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Entrevista especial

- Publicada em 24 de Março de 2022 às 19:55

Desenvolvimento econômico da Capital passa por inovação e novo urbanismo, projeta Melo

Melo afirma que o segundo andar do Mercado Público deve ser entregue em junho

Melo afirma que o segundo andar do Mercado Público deve ser entregue em junho


LUIZA PRADO/JC
O prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo (MDB), aponta cinco eixos para o desenvolvimento econômico do município: comércio varejista, saúde, educação, inovação e construção civil. O chefe do Executivo municipal observa que são setores em que a Capital já se destaca. "A cidade precisa potencializar o que já tem de bom", sustenta.
O prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo (MDB), aponta cinco eixos para o desenvolvimento econômico do município: comércio varejista, saúde, educação, inovação e construção civil. O chefe do Executivo municipal observa que são setores em que a Capital já se destaca. "A cidade precisa potencializar o que já tem de bom", sustenta.
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, quando Porto Alegre completa 250 anos, o prefeito também manifesta o desejo de dar uma repaginada urbanística na cidade. Cita a revisão do Plano Diretor como instrumento, e aponta os projetos específicos do Centro Histórico e do 4º Distrito como exemplos. Para Melo, é preciso concentrar mais a população em regiões que já têm infraestrutura, e evitar "espalhar" a cidade para áreas mais afastadas sem equipamentos públicos.
O prefeito fala em regularizar empreendimentos que estão no Extremo Sul, bem como revisar a Zona Rural, mas ressalva que agora só pretende encaminhar esses temas na revisão geral do Plano Diretor, prevista para chegar à Câmara em 2024.
Melo ainda informa que não aumentará impostos, comenta o superávit da prefeitura, as obras do Mercado Público e da Usina do Gasômetro.
O prefeito também fala do desafio do financiamento do transporte público - diz que irá liquidar a Carris se não tiver comprador para a estatal -, reivindica ajuda do Estado e da União para manter o serviço de ônibus nas cidades, e garante que não aumentará a tarifa de R$ 4,80 se o presidente Jair Bolsonaro custear a verba para isenção de maiores de 65 anos.
Jornal do Comércio - Qual é a vocação de Porto Alegre para o desenvolvimento econômico neste momento em que a cidade completa 250 anos? Qual é a diretriz da sua gestão?
Sebastião Melo - A cidade precisa potencializar o que já tem de bom: saúde, Porto Alegre tem excelência; comércio varejista, portentoso; um ecossistema de inovação muito bom, então, a cidade tem que ser cada vez mais inovadora, cidades que não avançaram em inovação não se sustentam mais; a educação, com sua rede, é um potencial da cidade. E a construção civil, um pilar também importante do desenvolvimento. A cidade precisa ter uma repaginada urbanística.
JC - Como?
Melo - (A revisão do) Plano Diretor que está em andamento, era para estar mais avançado, mas ele dá o tom de que cidade queremos nas próximas décadas. O Plano Diretor reafirma e muda conceitos. Nossa cidade cometeu erros urbanísticos nos últimos 30 anos. Expandiram a cidade para regiões longínquas, sem serviços públicos, isso trouxe transtorno para pessoas que moram lá, prejudicou muito a cidade. Então, o Plano Diretor que estamos discutindo tem que fazer um processo inverso, começando pelo Centro: aqui tem uma capacidade para 90 mil pessoas morando. Hoje tem 45 mil. Essa nova roupagem do Plano Diretor permite isso.
JC - E tem infraestrutura ociosa na região central?
Melo - Claro, muito mais gente poderia morar no Centro. Isso vale para o Centro, 4º Distrito e outros bairros.
JC - Além dessas medidas no Centro e 4º Distrito, também houve agilização de licenças e facilitação na venda de índices construtivos. É um projeto para estimular a construção civil na cidade de Porto Alegre?
Melo - O capital não tem pátria, vai onde sente segurança jurídica para investir: uma cidade que não muda as regras do jogo a todo momento, uma cidade que licencia rápido com sustentabilidade. Boa parcela da sociedade não quer comprar um apartamento ou moradia num ambiente que não tem sustentabilidade, quer morar mais perto de onde trabalha, ou trabalha no próprio apartamento, as coisas vêm mudando. É o conceito da "cidade 15 minutos": tudo que preciso para minha vida eu tenho em um raio que eu acesso esse serviço, saúde, sistema bancário, cultura (em 15 minutos de deslocamento). Isso não é realidade nas cidades brasileiras.
JC - O senhor está mudando o Plano Diretor de forma fatiada: Centro, 4º Distrito. Qual é o próximo capítulo?
