Corrigir texto

Se você encontrou algum erro nesta notícia, por favor preencha o formulário abaixo e clique em enviar. Este formulário destina-se somente à comunicação de erros.

reportagem cultural

- Publicada em 29 de Agosto de 2019 às 21:26

Trajetória do Festival de Gramado retrata cinema nacional

Museu do Festival de Gramado preserva memória do evento mais longevo do gênero no Brasil

Museu do Festival de Gramado preserva memória do evento mais longevo do gênero no Brasil


EDISON VARA/AGÊNCIA PRESSPHOTO/DIVULGAÇÃO/JC
Todo mundo sobe a Serra em busca de um Kikito. Os cineastas, atores e atrizes têm como objetivo o troféu solar com que são premiadas as melhores produções concorrentes no Festival de Cinema de Gramado. A estatueta com a figura risonha teve seu nome dado por sua criadora, Elisabeth Rosenfeld, artesã da cidade gaúcha. Até hoje, o "deus da alegria" é o símbolo do município, com totens pela cidade para fotografias dos visitantes, fabricado também em chocolate e vendido em ímãs e chaveiros como lembranças do destino turístico.
Todo mundo sobe a Serra em busca de um Kikito. Os cineastas, atores e atrizes têm como objetivo o troféu solar com que são premiadas as melhores produções concorrentes no Festival de Cinema de Gramado. A estatueta com a figura risonha teve seu nome dado por sua criadora, Elisabeth Rosenfeld, artesã da cidade gaúcha. Até hoje, o "deus da alegria" é o símbolo do município, com totens pela cidade para fotografias dos visitantes, fabricado também em chocolate e vendido em ímãs e chaveiros como lembranças do destino turístico.
Desde a primeira edição, com a consagração de Toda nudez será castigada, de Arnaldo Jabor, em janeiro de 1973, mais de mil Kikitos foram entregues em diferentes categorias. De uma mostra de cinema realizada no verão de forma colaborativa, com moradores recebendo convidados em suas casas, o evento de Gramado se transformou no maior festival de cinema ininterrupto do Brasil, chegando em 2019 à sua 47ª edição.
Notícias sobre cultura são importantes para você?
O ano de 1988, por sua vez, é importante nessa trajetória por duas razões: o evento começou a ocorrer no inverno e o antigo Cine Embaixador passou por ampla reforma, sendo rebatizado como Palácio dos Festivais. Já os títulos ibero-americanos foram incluídos na competição em agosto de 1992. Com a extinção da Embrafilme pelo governo Collor, não havia longas nacionais suficientes para as sessões e a medida foi tomada pelo então presidente do festival, João Alfredo de Castilhos Bertolucci, o Fedoca, hoje prefeito da cidade.
As primeiras edições, realizadas no verão, foram marcadas por um certo sensacionalismo, com nudez das estrelas nas piscinas dos hotéis à procura de fama na Serra. Com a chegada dos anos 1980 e o aprimoramento das discussões sobre arte e cultura nos diversos espaços, abarcando o ciclo do Super 8, o evento conquistou o título de um dos maiores do gênero no País. Na década de 1990, com o glamour do tapete vermelho, a tietagem tomou conta das atrações cinematográficas.
Também são muitas as histórias sobre a badalação na época dourada das grandes festas. Apesar disso, Gramado sempre foi reduto de manifestações políticas por parte da classe artística - o que se intensifica a cada ano.
A crítica e pesquisadora Maria do Rosário Caetano, da Revista de Cinema (http://revistadecinema.com.br), acompanha o evento há exatos 40 anos e cobriu muitas edições no verão. "Era linda a viagem de Porto Alegre a Gramado, pois havia imensos canteiros de hortênsias nas laterais da estrada (nos trechos próximos à serra gaúcha)", relembra. Mineira radicada em Brasília, ela só havia conhecido um pequeno pé de hortênsia que a avó cultivava na fazenda onde morava, em Coromandel (MG), cidade onde nasceu há 64 anos. "Dos tempos de verão festivaleiro, esta é minha maior saudade. Porque o charme de Gramado é o inverno. Quanto mais frio, mais charmoso."
No entanto, Rosário tem uma história com ares de anedota sobre a disputa pelo Kikito em 1998 - um dos longas concorrentes era o mexicano De noche vienes, Esmeralda: "Roberto Cobo, o Jaibo de Los olvidados (de Buñuel, 1950), mal pôde subir ao palco, pois ficara ferido anos antes devido a um grande terremoto na Cidade do México". Ela mal reconheceu um senhor que mancava e usava bengala, mas era o ator. "Fui entrevistá-lo no Hotel Toscana, aquele que descortina a bela vista do Vale do Quilombo. Ele, que era gay, estava decepcionado com o frio e com o aspecto europeu da cidade, esperava um festival tropical, com mulheres vestidas de Carmen Miranda. Ator maravilhoso que deixou saudades", destaca.
Em sua edição de quatro décadas, em 2012, o Festival de Cinema de Gramado se reinventou, com um perfil mais democrático e inúmeras mudanças, entre as quais a figura do presidente deixou de existir e as entidades de cinema ganharam maior participação. Em 2014, a Gramadotur, autarquia responsável pela realização dos eventos públicos do município serrano, passou a estar à frente do evento, conferindo mais transparência.
Nos últimos anos, o festival gaúcho voltou a balizar o melhor da produção nacional, como era nas décadas de 1970 e 1980. "Gramado era nosso pai e nossa mãe. O ano cinematográfico era medido por Gramado", conta o cineasta Henrique de Freitas Lima.
Na opinião de Rosário, o festival - o mais conhecido e badalado do País e o segundo mais antigo (Brasília começou em 1965, mas teve hiatos e realizou 52 edições) - tem que exigir ineditismo dos títulos brasileiros concorrentes: "Filme batido em festival é veneno".

