que recebe, anualmente, 20 mil visitantes. Em alguns ambientes, o assoalho está deteriorado a tal ponto que poderia ceder se não houvesse intervenção. Além disso, a falta de climatização correta e as falhas de vedação nas reservas técnicas somadas à ausência de manutenção provocaram danos no acervo, inclusive com acúmulo de poeira e sujeira. Com o projeto, será realizado o restauro do assoalho, teto e paredes, além da parte elétrica e hidrossanitária, a climatização adequada com construção de teto verde em alguns ambientes, a execução do paisagismo nos pátios, a produção de mobiliário expositivo e acessibilidade para pessoas com deficiência.
Marcelo Arioli, diretor do Instituto dos Arquitetos do Brasil no Estado (IAB-RS), explica que o objetivo final de um projeto de restauro "é reabilitar a edificação para o uso proposto sem gerar uma perda de seu valor cultural, de modo que as intervenções necessárias devem dialogar com o existente, porém sempre deixando clara a questão temporal entre o novo e o antigo". Esta será a primeira vez que o museu passará por uma obra completa de restauro. Todas as manifestações patológicas, termo designado para os desgastes e as deteriorações do prédio, foram analisadas e serão resolvidas com as obras. "O museu passou por várias obras desde os anos 1980, mas foram intervenções pontuais. Nunca houve um restauro total", aponta a museóloga e diretora do museu, Doris Couto.
A secretária estadual de Cultura, Beatriz Araujo, ressalta que o museu foi priorizado entre os equipamentos culturais do Estado na busca por recursos devido à situação crítica de conservação do prédio. "Trata-se de um projeto completo, de restauração e ampliação, que já estava contratado por conta do PAC Cidades Históricas, em fase final de elaboração quando iniciamos nossa gestão", explica. O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo federal financiou a elaboração do projeto de restauro, mas faltavam os recursos para executar as obras, problema resolvido com o Fundo de Direitos Difusos.
Os recursos já foram empenhados, e o projeto arquitetônico, finalizado depois de quatro anos de trabalho, já está aprovado pelo Iphan e pelo Iphae, órgãos responsáveis pelos bens tombados em âmbito federal e estadual, respectivamente. O próximo passo é a aprovação pela Caixa Econômica Federal, o que deve ocorrer até novembro. Após a liberação, começa o processo de licitação para a escolha da empresa que executará as obras, etapa prevista para 2021.
Depois de iniciadas as obras, a diretora do museu não descarta a possibilidade de ter que fechar totalmente os prédios no período de restauro, já que seria impossível expor as peças sem causar danos. Caso a nova reserva técnica seja construída antes do restauro nos casarões existentes, no entanto, será possível manejar o acervo de forma a manter as casas abertas ao público.

Um acervo de 10 mil peças

Diretora Doris Couto maneja bibelô de bailarina que pertenceu a Honorina, esposa de Julio de Castilhos

Diretora Doris Couto maneja bibelô de bailarina que pertenceu a Honorina, esposa de Julio de Castilhos