Melo - Não vamos abrir mão do Plano Diretor geral. Só que se fôssemos esperar, terminaríamos nosso governo sem enfrentar a questão do Centro (a previsão atual é entregar o projeto de revisão à Câmara em 2024). A mesma coisa o 4º Distrito. Na área rural, que já foi 25%-30% do território do município (virou zona rururbana) e depois nós recriamos a zona rural em 2014, com 10% do território. Hoje tem quilômetros de área rural. E ela é rururbana, porque às vezes tem nucleozinho urbano. Por exemplo, não posso tratar esta região que tem um supermercado na esquina da (avenida) Edgar Pires de Castro com a Estrada do Lami, com 2 mil metros quadrados, e diz (na lei) que só pode construir 300 m2, e está lá funcionando há 10 anos. Tem indústrias na Zona Sul que não tem acesso, não tem água, porque não podia estar ali. Tem realidades que precisam ser resolvidas. Então, precisamos de um Plano Diretor da zona do Extremo Sul, que tem de se diferenciar do Bom Fim, do Centro, são cidades diferentes.
JC - O senhor vai encaminhar um Plano Diretor específico da Zona Sul antes da revisão geral da lei?
Melo - Não, o que está pautado é o Centro, já enfrentado, e o 4º Distrito. O restante vem no bolo do Plano Diretor.
JC - Qual é a previsão de reabertura do segundo andar do Mercado Público?
Melo - O incêndio foi em 2013, e 40 dias depois reabrimos o Mercado. Entramos para ser financiados pelo Programa Monumenta. A obra estava orçada, na época, em R$ 25 milhões, conseguimos R$ 9,5 milhões do governo federal, e R$ 6 milhões do seguro. No período em que fui vice-prefeito (2013-2016), R$ 16 milhões foram aplicados. O prefeito anterior (Nelson Marchezan Júnior, PSDB, 2017-2020) preferiu outro caminho, fazer concessão, e esse assunto passou quatro anos na Justiça. Não estou fazendo crítica, é constatação. Então, aquela obra, faltava PPCI, escadas, elevadores e o aumento da carga elétrica. Bom, agora, não tinha como botar um centavo sem uma solução jurídica. Conseguimos uma contrapartida, sou muito grato à Multiplan. A obra do Mercado começou, está a pleno vapor, previsão da entrega do Mercado Público no mês de junho.
JC - E as obras de reforma da Usina do Gasômetro?
Melo - É outra novela. Obra orçada em R$ 40 milhões, foi lançado um edital por R$ 12 milhões no governo passado, aditamos o contrato em 50%, o máximo que podíamos fazer, vamos chegar a R$ 18 milhões, a carcaça vai ficar pronta. Agora, tem Teatro Elis Regina, Sala de Cinema P.F. Gastal e outras questões. Vamos lançar uma PMI (Proposta de Manifestação de Interesse) para ver se Banco do Brasil, Caixa Federal assumem culturalmente a Usina para operar com o que há. Vamos tentar encontrar um parceiro para a Usina, se não, vai ser operada pelo (poder) público. É o equipamento público mais referenciado da cidade hoje.
JC - A Usina deve passar por mudanças estruturais?
Melo - Há muitas amarras, erros de projeto - abrimos um procedimento interno com a empresa que fez o projeto da Usina, porque não é erro do prefeito José Fortunati (então PDT, 2010-2016), nem do Marchezan. O erro é de quem fez o projeto.
JC - Porto Alegre teve seu oitavo superávit consecutivo no ano passado. E 2021, seu primeiro ano de governo, foi o melhor resultado dos anos 2000, com R$ 789 milhões de superávit. Tem espaço para cortar impostos na cidade?
Melo - Nós já cortamos imposto. Quer cortar mais? Para eventos, diminuímos o imposto (ISS) de 5% pra 2%; também o (programa) Creative, de 5% para 2% para empresa inovadora. E o terceiro, estávamos perdendo empresas de guincho, três ou quatro estavam indo embora, chamei todo mundo e fizemos um acordo, mandamos (projeto) para a Câmara, baixamos também (o ISS). E eles tinham dívidas com a prefeitura... Bom e o IPTU tinha quatro aumentos pela frente, porque a planta foi atualizada, estava muito defasada, e com emendas, os vereadores escalonaram esse aumento (ao longo dos anos). No primeiro ano foi 30% mais a inflação. O segundo aumento foi 20% mais atualização da inflação. E disse que os aumentos programados além da inflação, eu suspenderia. E cumprimos o contrato que veio das urnas. Lá em 2025 é se vai se olhar isso (novo reajuste no IPTU). Agora, queria dizer o seguinte: não vamos subir imposto.
JC - O ex-prefeito Marchezan se manifestou pela primeira vez publicamente e criticou a suspensão dos aumentos do IPTU, disse que os mais ricos ficaram livres de parte do reajuste e que a classe média pagou o aumento integral.
Melo - Respeito a posição do ex-prefeito, isso é democracia. Só posso dizer o seguinte: a maioria desses imóveis que cancelamos esses aumentos são imóveis comerciais, cujo valor venal estaria em R$ 500 mil a R$ 700 mil. Então, 80% desses imóveis que tiveram esse (aumento de) IPTU cancelado, são comerciais. E olha quanta faixa de Vende-se, Aluga-se na cidade É uma maneira de estimular a economia. Mas reconheço que tem 15%-20% dos imóveis que têm valores elevados e acabaram beneficiados com essa medida. Procede a crítica no que refere a esses 20%, mas dos 80%, não. E vamos combinar: um imóvel de R$ 700 mil é classe média.