Debates além do cinema

Em 1984, 12ª edição premiou 'Tempo sem glória', de Henrique de Freitas Lima, na categoria Super 8

Em 1984, 12ª edição premiou 'Tempo sem glória', de Henrique de Freitas Lima, na categoria Super 8


ACERVO DO MUSEU DO FESTIVAL DE GRAMADO/DIVULGAÇÃO/JC
Uma das muitas tradições do Festival de Cinema de Gramado é sediar grandes debates históricos sobre a política do audiovisual brasileiro, mesmo tendo iniciado no ápice da ditadura militar, em 1973. O evento sempre foi espaço para manifestações dos cineastas, o que voltou a se intensificar nos últimos anos, pelo contexto de mudanças no governo federal.
Entre os especialistas ouvidos pela reportagem, envolvidos com as edições realizadas na serra gaúcha, um episódio foi unânime na memória coletiva: em 1992, na era Collor, Sandra Werneck e Murilo Salles concorreram com o curta-manifesto Pornografia. Na proposta da obra, um casal tinha uma relação sexual ao som do hino nacional. A censura proibiu a reprodução sonora do hino. Porém, durante a exibição no Palácio dos Festivais, a plateia toda levantou das poltronas e cantou o hino nacional.
Já em 2019, a ameaça de descontinuidade da Ancine e a possibilidade de filtros na produção nacional pautaram protestos. "Pelo cinema, pela cultura, por uma arte livre sem censura", realizadores marcharam pelo tapete vermelho, na noite de encerramento, rumo à cerimônia de premiação, cantando e empunhando cartazes de filmes icônicos da cinematografia brasileira. No entanto, frequentadores dos bares da Rua Coberta, contrários à ação, gritaram expressões ofensivas aos manifestantes, arremessando pedras de gelo, restos de comida e lixo - mesmo os cineastas estando acompanhado de crianças, como atores mirins e seus próprios filhos de colo.
A reação dos agredidos ocorreu no microfone, dentro do Cine Embaixador. Na opinião de Maria do Rosário Caetano, crítica e pesquisadora de cinema, a noite de 27 anos atrás com o hino cantado ao vivo pelos presentes foi realmente impressionante, mas a de sábado passado (24), com a entrega dos Kikitos da 47ª edição, não teve igual: "Foi a noite mais politizada da história dos festivais brasileiros. Havia a televisão (Canal Brasil) e o Facebook transmitindo simultaneamente, amplificando os acontecimentos".
Uma das entidades organizadoras de manifestações neste ano foi a APTC-RS (Associação Profissional de Técnicos Cinematográficos do Rio Grande do Sul). O cineasta gaúcho Henrique de Freitas Lima lembra que a APTC foi justamente fundada em Gramado, em março de 1985 (antes de o evento ser realizado no inverno), quando todos os realizadores gaúchos se encontravam na Serra para o festival: "Eu disse que, com o retorno da democracia no País, tínhamos que nos organizar e fazer uma entidade. Tivemos depois oito semanas de reuniões, em Porto Alegre, no Museu de Comunicação, para estabelecer os estatutos".
Freitas Lima ainda elogiou a postura corajosa da presidente do órgão, Daniela Strack: "Fico feliz de ver esta menina que acabou de assumir a APTC, que fez diversos discursos emocionantes em Gramado. São 34 anos de entidade, agora está com a gurizada, que bom, né?".
Com cerca de 15 filmes apresentados no festival da Serra, como diretor ou produtor, o cineasta foi premiado em 1984, com o longa Tempo sem glória, como melhor enredo de ficção em Super 8. Freitas Lima lembra que o crítico da época, Luiz Cezar Cozzatti, escreveu que seu filme tinha "momentos fordianos" e que a generosa menção a John Ford lhe estimulou a seguir na carreira. "Quem viveu os momentos quentes de Gramado se ressente de que não é mais assim. Efetivamente, era a plataforma lançadora de filmes brasileiros. Todo mundo queria estar aqui (hoje também, mas mais os pequenos, estreantes), era uma briga para ver quais seriam os sete ou oito filmes. E o filme que ganhava Gramado tinha uma baita vitrine, era a primeira exibição pública, havia todos os órgãos de imprensa aqui, porque todo mundo adorava vir."
