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reportagem cultural

- Publicada em 24 de Outubro de 2019 às 21:41

As artistas pioneiras que revolucionaram a arte no Rio Grande do Sul

Alice Soares e Alice Brueggemann são da primeira geração de artistas do gênero feminino no mercado de arte gaúcho

Alice Soares e Alice Brueggemann são da primeira geração de artistas do gênero feminino no mercado de arte gaúcho


/GUSTAVO DIEHL/DIVULGAÇÃO/JC
Alice, Cristina, Dorothea, Leda. Esses são alguns dos nomes que construíram o cenário das artes visuais no Rio Grande do Sul, em meados do século XX. Em uma época na qual a profissionalização e a atuação na formação de políticas não eram prerrogativas das mulheres, essas artistas foram pioneiras ao ultrapassar o destino que lhes era reservado, especialmente quanto ao fazer artístico.
Alice, Cristina, Dorothea, Leda. Esses são alguns dos nomes que construíram o cenário das artes visuais no Rio Grande do Sul, em meados do século XX. Em uma época na qual a profissionalização e a atuação na formação de políticas não eram prerrogativas das mulheres, essas artistas foram pioneiras ao ultrapassar o destino que lhes era reservado, especialmente quanto ao fazer artístico.
Blanca Brites, doutora em História da Arte Contemporânea pela Université de Paris I e professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), destaca que, na época, "a vida artística desenvolvia-se tendo como centro difusor a intensa atividade do Instituto de Bellas Artes", atual Instituto de Artes da Ufrgs. As mulheres eram grande maioria no instituto, mas muitas cursavam as aulas como um dote, uma formação própria às "mulheres prendadas". O padrão, como aponta a jornalista e mestre em História da Arte pela Ufrgs Rosane Vargas, era que a palavra "amadorismo" estivesse atrelada ao fazer artístico dessas alunas, tanto em representações na imprensa quanto pelos comentários dos próprios professores. Ainda assim, as que desejavam seguir carreira tinham que passar pelo crivo dos mestres, todos homens, que escolhiam as alunas que consideravam ter mais talento.
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Um dos indícios desse contexto de desigualdade é a participação de mulheres no Salão de Belas Artes do Rio Grande do Sul, cuja média correspondia a 27,8% em relação aos homens, entre 1939 e 1962, conforme estudo de Rosane Vargas. A historiadora observa que o papel dos salões no sistema de artes foi bastante importante no período. "Os salões davam mais visibilidade à produção artística local, ampliavam a possibilidade de comercialização, aumentavam a troca e a circulação de informações, e eram espaços que a população acessava, portanto a colocava em contato com essa produção", avalia.
Artistas como Alice Soares, Alice Brueggemann, Cristina Balbão, Leda Flores e Dorothea Vergara conseguiram se destacar nesses espaços, inclusive vencendo diversos prêmios. Elas formam a primeira geração de mulheres a constituir o mercado de arte gaúcho, fundando ateliês e contribuindo para o surgimento de importantes instituições culturais no estado, como o Museu de Arte do Rio Grande do Sul (Margs) e a Escolinha de Artes de Porto Alegre.
Antes delas, entre o grande número de alunas do Instituto de Artes, nomes como Judith Fortes e Julia Felizardo ensaiaram uma profissionalização, inclusive expondo em alguns salões, embora tenham desistido da carreira depois de se formarem. "Elas não conseguiram furar o bloqueio dos professores homens, da misoginia existente em relação às mulheres. A contingência não possibilitou que tivessem realmente possibilidade de abrir caminhos, que foi o que as Alices e a Cristina Balbão tiveram", explica Blanca.
As "Alices", como ficaram conhecidas Alice Soares e Alice Brueggemann, que foram amigas e trabalharam juntas a vida toda, alcançaram especial reconhecimento com as suas obras e foram as primeiras mulheres a abrir um ateliê no Rio Grande do Sul. Seus fazeres artísticos são marcantes pelo desenho em carvão, no caso de Alice Soares, e pela veladura, no caso de Alice Brueggemann.
A partir da década de 1950, essas artistas abriram caminho também para que mais mulheres buscassem a profissionalização e a inserção no mercado. A atuação de Alice Soares e Cristina Balbão como professoras do instituto são apontadas como fatores marcantes para esse desenvolvimento. Além disso, como observa Rosane, "a partir dos anos 1950, houve uma mudança, com a mulher profissional sendo uma figura mais comum. Sempre ressaltando que estou me referindo a mulheres brancas, de classe média".