FOTOS MARCO QUINTANA
Entre as paredes centenárias do casarão nº 1.231 da rua Duque de Caxias, figura um conjunto de 10 mil peças - como documentos, obras de arte, móveis e objetos - que ajudam a contar a história do Rio Grande do Sul e do Brasil. Nas exposições permanentes, por exemplo, estão estátuas e sinos do século XVIII da sala Missioneira, o quarto e o gabinete de Julio de Castilhos com mobiliário original e a máscara mortuária do político, além de canhões usados na Guerra dos Farrapos, localizados no pátio da casa.
É nos ambientes técnicos, contudo, que estão muitas relíquias do museu, aguardando o momento de serem expostas. Desde o início de janeiro, a equipe tem se dedicado a realizar um inventário, quantificando as peças e iniciando um trabalho de avaliação da conservação de cada objeto. A diretora do museu, Doris Couto, conta que as reservas técnicas - nas quais estão as peças fora de exposição - são prioridade da gestão, que busca a implementação de técnicas avançadas de conservação.
O trabalho, em parceria com o curso de Museologia da Ufrgs, teve início com a higienização periódica dos dois ambientes de reserva do museu, com a finalidade de minimizar os impactos de agentes como pragas e poeira enquanto o restauro não é realizado. A falta de manutenção já acarretou, por exemplo, a deterioração das botas de Francisco, que não poderão mais ser expostas. A peça, que pertenceu a um homem de 2,17 metros diagnosticado com gigantismo, fazia sucesso entre os visitantes. Os lenços farroupilhas do acervo também não podem mais ser exibidos, uma vez que a exposição à iluminação inadequada por um período de 30 anos deixou as peças em estado precário.
As novas salas das reservas vão permitir que as peças de cada material (metal, madeira, papel, entre outros) sejam armazenadas em ambientes separados e com climatização correta, conservando por mais tempo o acervo. "É um conjunto de ações que vão tratando o acervo de uma forma técnica adequada. Cada 100 anos de poeira que se retira de uma peça, muito possivelmente, são mais 100 anos que ela vai viver", observa a diretora, pós-graduada em Políticas Culturais de Base Comunitária (Faculdade Latinoamericana de Ciências Sociais - Argentina) e mestranda em Museologia e Patrimônio na Ufrgs.
Segundo a secretária estadual de Cultura, Beatriz Araujo, o objetivo da gestão é fazer com que o museu - hoje frequentado em maior volume por escolas e, em segundo lugar, por turistas - volte a atrair a atenção do público em geral. "O Julio de Castilhos se caracteriza pela diversidade de suas coleções. Contamos com uma diretora convidada a partir da sua formação e capacidade técnica, a qual tem a responsabilidade de fazer com que o museu, totalmente recuperado e ampliado, volte a figurar entre os mais frequentados do Rio Grande do Sul", afirma.
Todo esse planejamento deve permitir, por exemplo, que a equipe foque em desenvolver pesquisas em relação ao acervo, trabalho que, atualmente, é dificultado com o quadro de cinco servidores, considerado insuficiente frente às demandas do museu. Ainda assim, já estão sendo feitas ações curatoriais que devem atualizar a programação. Uma das novidades mais celebradas pela equipe é a aproximação com a família de Julio de Castilhos, que emprestou ao acervo peças como um bibelô em forma de bailarina que pertenceu a Honorina, esposa de Castilhos. A bailarina está em exibição junto a outros objetos inéditos da família na mostra de aniversário do museu, com duração até março.
Com o apoio de parcerias - entre elas, a Vara de Penas e Medidas Alternativas do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que destinará R$ 165 mil ao museu -, novos mobiliários serão adquiridos, possibilitando a exibição de mais peças. Quadros atualmente fora de exposição também serão restaurados com o auxílio da verba oriunda da Justiça. Além disso, está prevista para o meio do ano a realização do Concerto para o patrimônio, iniciativa da associação de amigos com cobrança de ingressos, que será revestida para o restauro do landau que pertenceu a Carlos Barbosa.

Programação segue tendência mundial do revisionismo

Em cartaz, exposição sensorial Memória e Resistência promove imersão na cultura indígena

Em cartaz, exposição sensorial Memória e Resistência promove imersão na cultura indígena


FOTOS MARCO QUINTANA
No conjunto de estratégias que vão na direção da modernização do museu, já é visível a inserção da diversidade étnica e de gênero como elemento da curadoria das exposições, política que vem sendo adotada por grandes museus e espaços culturais mundiais, como o Museu de Arte Moderna de Nova York (Moma). No Julio de Castilhos, o protagonismo das mulheres na história gaúcha deve ganhar evidência a partir de março, com a exposição Narrativas do feminino, que fica em cartaz até agosto.
Já em setembro, será a vez de visibilizar a presença das mulheres na guerra civil farroupilha, com uma mostra que priorizará peças do acervo que mostram como elas participaram ativamente da guerra. "Essa visibilidade do feminino em nenhum momento foi trazida como uma exposição de longa duração. Vamos trazer uma outra abordagem dos episódios farroupilhas, algo que a história oficial não registra, trata de invisibilizar", avalia a diretora Doris Couto.
Uma das atrações atuais que mais faz sucesso entre os visitantes é a exposição sensorial Memória e resistência, que encanta quem entra na sala e experimenta uma espécie de imersão na cultura indígena, com elementos de som que remetem à floresta, assoalho tomado de folhas e muitas peças históricas e contemporâneas dos guaranis, kaingangs e etnias de outros estados brasileiros. A exposição, de longa duração, deverá ser renovada e atualizada semestralmente, aproveitando o acervo indígena, um dos maiores do Julio de Castilhos.
Em outra sala, o museu recebe Aó do Batuque e do Candomblé, atração que marca uma primeira parceria com o movimento negro. Neste ano, essa aproximação deve se intensificar, com a finalidade de visibilizar as narrativas da contribuição do negro para o Estado. Um dos objetivos é a aquisição de peças para além dos objetivos vinculados à escravização e aos instrumentos de tortura e das fotografias documentais. "Não temos outra tipologia de acervo que não seja esta. Então essa ação deverá acontecer trazendo pessoas do movimento negro. A musicalidade negra é uma coisa absolutamente fantástica, e não temos um sopapo neste museu nem outro tipo de tambor", conta a diretora.