Neste ano, o diretor exibiu o documentário Zoravia na mostra paralela. Ele lembrou de grandes filmes premiados em Gramado, como O homem da capa preta (1986), Marvada carne (1985) e Pra frente Brasil (1982). Entre os estrangeiros, o espanhol Almódovar ganhou o Kikito de direção em 1992, com Tacones lejanos (e melhor atriz para Marisa Paredes). O italiano Michelangelo Antonioni também esteve na Serra, no mesmo ano. Pelo sucesso de bilheteria Dona Flor e seus dois maridos (com Sonia Braga, Mauro Mendonça e José Wilker), Bruno Barreto ganhou o Kikito de melhor direção em 1977.
O espaço de visitação do Museu do Festival de Cinema de Gramado apresenta uma linha do tempo com esses vencedores emblemáticos. Localizado junto ao mezanino do próprio Palácio dos Festivais (na avenida Borges de Medeiros, 2.697), o local guarda em seu acervo registros temporais como alguns dos reproduzidos nessa reportagem.
Para Daniela Schmitt, diretora do museu, “é um desafio manter a memória do festival de Gramado, que está ligado à memória do cinema brasileiro e latino. O museu está aberto há três anos de museu aberto e estamos batalhando para permanecermos abertos, pois a gestão de museu na cidade de Gramado não é fácil”.
A museóloga informa que também há dificuldade para constituir arquivo sobre os curtas-metragens e filmes em Super 8, que este será o foco daqui para frente. O espaço recebe colaborações, funcionando de segunda-feira a sábado, das 10h às 12h e das 13h às 18h.
As outras imagens utilizadas nesta publicação são do fotógrafo Edison Vara, nome indispensável a citar quando se aborda a trajetória do festival. Desde 1996, ele é o profissional responsável pelas imagens oficiais de divulgação do evento. Porém, como fotojornalista, fez sua primeira cobertura em Gramado em 1987.
Nesta 47ª edição, em iniciativa do Instituto Estadual de Cinema (Iecine) para nomear os embaixadores do cinema gaúcho, o diretor do órgão, cineasta Zeca Brito, saudou o trabalho de Vara por registrar a história de um dos principais festivais de cinema do Brasil há 32 anos e pediu aplausos dos presentes ao fotógrafo.
Já Freitas Lima lembra, ainda, da época em que os festejos tinham protagonismo: "Na verdade, o festival era uma grande farra, que durava primeiro uma semana, depois nove dias. Tu eras recebido com uma festa de abertura no Serrazul ou no Hotel Serrano, que era um festão, já na primeira noite. Depois, tinha coisas temáticas: festa alemã, e a mais característica, diferente, era o Vanerão - uma noite com comida típica gaúcha num CTG lá no fim da avenida Borges de Medeiros, com um baile depois, fandangão mesmo. Lembro de ter Os Serranos, que era o maior grupo de fandango".
Também ocorria uma grande comemoração após a premiação, reunindo todos os participantes. "Durante a semana, o ponto de encontro era o bar do Serrano, bar fechado. Parte das pessoas estava hospedada lá, outras não, mas se entrava a madrugada no Serrano e amanhecia lá, os artistas davam canja... Não havia nada dessa coisa de festas privadas tentando lucrar em cima", lembra Lima. O realizador ressalta que outra tradição do festival era o governador do Estado promover uma ação durante o dia, oferecendo almoço ou happy hour no Palácio das Hortênsias.