Alices: duas vidas pela arte

As meninas, de Alice Soares, pertence ao acervo da Pinacoteca Aldo Locatelli

As meninas, de Alice Soares, pertence ao acervo da Pinacoteca Aldo Locatelli


/ACERVO PINACOTECA ALDO LOCATELLI/DIVULGAÇÃO/JC
Talento e determinação são duas palavras que perpassam vida e obra de Alice Soares e Alice Brueggemann. Amigas inseparáveis, elas traçaram trajetórias cruzadas, com identidades autorais próprias, pavimentando o caminho das mulheres na arte gaúcha. As artistas fazem parte da geração de alunas da Escola de Artes que conseguiram se destacar e seguir a profissão. Mais do que isso, contribuíram consideravelmente para a formação do sistema de arte no Rio Grande do Sul, cujo processo data dos anos 1950.
Foi na Escola de Artes que elas iniciaram suas carreiras. Porto-alegrense nascida em 1917, Alice Esther Brueggemann estudou pintura e desenho, concluindo o curso em 1944. Nascida em Uruguaiana também em 1917, Alice Soares se formou em pintura em 1943 e, dois anos depois, foi convidada para lecionar, fato que fez dela a primeira mulher professora do instituto, ao lado de Cristina Balbão. Em 1947, concluiu o curso de escultura.
Participando de vários Salões de Belas Artes de Porto Alegre, ambas se destacaram rapidamente na escola. Além do talento e da facilidade para as artes, alguns fatores ajudam a explicar o protagonismo das duas amigas, que conseguiram ser vistas como artistas em um ambiente em que as alunas ainda eram consideradas amadoras pelos professores e pela imprensa da época.
A historiadora Blanca Brites destaca o papel do professor e escultor espanhol Fernando Corona nesse processo. "Foi um professor motivador para tirar o caráter de amadorismo. Contudo, ele era daqueles que escolhiam os alunos e alunas. Não ensinava todo mundo que quisesse", diz. Além de passarem pelo crivo de Corona, que atuava também como crítico de arte e incentivava as alunas a exporem suas obras, elas conseguiram se impor no sistema que começava a se formar.
Aconselhadas por Ado Malagoli, abriram um ateliê compartilhado com Rubens Cabral e o Carlos Fabrício Marcos Soares, na rua Riachuelo, nº 1.450, próximo ao Instituto de Artes. O espaço, além de facilitar os processos de trabalho dos artistas, também passou a ser um ponto de encontro de diversos agentes do mercado incipiente, de críticos a colecionadores. Mais tarde, as duas dividiriam um ateliê entre elas, parceria que permaneceu por quatro décadas.
Com a opção de dedicar suas vidas à arte, as amigas passaram a protagonizar ações que fomentaram o surgimento do sistema, como a abertura de novos espaços de exposição. Além disso, atuavam em posições centrais em instituições: Alice Soares como organizadora e jurada do Salão de Belas Artes de Porto Alegre, além de fundadora da Escolinha de Arte, instituição considerada transformadora na arte-educação; e Alice Brueggemann como presidente da Associação Rio-Grandense de Artes Plásticas Francisco Lisboa.
Outro fato que fez parte de suas carreiras foi a atuação de ambas fora do Estado. Enquanto, em 1951, Alice Soares participou da I Bienal Internacional de São Paulo, Alice Brueggemann também expôs em outras regiões do Brasil, marcando presença no Panorama da Arte Atual Brasileira, no Museu de Arte Moderna de São Paulo.
Todas essas conquistas ocorreram em uma época em que as mulheres que constituíam família não podiam trabalhar, observa Blanca. "Vida de artista não é fácil, nem hoje é. Ter uma vida profissional era uma dedicação completa, tanto que elas não se casaram. Foi uma escolha para uma dedicação exclusiva", comenta.
 