Agenda 2020

Sinos e estátuas do século XVII na Sala Missioneira são atrações permanentes aos visitantes

Sinos e estátuas do século XVII na Sala Missioneira são atrações permanentes aos visitantes


FOTOS MARCO QUINTANA
Exposições temporárias:
Memória e resistência (atualização): de fevereiro até o fim do ano
Aniversário de 117 anos do museu: de fevereiro a março
Narrativas do feminino: de março a agosto
Mulheres na Guerra dos Farrapos: setembro
O museu é aberto ao público de terças-feiras a sábados, das 10h às 17h. Visitas mediadas podem ser agendadas pelo e-mail [email protected]

O legado controverso de Julio de Castilhos

Retrato do patriarca do Estado foi pintado por Vicente Cervásio em 1913, sobre fotografia do atelier Calegari

Retrato do patriarca do Estado foi pintado por Vicente Cervásio em 1913, sobre fotografia do atelier Calegari


ACERVO MJC/DIVULGAÇÃO/JC
Considerado patriarca do Rio Grande do Sul, o cruz-altense Julio de Castilhos é figura controversa na historiografia gaúcha. Primeiro governante eleito do Estado, ele foi o principal líder dos republicanos, contribuindo para a difusão de ideais como liberdade de expressão e eleições diretas, o que fez com que seu legado fosse celebrado pela opinião pública e por historiadores no século XX. Por outro lado, o caráter autoritário e centralizador do político positivista que perseguia seus adversários tem sido evidenciado nas pesquisas mais recentes.
Filho de um estancieiro tradicional de Cruz Alta, Castilhos iniciou seus estudos em Porto Alegre, onde esteve desde sempre cercado por intelectuais. Em São Paulo, formou-se em Direito e iniciou sua vida na política por volta de 1880, aderindo às ideias positivistas de Augusto Comte e participando de jornais acadêmicos ligados ao Partido Republicano. De volta ao Rio Grande do Sul, fundou, ao lado de políticos como Joaquim Francisco de Assis Brasil, Pinheiro Machado e Venâncio Aires, o Partido Republicano Rio-Grandense (PRR), pelo qual foi eleito deputado no Congresso Nacional Constituinte em 1890.
A experiência no Congresso levou Castilhos a tomar a frente na redação da Constituição estadual - que concedia um poder ditatorial para o Executivo -, aprovada em 1891 pelo Legislativo gaúcho, que também o elegeu presidente do Estado. Após uma breve vitória da oposição formada pelo Partido Liberal, ele foi reeleito em 1893, dando início ao castilhismo, hegemonia que perduraria por 40 anos, até os anos 1930.
Autor do artigo O precoce jornalista Julio de Castilhos (2017), o professor Antonio Hohlfeldt destaca a relação simbiótica entre o PRR e a opinião pública urbana, que começava a se formar com a massa de trabalhadores. "Os partidos republicanos, de um modo geral, têm essa contribuição da introdução do cidadão urbano de classe média e média baixa na política institucionalizada enquanto figura do eleitor", diz. Segundo Hohlfeldt, esse movimento tem um peso maior nos partidos paulista e gaúcho, que compreenderam o papel eleitoral tanto dos grandes comerciantes como dos trabalhadores e dos ex-escravizados que migraram para as cidades.
Eleição direta para o Executivo, voto aberto, abolição da escravidão, liberdade de expressão e ensino gratuito formavam o programa político do partido. Os ideais republicanos já eram defendidos por Castilhos ainda no tempo em que estudava Direito em São Paulo. Foi nesse período que ele começou a desenvolver outra habilidade marcante, que potencializaria sua ascensão política: o jornalismo.
Quando voltou ao Rio Grande do Sul, após ter dirigido jornais acadêmicos, Castilhos dominava a atividade jornalística e, dois anos após a fundação do PRR, criou A Federação. Para Hohlfeldt, ainda que um jornal partidário, a publicação teve papel de pioneirismo em relação à imprensa comercial no Estado. "A Federação foi o jornal mais moderno à época, inclusive graficamente falando ao longo da sua história. É um jornal que vai incorporando as tecnologias novas de impressão e que se torna comercial, vende assinaturas e tem anúncios", explica. O objetivo do jornal, contudo, era exclusivamente difundir o programa republicano e atacar adversários políticos, entre eles, o Partido Liberal (PL) e a Igreja.
O historiador Sergio da Costa Franco, autor de Julio de Castilhos e sua época (1963), livro que se tornou um clássico por ser a primeira biografia não partidária do político, admitiu, no início da década, que foi generoso com Castilhos em sua obra ao não considerar seu caráter autoritário. Em O homem que inventou a ditadura no Brasil (1999), Décio Freitas aponta que tanto o PRR como o PL faziam uso de recursos ilegais e violentos nas disputas pelo poder no Estado. Entretanto, foram os republicanos que confundiram partido e Estado, segundo ele.
Para o doutor em História Social pela USP Gunter Axt, autor do artigo Julio de Castilhos e Borges de Medeiros: a prática política no RS (2004), o PRR não adotou uma política de valorização da classe média, ao contrário do que manifestava nos discursos, utilizando a Constituição estadual para a manutenção das novas estruturas de poder dominadas pela classe burguesa.
"A institucionalização autoritária, consubstanciada na Carta Estadual de 14 de julho de 1891, que manietou o Parlamento, permitiu o aparelhamento da Justiça e viabilizou as intervenções nos municípios, foi a fórmula encontrada por segmentos específicos da sociedade para a viabilização do seu projeto político e econômico", afirma.
Antonio Hohlfeldt pondera que não cabe aplicar visões maniqueístas: "Castilhos não foi santo nem demônio. Ele foi fundamental em reconhecer o Brasil novo e moderno. Mas, evidentemente, o PRR, como mandatário, foi muito complicado, com fraude nas urnas e violência".

