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Rela��es Exteriores

Not�cia da edi��o impressa de 14/12/2018. Alterada em 14/12 �s 16h16min

Uma pol�tica externa fora da curva

Juliano Tatsch
A escolha do chanceler Ernesto Araújo para o Ministério das Relações Exteriores colocou a política externa do futuro governo Jair Bolsonaro no centro do debate político nas últimas semanas. A apreensão é consequência das opiniões expressas pelo diplomata em seu blog (www.metapoliticabrasil.com) por meio de textos com ideias conspiracionistas, críticas à esquerda, aos movimentos feministas, à imigração, ao regime chinês e àquilo que chama de globalismo. Mas, afinal de contas, o que esperar das relações internacionais no próximo ano?
Com a escolha de Araújo, diplomata de carreira há 29 anos, o indicativo é que o Brasil irá adotar uma postura nas esferas internacionais diversa daquela que tradicionalmente toma. Apostando em uma atuação baseada no multilateralismo, o País sempre buscou costurar suas parcerias sem exercer pressões ou procurar confrontos. No governo Bolsonaro, a tradição pode ser quebrada.
No anúncio do titular da política externa, o presidente eleito afirmou que Araújo irá "incrementar a questão de negócios no mundo sem viés ideológico de um lado ou de outro". O que se percebe, entretanto, por meio das declarações do futuro chanceler, é o contrário: as relações exteriores brasileiras caminham para serem identificadas com o liberalismo, em alinhamento com os Estados Unidos em prejuízo da América Latina e da China, e em aproximação com Israel em detrimento de países árabes .
O mais recente anúncio de Araújo, por exemplo, é o de que o Brasil irá se retirar do Pacto Global de Migração da ONU, aprovado em 10 de dezembro. A decisão vai ao encontro do que defenderam países como os Estados Unidos, Israel e Chile, com governos de direita que adotam postura crítica a questões de imigração.
Para a professora de Relações Internacionais da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) Ana Regina Falkembach Simão, uma política externa alinhada aos EUA e distanciada da China pode trazer prejuízos. "Os EUA sempre foram parceiros históricos do Brasil. Considerando os tempos atuais, com a emergência de novos países e de novos meios econômicos, essa aproximação tão forte em detrimento de outras relações não é benéfica, pois a China é, atualmente, o principal parceiro econômico do Brasil", afirma.
Em evento no início de dezembro, Araújo afirmou que "pela primeira vez em muitas gerações, talvez desde o tempo do barão do Rio Branco, (...) temos a oportunidade de construir a relação a partir de uma visão de mundo comum", referindo-se a política de relação bilateral que o novo governo pretende ter com Washington. "Hoje vamos além de uma comunidade formal de valores, de democracia, para uma comunidade de sentimentos", completou.
O professor do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufgrs) André Reis destaca que o vínculo com os Estados Unidos é central. A grande questão está no tipo de postura a ser adotada. "Isso está ligado à forma como se vê o mundo. Se vê um mundo bipolar, com espaço de relacionamento só com os EUA, ou se vê o mundo como multipolar, com múltiplas possibilidades de interação. Tradicionalmente, lideranças intermediárias como o Brasil têm uma vocação mais universal."
As críticas ao regime chinês e a aproximação com os EUA também apontam para um enfraquecimento das relações com o Brics - Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Para Ana Regina, se isso se confirmar, irá resultar em prejuízos econômicos. "Os países do Brics, em especial China e Índia são parceiros estratégicos. A Índia é importante economicamente, mas, acima de tudo, é importante politicamente, nos fóruns internacionais", enfatiza a acadêmica, que leciona História da Política Externa Brasileira na ESPM.
Reis ressalta que o novo governo precisa aprender a lidar com a multipolaridade do Brics. Segundo ele, o Brasil é respeitado como um interlocutor de peso e, juntas, as nações do grupo ganharam espaço de barganha. "Nas negociações em fóruns multilaterais, no G-20, por exemplo, o Brics foi ganhando espaço e defendendo uma ideia de uma maior democratização das esferas decisórias, afirma.
O ano de 2019 também se encaminha para um estremecimento dos laços com países em desenvolvimento, a chamada política Sul-Sul. Até as relações com os países vizinhos, especialmente com o Mercosul, tendem a ser revistas. Em entrevista, o futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, atacou o bloco regional, dizendo que o Mercosul "não é uma prioridade".

Ret�rica das redes sociais ser� colocada em pr�tica?

Tanto Bolsonaro quanto o futuro chanceler causam pol�mica pelas opini�es que publicam nas redes sociais. Uma coisa, por�m, � falar antes de assumir o cargo, com vistas a envolver apoiadores pol�ticos. Outra, � colocar em pr�tica o que foi dito.

Conforme o professor da Ufrgs Andr� Reis, a pol�tica externa de um pa�s tem peculiaridades que a diferenciam da pol�tica partid�ria interna. "A formula��o de pol�tica externa � baseada em v�rios constrangimentos, que s�o, basicamente, condicionamentos internos (a forma como o pa�s se v�, como ele v� o mundo, a base pol�tica interna, os grupos que est�o apoiando). E tamb�m tem constrangimentos externos. N�o se pode fazer tudo o que quer, n�o se pode fazer da forma que quer, no tempo que quer. Pa�ses intermedi�rios como o Brasil t�m uma margem de autonomia no sistema internacional, conseguem se movimentar, mas h� constrangimentos fortes a isso. Uma coisa � o Trump transferir a embaixada, a outra � o Brasil transferir."

Reis se refere � promessa da mudan�a da embaixada do Pa�s em Israel, de Tel-Aviv para Jerusal�m. O professor salienta que o Brasil tem uma posi��o hist�rica sobre a quest�o da Palestina e de Israel, constru�da em 1947 e refor�ada em 1967 - ou seja, � uma posi��o de Estado e n�o de governo. "O Brasil defende, na ONU, a exist�ncia de dois Estados dentro dos marcos da fronteira de 1967. Isso passa pelos governos militares, Sarney, Collor, Fernando Henrique, Lula, Dilma e Temer", diz.

O professor projeta que, do ponto de vista comercial, haveria cortes, embargos, e boicotes � exporta��o, principalmente de frango. Politicamente, tiraria a possibilidade de interlocu��o no Oriente M�dio, afastando o Pa�s de cerca de 30 na��es do Norte da �frica e do Oriente M�dio, o que poderia levar a perda de 30 a 40 votos na Organiza��o das Na��es Unidas, por exemplo, em uma eventual candidatura ao Conselho de Seguran�a.

Assim, Reis acredita que boa parte das propostas do pr�ximo governo ir�o ser dilu�das, perdendo a for�a inicial. "V�o ser pasteurizadas, deglutidas pela pr�pria m�quina diplom�tica, para sa�rem coisas mais palat�veis. N�o � poss�vel executar essa pol�tica externa da campanha. Em outras palavras: tem que sair do palanque, subir a rampa do Planalto e ver que o mundo � bem mais complexo do que frases de efeito do Twitter", conclui.

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