Trajetórias no fazer artístico


ACERVO ARTÍSTICO IA-UFRGS/DIVULGAÇÃO/JC
As atuações das Alices na formação do sistema de arte no Estado estão ligadas não apenas ao desempenho das artistas enquanto gestoras culturais, mas também à qualidade de suas obras. Ambas representaram o Rio Grande do Sul em espaços como o Museu de Arte Moderna e a Bienal de São Paulo com obras que definitivamente eram constituídas por marcas autorais próprias.
Ainda que tenha feito esculturas quando era aluna de Fernando Corona, em um momento em que já apresentava tendências modernistas, Alice Soares começou a carreira com suas pinturas figurativas, trabalho que continha uma simplicidade compositiva que já demonstrava modernidade. No entanto, foi quando passou a trabalhar com desenho em carvão que a artista encontrou sua vocação, em um processo que culminou em desenhos modernistas nos anos 1960. "Enquanto desenhista, ela se tornou uma referência obrigatória, tanto pela inclusão da técnica no rol das categorias artísticas nobres quanto pelo esmero da sua fatura, associada à eficiência no manejo de econômicos recursos expressivos", observa Blanca Brites. Embora tenha abordado outras temáticas, ficou conhecida como "a artista das meninas", a exemplo do quadro homônimo.
Alice Brueggemann construiu uma trajetória na pintura, que aliou a arte figurativa à técnica da veladura, como explica Blanca. A professora e crítica de artes Neiva Bohn escreveu no Jornal do Margs, em 2001, sobre Brueggemann: "Ela aprendeu a capturar para suas pinturas e desenhos o que havia de mais misterioso no espírito moderno. Suas obras foram sendo impregnadas por uma melancolia ímpar, por uma atmosfera onírica, que, na maturidade das últimas décadas, tornou-se metafísica". Entre os temas, natureza-morta e figuras femininas são destaques em sua obra.
 

Escultoras de peso

Obra Autorretrato, de Cristina Balbão

Obra Autorretrato, de Cristina Balbão


/ACERVO PINACOTECA ALDO LOCATELLI/DIVULGAÇÃO/JC
Três nomes são destaque entre a primeira geração de escultoras no Estado: Cristina Balbão, Dorothea Vergara e Leda Flores, ex-alunas de Fernando Corona. Na atividade, era ainda mais difícil de as mulheres ganharem visibilidade.
Formada em pintura e escultura, Dorothea recebeu medalha de ouro no Salão Nacional de Belas Artes, em 1945, e no I Salão Pan-Americano de Arte, em 1958. Contudo, ainda hoje não é um dos nomes reconhecidos entre os grandes escultores da arte gaúcha. Ela também dedicou-se ao ensino, lecionando escultura no Interior e, a partir de 1966, atuando como professora titular na Escola de Artes. Já Leda, ceramista, participou de inúmeras mostras, inclusive expondo individualmente na galeria Aliança Francesa, em 1962.
Nas mãos de Cristina Balbão, o pioneirismo foi além das obras de arte. A porto-alegrense, que, assim como as Alices, nasceu em 1917, também foi gestora cultural e professora do Instituto de Belas Artes.
Pesquisadoras da autoria feminina nos acervos públicos de Porto Alegre, as historiadoras de arte Mel Ferrari e Cristina Barros observam que "Balbão incentivava a expor, a não fazer arte só para si, mas também para o mercado". Sua opção por ser professora a levou a interromper sua criação, que ficou praticamente restrita aos tempos em que era aluna. Apesar disso, seu papel foi marcante na formação das instituições culturais do Estado, na medida em que esteve junto com Ado Malagoli na fundação do Margs - que, hoje, leva também o nome do mentor. Cristina foi a primeira funcionária do museu, atuando como gestora, angariando obras, visitando colecionadores. Mais tarde, ela foi uma das incentivadoras da Bienal do Mercosul.