O casarão

Construção da esquerda foi concluída em 1887; o prédio do anexo, à direita, foi incorporado ao museu em 1975

Construção da esquerda foi concluída em 1887; o prédio do anexo, à direita, foi incorporado ao museu em 1975


CLAITON DORNELLES /JC
Construído com pedra-grês aparente na fachada e formado por elementos neoclássicos, o prédio de 953 metros quadrados teve como primeiro habitante o comandante da Escola Militar do Estado, coronel engenheiro Catão Augusto dos Santos Roxo, que construiu a casa em 1887. Julio de Castilhos e sua esposa passaram a viver no casarão em 1898, após o imóvel ser adquirido pelo Partido Republicano Rio-Grandense.
Em 1903, após a morte de Castilhos, a casa foi adquirida pelo Estado e transformada em museu. O reconhecimento do acervo levou o Iphan a tombar a coleção arqueológica, etnográfica, histórica e artística do museu já em 1937, garantindo sua proteção.
Em 1982, o prédio foi tombado pelo Iphae, o que possibilita, de forma permanente, a salvaguarda de sua estrutura. Já a casa ao lado, que data de 1916 e tem 645 metros quadrados, foi desapropriada pelo Estado em 1975, passando a integrar o museu.
Desde estão, os prédios passaram por várias obras pontuais de restauro. Em 2013, houve a tentativa de construção de um prédio ao lado do museu, barrada depois de pressão da comunidade. Para Marcelo Arioli, um dos diretores do IAB-RS, "grandes obras tendem a causar algum impacto nos imóveis próximos devido a movimentações e alterações de solo e de vibrações".
Ele avalia, ainda, que qualquer alteração no entorno não deve ser feita sem considerar a arquitetura local: "O que dá valor histórico a uma edificação é sua relação com uma cultura. Logo, a edificação não pode ser entendida como um elemento isolado, devendo estar em harmonia com o seu entorno historicamente constituído".

Relíquias do museu

Chave do túmulo do político morto em 1903 se encontra no museu que leva seu nome

Chave do túmulo do político morto em 1903 se encontra no museu que leva seu nome


FOTOS MARCO QUINTANA
Entre as milhares de peças do acervo do Museu Julio de Castilhos, algumas são consideradas verdadeiras joias raras do campo museológico. De objetos imperiais a documentos raros, listamos quatro peças destacadas pela equipe curatorial:
- Bailarina da Honorina
Menina dos olhos do museu em 2020, o bibelô é a única peça atribuída à esposa de Julio de Castilhos, Honorina, que se tem notícia até o momento. Peça que pode ser vista na foto acima, à esquerda, é um empréstimo da família ao museu;
- Estribo chileno
Exemplar de estribo chileno feito em ferro, introduzido no país vizinho a partir da colonização espanhola e também usado em Córdoba, na Argentina;
- Baú imperial
Porta-joias que pertenceu à família imperial. Foi adquirido em um leilão por um colecionador e doado ao Museu Julio de Castilhos;
- Chave do mausoléu
Ainda que o Estado tenha a posse do mausoléu, que fica no Cemitério da Santa Casa de Misericórdia, em Porto Alegre, é no museu que se encontra a chave do túmulo do político, morto em 1903.