JC - Ainda no superávit...
Melo - Outro fato importante é a mediação na prefeitura: quem tem dívida vem para o balcão de negociações. Então, tivemos superávit também porque fizemos o Refis, uns R$ 300 milhões, que não vamos fazer mais.
JC - Receita extraordinária.
Melo - Receita extraordinária. E não vamos aumentar imposto, isso não vamos fazer.
JC - Tem alguma área prioritária para aplicar esses recursos de superávit?
Melo - A gente fala R$ 789 milhões, é muito dinheiro, mas todo mundo está pedindo reequilíbrio de contrato da prefeitura, aí já tem um gasto. Segundo, a prefeitura está botando dinheiro no transporte público.
JC - Quanto?
Melo - Desde julho do ano passado, bancamos R$ 0,40 na passagem. Essa conta aportou para a Carris uma média de R$ 5 milhões a R$ 6 milhões por mês, mais R$ 3 milhões ou R$ 4 milhões para o setor privado. No ano passado, o investimento em asfalto foi de R$ 18 milhões e tinha R$ 7 milhões de previsão orçamentária. Neste ano vai subir para R$ 35 milhões. Então, onde subiu o gasto? Zeladoria. Não tem zeladoria melhor sem recurso. Para limpar mais a cidade, tem que aumentar o contrato da Cootravipa. A limpeza da orla não estava no contrato anterior. Esse dinheiro sai de algum lugar. Aumentamos bastante os aluguéis sociais, o André Machado (PP, secretário de Habitação) está aqui todo dia: "Melo tem que aumentar o dinheiro, porque tem demanda reprimida". Estamos na mesa de negociações com Simpa (Sindicato dos Municipários). Se a prefeitura caminhasse na direção da inflação (reajustar em 10% os salários dos servidores), isso significaria R$ 300 milhões para o funcionalismo, porque hoje tem uma folha de R$ 3,5 bilhões (ao ano), e gasta R$ 1,2 bilhão com a Previdência, sobram R$ 5 bilhões para todos os demais, educação, saúde...
JC - Tem solução para o transporte público?
Melo - O que não tem solução é só a morte... No transporte público, parece que as cidades não estão no Brasil, porque Estado e União não existem. Não tem lugar do mundo em que a mobilidade urbana não teve visão estratégica de governo central. No Brasil, não. É preciso dinheiro e planejamento, para que os municípios possam acessar recurso subsidiado pelo governo federal para produzir mobilidade. Vai ter metrô em Porto Alegre? Creio que não, pelo preço e o desarranjo que teria a cidade. Agora, pode ter BRTs, VLTs, integração regional. Isso é planejamento e dinheiro, obra de infraestrutura não se faz do dia para a noite. Então, tem saída para o transporte, mas tem contratos assinados, 15 anos pela frente. Poderia denunciar os contratos, mas esse assunto vai na primeira instância, segunda e vai para o Supremo. Vale a pena? Ou vale esgotar todos os esforços e convencer os operadores de que eles têm que dar um passo adiante junto com a prefeitura? Esse sistema está falido.
JC - A solução passa necessariamente por subsídio?
Melo - Passa. E por parcerias. Esse subsídio deve ser só dos municípios? Ou deve ser da União? O SUS tem dinheiro da municipalidade, Estado e federal. Tem que criar o "SUT", Sistema Único do Transporte Urbano.
JC - Mas em ano eleitoral não se resolve isso. É um pleito para o próximo governo?
Melo - A única coisa que podemos ter esse ano é a sensibilidade do presidente Bolsonaro de bancar isenções daqueles que tem acima 65 anos, porque é lei federal (aprovada no Congresso). Se fizer isso, não aumento a passagem. Boto um dinheirinho a mais e mantenho os R$ 4,80 (tarifa). Se esse dinheiro não vier, não tenho para bancar, aí aumento. O diesel subiu 70%, motoristas e cobradores ganharam a inflação, o vale alimentação subiu, plano de saúde subiu Isenções foram cortadas, mas não tem efeito imediato, o mesmo vai ser com diminuição de cobrador.
JC - Até quando dá para esperar o presidente?
Melo - Combinamos entre as cidades de dar aumento em um único dia, para mostrar ao Brasil que não é um projeto de Porto Alegre, Curitiba, São Paulo, Salvador. Nosso limite é início de abril, não tem como esperar.
JC - E baixar o preço da passagem, tem como?
Melo - Tem dois problemas. A Carris é uma empresa pública, tem funcionários em excesso, ações trabalhistas e um custo maior, porque compra pela 8666 (Lei das Licitações, por ser estatal). O mercado é assim, se eu vendo pneu para o privado é um valor... Se não tiver interessado (em comprar a Carris), vou partir para outro sistema, que é a liquidação da empresa... A passagem de ônibus seria R$ 5,20 hoje, o cidadão está pagando R$ 4,80, mas estamos bancando R$ 0,40. E se colocasse tudo o que os operadores de ônibus pedem na planilha, teria uma passagem de R$ 6,62. O que já temos consensualizado entre governo e operadores? Não vou botar o custo Carris na passagem... Ela fatura R$ 6,5 milhões por mês e o custo é R$ 12 milhões. Tudo isso para diminuir valor da passagem.