A Escola de Artes do Rio Grande do Sul

Em 1908, surgiu uma das escolas mais tradicionais da área no Brasil

Em 1908, surgiu uma das escolas mais tradicionais da área no Brasil


ARQUIVO HISTÓRICO DA UFRGS/DIVULGAÇÃO/JC
O escritor e jornalista Athos Damasceno pesquisou a formação do ensino de artes no Estado para o livro Artes plásticas no Rio Grande do Sul, 1755-1900, publicado em 1971 pela Editora do Globo. Segundo Damasceno, antes mesmo da fundação da Escola de Artes, já na metade do século XIX, todos os colégios particulares de Porto Alegre promoviam aulas de desenho e trabalhos manuais, muitas vezes chamadas de "artes femininas" e ministradas por mulheres.
Em 1908, surgia uma das escolas mais tradicionais de arte no Brasil, o Instituto de Bellas Artes, por iniciativa de um grupo de artistas e intelectuais. A instituição foi fundada em 22 de abril, depois que o governo liberou a criação de escolas livres não apenas em áreas artísticas, mas também na Medicina, no Direito e na Engenharia. O Conservatório de Música foi a primeira escola do instituto, seguida pela Escola de Artes de Porto Alegre, inaugurada dois anos mais tarde.
Financiada por cotas de contribuição, a escola era mantida por um número limitado de sócios, com a finalidade de promover o ensino de pintura, escultura, arquitetura e artes de aplicação industrial. O currículo, calcado nos cânones acadêmicos e no domínio do desenho como fundamento, era considerado exigente, ainda que as alunas tivessem que passar pela aprovação prévia dos docentes para cursar suas disciplinas. "Há registro de alguns professores que, de fato, incentivavam essas alunas, não com um olhar condescendente, mas com um olhar que via artistas promissoras e talentos", ressalta a historiadora da arte Rosane Vargas.
Foi somente nos anos 1950, no entanto, que as mulheres constituíram o corpo docente da Escola de Artes, quando Alice Soares e Cristina Balbão foram convidadas a lecionar. O fato contrasta com a realidade do corpo discente da escola, que sempre foi formado majoritariamente por mulheres. Vargas aponta que, nos primeiros anos, as alunas correspondiam a 76,3% do total.
Tal presença não acarretou no protagonismo e no reconhecimento das alunas enquanto artistas, que, quando representadas na imprensa da época, apareciam muito mais nas colunas sociais, como esposas ou filhas de homens ilustres. Naquele período, era comum que mulheres brancas da alta sociedade, em idade de casar, se matriculassem na Escola de Artes como um passatempo.
Ao longo dos anos, conforme Damasceno, as artes visuais deixaram de ser consideradas um passatempo e passaram por um processo de profissionalização no Estado. O Salão de Belas Artes do Rio Grande do Sul, cuja primeira edição foi realizada em 1939, é uma das bases fundadoras do sistema de artes do Estado, que começava a se formar. Para Rosane Vargas, a transformação da escola em curso superior, em 1936, também fez diferença. Em 1962, o Instituto de Bellas Artes foi incorporado definitivamente à Ufrgs e, atualmente, é denominado Instituto de Artes.
 

O legado para outras gerações

Para Zoravia Bettiol, é trágico constatar que nenhuma de suas colegas seguiu carreira

Para Zoravia Bettiol, é trágico constatar que nenhuma de suas colegas seguiu carreira


/MARCO QUINTANA/JC
O pioneirismo da primeira geração de artistas formadas na Escola de Artes acabou por desvendar novos horizontes para as pintoras, escultoras e desenhistas que vieram a seguir. Nomes como Zoravia Bettiol e Vera Chaves Barcellos - hoje consolidadas como grandes nomes da arte no Estado - passaram pelo instituto no final da década de 1950, ingressando a seguir no mercado. Na época, os avanços sociais no que se refere aos direitos da mulheres ainda caminhavam lentamente, embora, na década seguinte, muito se tenha conquistado.
Aluna de Alice Soares, Zoravia Bettiol relembra: "Alice foi minha professora de desenho e ela dava liberdade. Poderia cobrar mais dos artistas, ser mais crítica, mas dar liberdade é um fator importante do aprendizado. Ela influenciou muitas mulheres", comenta. Sobre Alice Brueggemann, com quem a artista também teve contato, Zoravia comenta que sua turma "se espelhava na liberdade que ela tinha, naquelas pinceladas amplas, na interpretação que ela dava ao trabalho".
Maria Leda Macedo, ex-presidente da Associação Chico Lisboa, também se formou na Escola de Artes em 1949, incentivada por uma professora do colegial que reconheceu seu talento. Ainda que tivesse ambições de seguir a profissão de artista, ela conta que não conseguiu atingir reconhecimento. Arte-educadora, ela trabalhou por trás das telas, lecionando arte, inicialmente, no Interior e, mais tarde, na Escolinha de Artes de Porto Alegre, trabalho que desenvolveu por 18 anos. Assim como Maria Leda, a geração de graduadas nos anos 1940 e 1950 continuava precisando romper barreiras para atingirem a profissionalização. "Das minhas colegas, que se formaram na minha turma, só eu virei artista. É trágico constatar que nenhuma das minhas colegas fez carreira", lamenta Zoravia.
Sobre a participação da primeira geração de artistas nesse contexto, a professora Blanca Brites afirma que elas abriram caminhos. "Não digo que ficou mais fácil, porque fácil nunca é, a batalha é grande. No Salão dos anos 1970, ainda havia mais homens do que mulheres", comenta. Na década de 1960, a pelotense Maria Lídia Magliani se tornou a primeira negra a se formar no Instituto de Bellas Artes de Porto Alegre, e o papel de Cristina Balbão como professora a incentivou nesse processo. A artista, que participou de mais de 100 mostras individuais ou coletivas, desenvolveu uma obra com assinatura, baseada inicialmente na pop art e em representações da condição humana.
Como lembra Blanca, outros nomes das gerações seguintes poderiam ser mais estudadas e reconhecidas. Regina Silveira, nomeada por Ado Malagoli como sua sucessora artística, fez carreira no Centro do País. Ilsa Monteiro, que já trabalhava com o acrílico em 1960, e Romanita Disconzi, que fazia pop art nos anos 1960 em Porto Alegre, são outros nomes lembrados.