Celebridades e histórias na memória

Atriz italiana Eva Grimaldi com o jornalista Ranieri Rizza na edição de 1993

Atriz italiana Eva Grimaldi com o jornalista Ranieri Rizza na edição de 1993


ARQUIVO PESSOAL RANIERI/DIVULGAÇÃO/JC
Rosto de personalidade cultural gaúcha muito associado ao Festival de Gramado é o do jornalista Ranieri Rizza, que vai a trabalho ao evento desde 1991 e também conta suas memórias da badalação na Serra no site www.ranieririzza.com.br.
Nascido em Bagé, mas criado na Capital, era fã de cinema desde criança, quando matava as aulas do colégio para ir ao Centro de Porto Alegre ver filmes brasileiros. Ele viu o jornalismo cultural como caminho natural quando optou pela profissão. Na Famecos, na Pucrs, foi aluno do cineasta Carlos Gerbase - depois, viria a fazer assessoria de imprensa de suas produções.
A primeira ida a Gramado, no entanto, ocorreu ainda adolescente, na metade dos anos 1980, somente para assistir, sem nem ter entrado na faculdade. "Tantas musas, tanta gente, era uma badalação tão grande das festas. Vínhamos para participar das festas fechadas de cinema, com o pessoal do cinema, porque não tinha ainda essa explosão do turismo em Gramado, que criou a indústria das festas de música eletrônica." Na década de 1980, os encontros da turma aconteciam nos bares dos hotéis e nas boates.
"Peguei a virada para festival latino, com a entrada de títulos estrangeiros, quando só tinha o Capitalismo selvagem, de André Klotzel, e Forever, de Walter Hugo Khouri, entre os brasileiros." O segundo nem chegou a ser exibido, por um problema técnico, "foi uma frustração", e o jornalista e assessor de imprensa contra alguns mitos daquela edição de 1993.
A atriz italiana Eva Grimaldi estava no elenco de Forever. "Tive o privilégio de conhecê-la, porque sempre fui apaixonado pela obra do Khouri." Rizza conta que Eva ia dançar em Porto Alegre numa boate gay durante o festival. "Eva era uma mulher extravagante, com seios avantajados, olhos verdes, um bocão e usava perucas coloridas. Ela criou uma polêmica grande porque enchia a banheira de espumante para tomar banho. Foi embora e ficou a conta. Não sei até que ponto isso virou lenda, se ela tomava banho mesmo ou bebia os espumantes. Eva deixou essa impressão. No final, fez uma baita divulgação para o evento", narra.
O ano 1993 foi marcado pelo filme Como água para chocolate. "O festival estagnou, e faltavam notícias. Como eu já atuava muito, gostava de noite, ia a festas, numa dessas, conheci a Claudette Maillé, mexicana, de descendência francesa, bonita, que na época tinha uns 27 anos."
A atriz contou a ele que, para a divulgação de Como água para chocolate, desfilou nua montada num cavalo, em plena na 5ª avenida, em Nova Iorque. "Na hora, pintou como ideia: vamos tirar a roupa de Claudette para a imprensa. Me reuni com alguns fotógrafos, conseguimos um cavalo e ela foi para o Lago Negro posar."
Alguns episódios folclóricos aconteciam ao natural: "Por exemplo, quando a Faye Dunaway veio para o Serrazul, em 1996. Ela não tirou roupa nenhuma, era muito classuda. Mas ela trouxe a própria comida. Não sei se era por dieta, ou por estar nos trópicos (risadas)".
O jornalista cultural ainda recorda a vinda de Elliott Gould, que foi casado com a Barbra Streisand: "Era ator da contracultura, fez M.A.S.H., filme de guerra de Robert Altman, era um ator conceitual norte-americano. Mas meio que passou despercebido, as pessoas não davam muita atenção". Já Amy Irving (de Carrie, a estranha, indicada ao Oscar), ex-esposa do cineasta Steven Spielberg, marcou presença. "Como era casada com Bruno Barreto, veio com a família de cineastas brasileiros para lançar um filme aqui. Era uma querida, super simpática", esclarece.
"Sempre cobri o festival no inverno. Eu tinha no meu imaginário o verão, aquela história das musas fazendo top less na piscina do Serrazul: Marina Montini, musa de Di Cavalcanti, Vera Fischer, aquelas festas bombásticas. Adoraria ter vivido aquele período, mas também peguei uma fase muito bacana", finaliza.