Perfil

Sebastião de Araújo Melo nasceu em 24 de julho de 1958, no município goiano de Piracanjuba. Começou a trabalhar ainda criança com os pais na lavoura. Aos 15 anos, se mudou para a zona urbana, onde trabalhou como balconista até os 18 anos. Chegou ao Rio Grande do Sul em 1978, quando se filiou ao MDB, enquanto trabalhou como carregador na Ceasa, chapista de lancheria e vendedor. Completou o Ensino Médio no colégio Marechal Floriano Peixoto. Entre 1982 e 1988, estudou Direito na Unisinos, onde presidiu o Centro Acadêmico Visconde de São Leopoldo, no biênio 1984/1985. Depois de se formar, advogou de 1989 até 2000. Foi conselheiro da OAB/RS em 1997. Deixou a advocacia quando se elegeu vereador pela primeira vez em 2000, depois de ter sido candidato cinco vezes. Se reelegeu mais duas vezes. Presidiu a Câmara Municipal em 2008 e 2009. Em 2012, foi eleito vice-prefeito pela chapa encabeçada por José Fortunati (então PDT). Depois de quatro anos como vice, disputou a prefeitura, mas perdeu para Nelson Marchezan Júnior (PSDB) em 2016. Dois anos depois, elegeu-se deputado estadual e, em 2020, foi eleito prefeito de Porto Alegre, cargo que ocupa atualmente.