Um fator que deve pesar para os brasileiros no início de 2021 é o fortalecimento da inflação. Influenciada por vários fatores - falta de matérias-primas para indústrias, retomada do consumo com o auxílio emergencial e desvalorização do real frente ao dólar - a alta dos preços vem ganhando impulso e seguirá afetando o bolso da população.
O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) avançou 0,89% em novembro, acima da taxa de 0,86% de outubro, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Esse é o maior resultado para um mês de novembro desde 2015, quando o indicador foi de 1,01%. Trata-se também da maior alta mensal desde dezembro de 2019 (1,15%).
Em 12 meses, o IPCA subiu 4,31%, acima dos 3,92% registrados no total dos 12 meses anteriores. A pesquisa Focus, do Banco Central, espera que o ano termine com uma alta de 4,35% no IPCA. Com o resultado, a inflação deve ficar acima do centro da meta para 2020, que é de 4%.
"No decorrer de 2021 a inflação deve cair, mas o consumidor vai começar o ano ainda impressionado pela alta, especialmente dos alimentos", destaca Gustavo de Moraes, coordenador do curso de Ciências Econômicas da Pucrs. De acordo com a pesquisa Focus, a previsão atual é de que a inflação medida pelo IPCA fique em 3,34% no fim do próximo ano.
Segundo o economista, ao longo de 2021 a alta do IPCA deve se enfraquecer, pois a atividade econômica ainda vai ser pouco desenvolvida. Com o fim do auxílio emergencial, que se encerra ao final de dezembro, o poder de compra da população deve sofrer redução. "Com uma taxa de 14% de desempregados e as transferências por parte do governo em diminuição, não terá como se manter o poder de compra, então o repasse de preços ao consumidor deve diminuir", destaca.
Apesar da pressão inicial, a tendência é que o Banco Central (BC) não deve subir a Taxa Selic - os juros básicos da economia -, atualmente em 2% ao ano, para controlar a inflação. "Não faz sentido aumentar taxa de juros em um país em recessão. Talvez depois do segundo trimestre haja algum leve aumento, mas se ocorrer deve ir a 3%, o que ainda é baixo para o Brasil", destaca Gustavo Bertotti, economista-chefe da Messem Investimentos.
Para manter os auxílios, o governo federal não teve outra solução senão aumentar o endividamento. Segundo os últimos dados do Banco Central, a Dívida Bruta do Governo Geral fechou outubro aos R$ 6,575 trilhões, o que representa 90,7% do PIB.
"Agora começa a fase de ver como pagar a conta dos estímulos governamentais usados pra mitigar a crise", destaca o economista Aod Cunha, que foi secretário estadual da Fazenda do Rio Grande do Sul entre 2007 e 2009. "A dívida do governo deve chegar perto de 100% do PIB. Em países mais ricos essa relação passa disso, mas neles os juros de longo prazo estão negativos ou perto de zero. No Brasil, apesar da taxa Selic estar baixa, em 2%, os títulos de dívida de 10 anos pagam acima de 7%. Então o endividamento brasileiro tem um custo maior por conta do risco do país", afirma.
Para Aod, a grande dúvida é como o governo vai conseguir financiar esse endividamento sem prejudicar a máquina pública e o investimento. Para o economista, as reformas econômicas tornam-se ainda mais relevantes para dar fôlego às contas do governo. Entre as medidas que Aod acredita que devem ser implantadas estão contingenciamento de despesas, como não ter aumentos de salários de funcionalismo, implantação das reformas administrativa e tributária, e corte de desonerações fiscais. "Não sei se vai ser possível fazer tudo isso com o ambiente político que existe, mas é necessário. Se as reformas não forem feitas em 2021 seremos obrigados a fazê-las em uma situação ainda mais adversa", alerta.
Se o cenário brasileiro é desafiador, no Rio Grande do Sul a situação é ainda mais preocupante. Além dos efeitos da pandemia, o Estado enfrenta outros fatores agravantes para uma tentativa de retomada econômica, como a situação nas contas públicas ainda mais deteriorada que a nacional e os efeitos que a possível segunda estiagem de verão consecutiva deve ter na economia, fortemente atrelada ao agronegócio.
Entre janeiro e setembro de 2020, a queda no PIB gaúcho chegou a -8,6% em relação ao mesmo período de 2019. Em todo o Brasil, a redução foi de -5% na mesma base de comparação, segundo dados do Departamento de Economia e Estatística (DEE) da Secretaria de Planejamento, Governança e Gestão (SPGG). "O Rio Grande do Sul não é uma ilha, e nossa situação vai depender muito do cenário do Brasil. Devemos ter uma retomada no primeiro semestre, mas em cima de uma base de comparação baixa, que foram os meses do auge das ações de isolamento social contra a pandemia. Só no segundo semestre teremos uma medida melhor da situação", afirma o economista Aod Cunha, que foi secretário estadual da Fazenda entre 2007 e 2009.
Para Aod, a principal dificuldade para o Rio Grande do Sul ainda são as contas públicas. O economista lembra que, embora o Estado tenha colocado a folha de pagamentos em dia neste mês - em parte devido aos auxílios de R$ 2 bilhões remetidos pelo governo federal - o Rio Grande do Sul segue com uma "corda no pescoço", que é a dívida com a União, que passa de R$ 4 bilhões por ano e não está sendo paga devido a uma liminar.
"Os pagamentos estão pendentes, em negociação entre Estado e União, devido a uma expectativa de que o governo gaúcho continue a fazer reformas nas contas públicas e, dessa forma, possa ter aprovado o Regime de Recuperação Fiscal (RRF). Isso daria legitimidade para manter o não pagamento dessa dívida por mais tempo", explica Aod.
Para o economista-chefe da Messem Investimentos, Gustavo Bertotti, o desempenho da economia gaúcha no primeiro semestre deverá sofrer novos abalos. "Temos uma segunda estiagem consecutiva nas lavouras de verão, o que preocupa muito, devido à importância do agronegócio no Estado. Além disso, estamos sofrendo um aumento de casos de Covid-19 e lotações de hospitais, o que pode gerar novas medidas restritivas às atividades econômicas", destaca.
"Em 2021 o Rio Grande do Sul deve seguir na situação de redução de investimentos, o que compromete a competitividade do Estado no médio e longo prazo", afirma o coordenador do curso de Ciências Econômicas da Pucrs, Gustavo de Moraes. Para o economista, as dificuldades nas quais o Estado se encontra não têm solução no curto prazo. "Enquanto não houver mudança estrutural no formato da economia gaúcha, os problemas continuarão graves", afirma.