Um tombo e a saída de ambulância

Neste ano, assessor de imprensa sofreu queda na entrada do Palácio dos Festivais

Neste ano, assessor de imprensa sofreu queda na entrada do Palácio dos Festivais


EDISON VARA/AGÊNCIA PRESSPHOTO/DIVULGAÇÃO/JC
Rainieri Rizza sempre esteve no lugar certo para testemunhar fatos, criar algumas histórias e, além disso, ser personagem de outras. Neste ano, ele organizou a festa do filme Legalidade, a pedido do diretor Zeca Brito, no Guest Lounge no Gramado Tênis Clube. "O longa é da Prana Filmes, produtora com a qual tenho ligação, com quem eu trabalho há muito tempo. Sou muito amigo da Luciana Tomasi e do Carlos Gerbase. Também fiz a festa, há dois anos, do docudrama Bio", explica.
Porém, por ironia do destino, Rizza não conseguiu assistir à produção com protagonismo do saudoso Leonardo Machado como Leonel Brizola por causa de um acidente na noite de exibição. Acompanhando a equipe, no tumulto do tapete vermelho, quando o elenco entrava no Palácio dos Festivais, ele tropeçou em uma caixa de som, caiu e acabou tendo uma luxação no polegar esquerdo. "Imediatamente fui socorrido por um brigadista e levado de ambulância para o hospital, onde o dedo foi imobilizado. Foi na hora, uma organização tremenda."
Rizza tem certo receio de ser somente relacionado a festas, porque é também uma pessoa que conhece cinema, conjuga o conteúdo com a badalação. "Talvez, às vezes, até exista um preconceito de te apontarem como alguém tão festivo, que se relaciona bem com todos dentro do festival. Não quero me autoelogiar, mas acabo sendo uma fonte. E gosto de estar com quem é do metiê. Vivi a fase do renascimento do cinema brasileiro, que continue renascido e se mantenha."

Ofício de tradição familiar

Diretora e roteirista Iuli Gerbase seguiu os passos do pai

Diretora e roteirista Iuli Gerbase seguiu os passos do pai


CLEITON THIELE/AGÊNCIA PRESSPHOTO/DIVULGAÇÃO/JC
O Festival de Cinema na Serra também tem sua faceta "laços de família". E, claro, o elo que une os integrantes do núcleo de parentes é o ofício de fazer cinema.
Carregando um sobrenome de peso para a cinematografia gaúcha e brasileira, a jovem diretora Iuli Gerbase estreou na mostra competitiva nacional de curtas em Gramado nesta 47ª edição com A pedra, que recebeu uma menção honrosa para a atriz mirim Esther Schafer.
Na apresentação, Iuli demonstrou felicidade em fazer parte da seleção pelo Festival de Gramado ter um significado especial na sua trajetória, que começou na infância. "Para mim, desde criança, foi importante ver o cinema brasileiro de vários estados tão perto de casa."
Ela recorda um episódio: "Devia ter 10 anos, estava passando algum filme do meu pai (Carlos Gerbase), e eu e minha irmã dividimos a cadeira porque o cinema estava lotado. Este era meu tamanho quando eu vinha para cá, pequena".
Iuli já fora premiada com seu primeiro título, Tricô e pitangas, realizado na faculdade, que recebeu o troféu de roteiro na Mostra Gaúcha em 2011. Dois anos depois, com Férias, foi eleita a melhor diretora de curtas gaúchos, e o filme também teve destaque em direção de arte.
A mãe da garota, Luciana Tomasi, era atriz e cantora, e hoje assume as responsabilidades de produtora-executiva na Prana Filmes. Em 2017, Bio, de Gerbase, concorreu entre os longas brasileiros em Gramado, e a filha fez a assistência de direção na obra. Para Iuli, é engraçada essa inversão de papéis, pois via os filmes do seu pai na Serra, participou com ele numa das edições e, desta vez, ele veio apenas assisti-la.
A jovem realizadora conta que tomou a decisão por filmar somente aos 17 anos. Inicialmente, pensava em escrever literatura ou roteiro. "Depois, fui me apaixonando pelo cinema juntar muitas artes: fotografia, direção de arte, figurino, música. Por isso escolhi a direção, que é como ser o maestro de uma orquestra em que tentamos unir os talentos de cada um para fazer o filme."
Em maio, Iuli gravou seu primeiro longa, A nuvem rosa. A obra sobre um casal preso num apartamento por causa de uma nuvem rosa tóxica que invade o Brasil está em fase de montagem. "Acho que não estará pronto para o ano que vem, só em 2021." Será que a nova curadoria, com Pedro Bial e Soledad Villamil junto a Marcos Santuario, irá cair de encantos e selecionar o trabalho da segunda geração do clã Gerbase?