Entrevista com Marcelo Arioli Heck, integrante do Conselho Diretor do IAB-RS

Qualquer intervenção no entorno de um bem patrimoniado precisa de análise de impacto pelos órgãos competentes

Qualquer intervenção no entorno de um bem patrimoniado precisa de análise de impacto pelos órgãos competentes


FOTOS MARCO QUINTANA
Arquiteto e urbanista; mestre e doutorando em Planejamento Urbano e Regional pelo Propur/Ufrgs; professor universitário e profissional com experiência nas áreas de arquitetura, restauro, projeto urbano e planejamento urbano, Marcelo Arioli Heck integra o Conselho Diretor do Instituto de Arquitetos do Brasil no Rio Grande do Sul (IAB-RS).
JC - Viver: Em linhas gerais, quais os requisitos e cuidados básicos em um projeto de restauro de um prédio tombado? 
Marcelo Arioli Heck - O projeto de restauro é um serviço técnico especializado de modo que não pode ser confundido com uma reforma convencional. A restauração é um conjunto de técnicas e atividades que tem por objetivo recuperar danos existentes em edificações e obras, devendo portanto ser realizada (não só, mas especialmente) nos casos de bens com valor patrimonial, valor este que historicamente tem seu reconhecimento por características históricas e artísticas mas que, a partir da década de 1970, passa a ser reconhecido como patrimônio cultural.
Assim, no caso do restauro de um prédio tombado, um elemento importante é realizar uma pesquisa histórica e documental sobre a edificação, os bens que podem estar associados a esta, sua relevância no contexto cultural, seus usos e alterações. No mesmo sentido, é fundamental uma análise construtiva, a fim de identificar a tipologia que a edificação esta associada para verificar quais são os elementos fundamentais que constituem sua característica e o valor do bem, bem como analisar as técnicas construtivas e o estado de conservação de cada elemento.
O objetivo final é um projeto que reabilite a edificação para o uso proposto sem gerar uma perda de seu valor cultural, de modo que as intervenções necessárias devem dialogar com o existente, porém sempre deixando claro a questão temporal entre o novo e o antigo.
Viver: Somente arquitetos podem realizar esse tipo de projeto?
Heck - Por estas questões bem aprofundadas e específicas é que entende-se que o projeto de restauro é uma atribuição privativa da Arquitetura e do Urbanismo, conforme entendimento do CAU (Conselho de Arquitetura e Urbanismo).
Viver: Houve uns anos atrás uma tentativa de construir um prédio ao lado do Museu Julio de Castilhos. Quais os perigos para o prédio foram detectados caso houvesse a construção?
Heck - O que dá valor histórico à uma edificação é sua relação com uma história, com uma cultura. Logo, a edificação não pode ser entendida como um elemento isolado, devendo estar em harmonia com o seu entorno historicamente constituído. Qualquer alteração significativa no entorno interfere na percepção que as pessoas têm do bem, de modo que é necessário atentar para todos os elementos como edificações, vegetação e até mesmo a infraestrutura.
Além disso, grandes obras tendem a causar algum impacto nos imóveis próximos devido a movimentações e alterações de solo e de vibrações decorrentes da construção em si, o que pode causar danos irreversíveis em especial a edificações com técnicas construtivas mais antigas. Visando a preservação do bem associado à edificação dentro de uma ambiência urbana é que existem três categorias de proteção: imóveis tombados e inventariados de estruturação e de compatibilização, sendo que os primeiros possuem restrições mais rigorosas e controladas para intervenções e os últimos responsáveis em garantir a preservação da paisagem, mas também fundamentais para a contextualização do tecido urbano.
Viver: Quais são as particularidades do entorno desta edificação?
Heck - No caso específico do Museu Julio de Castilhos, trata-se de um imóvel com duas edificações, sendo ambas consideradas patrimônio histórico e supervisionadas pelo Estado do Rio Grande do Sul (por meio do Iphae). A região do Centro Histórico, como explicita a própria denominação, é fundamental para a história da cidade e do Estado.
Na Rua Duque de Caxias, por exemplo, existem mais de 100 imóveis tombados ou inventariados, dentre os quais estão considerados tanto as edificações do Museu Julio de Castilhos como também edificações do entorno. Assim, para qualquer intervenção na área de entorno do Museu Julio de Castilhos, assim como de qualquer área próxima a um bem patrimoniado, os órgãos competentes devem ser consultados para analisar os possíveis impactos, sob pena de causar danos irreversíveis tanto para a estrutura do imóvel quanto para sua percepção e condição histórica e cultural.

* Thaís Seganfredo é jornalista formada pela Ufrgs, editora do site Nonada – Jornalismo Travessia e sócia-diretora da agência Riobaldo.