Em busca de visibilidade nos acervos

Segundo Dalcol, maior visibilidade da produção feminina é prioridade da gestão no Margs

Segundo Dalcol, maior visibilidade da produção feminina é prioridade da gestão no Margs


/SOLANGE BRUM/SEDAC/DIVULGAÇÃO/JC
A presença dessas artistas nos acervos públicos presentes no Estado ainda é uma incógnita que está sendo desvendada. Desde dezembro de 2018, um grupo de pesquisadoras da Ufrgs vem levantando dados nas coleções públicas da cidade de Porto Alegre, com o objetivo de identificar quem são as mulheres que constituem esses acervos, quantas são e quais mídias são utilizadas nas obras.
O estudo revela que, no Margs, 35% do total de artistas é mulher. Já os acervos municipais das pinacotecas Aldo Locatelli e Ruben Berta possuem ainda mais disparidade de gênero quando considerados os percentuais de mulheres presentes: 29% e 22%, respectivamente. Ainda serão revelados os números da Pinacoteca Barão de Santo Ângelo, mantida pela Ufrgs, e do Museu de Arte Contemporânea do Rio Grande do Sul, que é estadual.
"É uma pesquisa que se alinha com o movimento global e nacional de entrar nesse revisionismo e procurar entender quem são essas mulheres que foram silenciadas. O estudo serve um pouco também para desmistificar certos aspectos", explica a curadora Cristina Barros, que conta que um dos mitos é a ausência de escultoras nos acervos, o que a pesquisa já desmentiu. Um dado preocupante é a presença de apenas quatro mulheres negras em todos os acervos pesquisados.
Como resultado do projeto, cada espaço está recebendo exposições com obras das pintoras, escultoras e desenhistas de cada acervo. Até o dia 22 de novembro, a Pinacoteca Ruben Berta expõe todas as obras feitas por mulheres de seu acervo. Ainda em novembro, será a vez da Pinacoteca Barão de Santo Ângelo, seguida pelo Margs, em dezembro. "Chegamos a ouvir pessoas que disseram que se expõe poucos trabalhos feitos por mulheres porque elas não faziam ou porque era ruim. Então estamos expondo essas mulheres para mostrar o contrário", afirma a curadora Nina Sanmartin.
A pesquisadora conta que as instituições culturais abriram as portas e abraçaram a ideia. "Elas queriam também conhecer melhor o próprio acervo e suas limitações, e entender o problema para conseguir fazer alguma coisa sobre isso."
Diretor do Margs, Francisco Dalcol destaca que a gestão tem como política institucional acompanhar as problemáticas atuais no que diz respeito às instituições museológicas. "Nesse empenho está a reivindicação histórica e reparatória por uma maior visibilidade e legitimação da produção de artistas mulheres. Trata-se de uma entre as prioridades do Margs na atual gestão, e que tem se revertido em exposições monográficas de artistas mulheres apresentadas em 2019 até aqui, assim como em atividades e ações educativas que abordam a questão, desenvolvidas pelo museu em seu programa público", comenta.
O objetivo das pesquisadoras, agora, é que o estudo reverbere no circuito artístico de arte como um todo e não fique restrito a espaços voltados só para mulheres. "Sabemos que fazer grandes exposições só de mulheres não serve para reconstruir uma história da arte. Queremos deixar algum lastro para que futuras curadorias ou futuras grandes montagens não se validem do argumento de que só os principais nomes masculinos não suficientes", defende Cristina.

*Thaís Seganfredo é jornalista, editora do Nonada – Jornalismo Travessia e sócia-diretora da Riobaldo Conteúdo Cultural.