O que o cinema une a vida não separa

Casal de críticos Luiz Zanin e Maria do Rosário Caetano no último festival na Serra

Casal de críticos Luiz Zanin e Maria do Rosário Caetano no último festival na Serra


ARQUIVO PESSOAL/DIVULGAÇÃO/JC
O casal Walter e Zilah Galucio, do Rio de Janeiro, é bastante conhecido de quem frequenta o Festival de Cinema de Gramado. Estão juntos há 34 anos e são casados há 27 - e nos últimos 22 anos são figurinhas carimbadas no evento. Faltaram somente à edição de 2008, por questões de problemas de saúde na família.
Ele é engenheiro aposentado; ela, professora aposentada. Neste ano, fizeram a reserva no hotel Serrazul ainda em fevereiro, pois gostam de participar dos debates no dia seguinte à exibição dos filmes e também de ficar próximos dos realizadores. "Nós fazemos a maior propaganda daqui. Não acho Gramado caro. O povo é muito delicado, a cidade é muito gostosa, a hotelaria é boa. Então, a gente aproveita. Entramos de férias e saímos do cotidiano", comenta Zilah.
Moradores do bairro Jardim Botânico, na capital fluminense, os apreciadores de cinema desde a juventude contam que já frequentaram o Festival do Rio, em sua cidade, mas, no entanto, se sentem mais em casa na serra gaúcha. "Aqui, vamos a pé para todos os lugares, participamos de tudo. Nos sentimos parte do evento, já conhecemos os críticos. E não tem a dificuldade de lá. Os curadores do festival e os mediadores dos debates nos conhecem, já fomos entrevistados pela Rô Caetano. Temos acesso a atores, diretores e críticos, aprendemos a ver melhor os filmes", destaca ela."
Zilah relembra encontros simpáticos com Nelson Pereira dos Santos, o ator argentino Jean Pierre Noher e também Fabio Barreto, que lhes perguntava o que tinham achado de seu filme e como estava o páreo. Enquanto a repórter conversa com a fonte, ela chama atenção para o fato de Luiz Zanin, crítico de O Estado de S. Paulo (que é casado com a também crítica Maria do Rosário Caetano), estar fazendo um comentário com seu esposo na fila do café. "Isso que diferencia, o lado humano. Lá (no Rio) somos meros espectadores, aqui somos participantes da totalidade das coisas", conclui a professora aposentada.
Reintegrado à entrevista, Walter faz uma retrospectiva: "Há uns cinco anos, a qualidade dos longas brasileiros tem estado muito boa. Sabemos disso porque um ano depois que os filmes saem do Festival de Gramado conseguem exibição nas salas. Eram filmes bons, bem feitos, que valiam a pena, e que quando foram para os cinemas tiveram o público que confirmou o nosso julgamento aqui".
* Caroline da Silva é jornalista formada pela Ufrgs, mestre em Comunicação (Mídias e Processos Audiovisuais) pela Unisinos e especialista em Arqueologia e Patrimônio pela Pucrs. Membro da Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (Accirs), é jurada em festivais e prêmios musicais, literários e de cinema. Integra a editoria de Cultura do Jornal do Comércio há uma década, sendo editora-assistente desde 2010.